Música de excelência, património quase desconhecido e um olhar atento a um sector de exceção da biodiversidade. Esta é a proposta do Festival Terras sem Sombra no próximo fim de semana de 14 e 15 de Junho, em Mourão, hoje vila rodeada pela grande barragem de Alqueva.
Ou, como salienta o festival, desta vez o palco será no «concelho de Mourão, um território de luz vasta e generosa, de horizontes largos, tecidos sob a forma de planície, mas também de águas abundantes, oferecidas por Alqueva».
Na componente musical, destaque para o concerto no sábado à noite, do Quarteto de Cordas da Orquestra da Costa Atlântica, num programa, pouco escutado, que explora a espiritualidade, a memória e a presença intemporal da mulher na arte.
A dimensão patrimonial, no sábado à tarde, propõe a visita à aldeia raiana de Granja, em périplo ao tecido histórico e cultural do povoado.
No domingo, o festival ruma à Herdade da Galeana, numa jornada de conhecimento da raça brava de lide, «prova de que o montado pode ser, simultaneamente, espaço de afirmação cultural e de conservação da biodiversidade».
Nesta apresentação em Mourão, o Terras sem Sombra conta com a parceria do município, que se junta ao apoio sustentado da Direcção-Geral das Artes, obtido mediante concurso público, para o biénio de 2025-2026.

Espiritualidade, memória e destino num concerto intimista
Um dos pontos altos da agenda do festival em Mourão ganha palco na noite de sábado (21h30), na igreja matriz de Nossa Senhora das Candeias, encaixada no castelo desta formosa vila fronteiriça.
«Cantos da Terra: O Eterno Feminino» intitula o concerto entregue à mestria do Quarteto de Cordas da Orquestra da Costa Atlântica, ensemble que reúne intérpretes de exceção: David Lloyd e Fabiana Fernandes (violinos), Catarina Gonçalves (viola d’arco) e António Ferreira (violoncelo).
Fundada para consolidar a música erudita em Portugal, a Orquestra da Costa Atlântica realiza desde 2015 uma atividade artística regular.
Com sede em Esposende, a instituição que lhe dá corpo desenvolve projetos para valorizar e difundir o repertório sinfónico.
Com 60 músicos profissionais, a orquestra adapta-se a diferentes formações conforme o programa, de que é exemplo o concerto de 14 de Junho, com repertórios desde o Classicismo à contemporaneidade, incluindo ópera e bailado.
Em 2024, a convite do Ministério da Cultura da China, realizou 28 concertos em várias cidades deste imenso país.
A direção artística é de Luís Miguel Clemente, maestro titular desde a fundação. Para além de dirigir, dedica-se à formação de novos maestros, lidera masterclasses e coordena a Jovem Orquestra da Costa Atlântica e a sua Academia de Direção.
Na noite mouranense, o concerto apresenta três obras que exploram espiritualidade, memória e destino, num convite à introspeção sobre os ciclos da vida e a presença eterna do feminino na arte. A compositora do século XX Florence Price faz-se presente com a peça Adoration uma devoção luminosa e feminina.
Por seu turno, um extraordinário compositor do século XIX, Franz Schubert, marca o programa, com o dramático Quarteto n.º 14, A Morte e a Donzela, onde o confronto entre vida e morte é expresso em intensos movimentos, simbolizando o eterno feminino.

Uma herança de séculos, a história e o património de Granja
A matriz do Festival Terras sem Sombra também se constrói com a descoberta de tesouros guardados em território alentejano. Tesouros pouco conhecidos, mas de enorme interesse cultural e identitário.
Isto mesmo propõe a tarde de sábado, 14 de Junho, a partir das 15h00. A atividade dedicada aos traços patrimoniais tem como tema «Uma Aldeia da Raia: História e Património de Granja», com ponto de encontro na igreja de São Brás, sob a condução de Vítor Serrão, professor catedrático emérito da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e um dos maiores conhecedores do património artístico de Portugal.
No extremo oriental do concelho de Mourão, Granja cuida de uma herança de séculos. Última povoação do distrito de Évora antes de pisar solo espanhol, esta aldeia alentejana é mais do que um marco geográfico junto à fronteira: é um território de substratos históricos, de memórias e de persistência cultural.
Implantada a escassos metros da ribeira de Alcarrache — braço serpenteante do grande lago de Alqueva — Granja é hoje uma das aldeias ribeirinhas do maior lago artificial da Europa.
O lugar remonta ao século XIII, com menções à «Granja do Hospital», administrada então pela Ordem dos Freires do Hospital.
A sua posição estratégica junto à raia transformou-a, séculos depois, em alvo recorrente durante a Guerra da Restauração, o que explica, em parte, o apagamento documental da sua história mais remota.
O passado da localidade manifesta-se num riquíssimo património: pontes de origem romana e árabe sobre os rios Alcarrache e Godelim, chaminés mouriscas e, sobretudo, o património religioso.
A igreja paroquial, do século XVI, destaca-se pela volumetria sóbria e planta retangular.
A poucos metros, a Igreja de São Brás, do século XIV, encontra-se classificada como Monumento de Interesse Público. Completa o conjunto a singela igreja da Misericórdia, no coração da povoação.

Visita à Herdade da Galeana: a raça brava de lide, hotspot da biodiversidade
A manhã de domingo, 15 de Junho (9h30), oferece a habitual atividade de salvaguarda da biodiversidade.
«Natureza Animal e Sinal de Identidade: A Raça Brava de Lide» dá o mote à incursão na Herdade da Galeana, numa ação conduzida por Joaquim Murteira Grave, médico veterinário e um dos grandes peritos internacionais no respeitante à conservação e melhoria do gado bravo.
Com ponto de encontro no Largo da Fonte Luminosa, em Mourão, a atividade propõe conhecer uma herdade implantada em perto de 1000 hectares, uma área privilegiada de montado, sistema agro-silvo-pastoril que combina pastagens, vegetação autóctone – como o sobreiro e a azinheira –, e a criação extensiva de gado.
É neste contexto que se encontra o touro bravo, espécie adaptada a este ecossistema, animal com uma estrutura corporal robusta, chifres desenvolvidos, com poderoso instinto de defesa e rara coragem.
A visita à Herdade da Galeana permite observar diretamente a gestão do território que ali é conduzida, nomeadamente no que respeita à manutenção de um mosaico de habitat e a sua relação com a criação do touro bravo.
Ali, a mobilidade dos animais e a gestão do pastoreio promovem a regeneração natural da vegetação, sobretudo das azinheiras, cuja bolota representa uma fonte alimentar essencial.
Acresce que a presença dos touros e a rotação das áreas de pastagem ajudam a controlar o crescimento excessivo de matos, o que reduz o risco de incêndios e beneficia outras espécies que habitam o montado.
Toda a programação da presente temporada pode ser consultada no site do Festival Terras sem Sombra.
As iniciativas são de acesso livre e gratuitas.
O Festival Terras sem Sombra prossegue a sua programação em Ferreira do Alentejo, a 8 de Julho, com o concerto ao piano de Kinga Samogyi: «Dançar nas Teclas: Piano per tutti».
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