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Sul Informação - Os territórios-rede do século XXI

Os territórios-rede do século XXI

As grandes transições do século XX – climática e energética, ecológica e alimentar, tecnológica e digital, socioeconómica e sociocultural, geopolítica e securitária – conduzem-nos, no século XXI, a uma Grande Transformação (Polanyi, 1944).

Uma das facetas dessa Grande Transformação diz respeito à transição dos territórios-zona do século XX, territórios centralizados e verticais de natureza político-administrativa, para os territórios-rede do século XXI, territórios de cooperação horizontal, descentralizados e policêntricos, assentes em comunidades e plataformas inteligentes e criativas.

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Em termos gerais, podemos denominar essa transformação de transição para a governança multiníveis (GMN) e a cooperação territorial descentralizada (CTD).

Destaco quatro tópicos de análise: as referências jurídico-constitucionais (1), os níveis da GMN (2), a governança e o networking das plataformas no quadro da ENTI (3) (estratégia nacional de territórios inteligentes) e, por fim, os riscos da GMN no quadro europeu (4).

As referências jurídico-constitucionais reportam-se à democracia participativa (artigo 2º), aos princípios de subsidiariedade, autonomia das administrações locais e descentralização da administração pública (artigo 6º), à participação dos cidadãos na vida pública (artigo 48º), às regiões administrativas como parte integrante do poder local (artigo 236º), à inconstitucionalidade das normas que violem os princípios consagrados de democracia participativa e Estado subsidiário (artigo 277º).

No mesmo sentido, o artigo nº1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) refere que todas as decisões devem ser tomadas o mais próximo possível dos cidadãos (subsidiariedade).

Os níveis de governança multinível começam no multilateralismo global (1) por exemplo, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (17ODS) da ONU (125 municípios portugueses estão associados), mas, também, a Rede Europeia de Cidades Criativas da Unesco e os Itinerários Culturais do Conselho da Europa (15 municípios associados).

Em segundo lugar, os programas no quadro da União Europeia (2), no âmbito dos acordos de parceria com os Estados membros e dos programas europeus como é o caso da cooperação transfronteiriça, investigação e desenvolvimento e intercâmbio estudantil (Erasmus), entre outros. Acrescente-se, na conjuntura atual, o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).

Em terceiro lugar, a governança no quadro nacional e infranacional (3) nas relações entre a administração central, regional, sub-regional e local, no âmbito dos programas operacionais regionais e dos planos municipais e conduzida pelas CCDR em estreita articulação com as comunidades intermunicipais.

Finalmente, a governança no âmbito das organizações da sociedade civil e dos utilizadores finais (4) e suas plataformas de codecisão e cogestão, com capacidade para levar por diante a autorregulação dos seus interesses específicos. no quadro de uma sociedade mais colaborativa.

Muitas destas organizações já estão no terreno, mas, como se compreende, a tarefa principal da GMN é fazer convergir, no tempo e no espaço, estes vários níveis de governança e essa dificuldade é a principal restrição deste movimento geral de transição.

A governança multiníveis e o networking das plataformas são uma aplicação da estratégia ENTI, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 176/23 de 18 de dezembro.

Para lá da cultura política do território e da juridificação de atribuições e competências dos vários níveis de administração temos, agora, a smartificação dos territórios por via dos dispositivos tecno-digitais.

De um lado, as normas e as regras europeias, o império da digitalização, do algoritmo e das metas e métricas de desempenho, do outro, a territorialização das políticas públicas por via das plataformas de cooperação territorial descentralizada.

Em fundo, a ENTI e os centros de inteligência territorial para a produção de dados abertos, a prestação de serviços, a agregação de dados para o nível regional e a articulação desta base analítica com as políticas do território.

Os riscos da GMN são especialmente visíveis no quadro europeu.

Em primeiro lugar, um custo geopolítico e uma politização acrescida ao longo da década que podem conduzir a uma instrumentalização das administrações em função das necessidades da ação política e, logo, a uma menor relevância da GMN.

Em segundo lugar, o risco de que a burocracia das administrações seja substituída pela burocracia das máquinas inteligentes e que um excesso de normativismo digital e algorítmico com origem nas normas e regras europeias nos remeta para um nível mais intenso de condicionalidade supranacional.

Em terceiro lugar, um risco acrescido de colisão entre as regras da política, no plano doméstico, e a política das regras, no plano europeu que, no final, acabe por conduzir a uma União Europeia mais intergovernamental, com mais Estados relutantes e maior balcanização da política europeia.

Finalmente, o formalismo normativista e burocrático pode conduzir a uma reformatação do beneficiário e destinatário final e, portanto, a novas exclusões e discriminações.

A terminar, a revolução digital, a IA e os ambientes simulados transportam-nos para um universo quase desconhecido.

Sabemos, apenas, que esta transição irá afetar a constelação de poderes, de todas as dimensões, que estão há muito acantonados nos territórios-zona.

A velocidade das conexões é de tal ordem que vivemos uma espécie de multiterritorialidade permanente, sem fronteiras.

Todos os dias são concebidas empresas tecnológicas com novas aplicações, funcionalidades e redes colaborativas que põem a ridículo muitas das funcionalidades do modelo anterior, do velho e anacrónico mundo urbano-industrial.

O deslumbramento é enorme, mas uma dúvida permanece, a saber, a economia material não pode ficar refém da economia virtual e duma perversa distribuição de valor no interior da nova cadeia de valor imaterial.

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

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