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Marcelo e Lídia juntos numa exclamação: «ninguém tem sangue puro»

Um foi longo, com quase 30 minutos, o outro bem mais curto, cerca de 10, mas essa foi mesmo a única grande diferença. Marcelo Rebelo de Sousa e Lídia Jorge usaram o discurso do 10 de Junho, em Lagos, para deixar, no fundo, a mesma mensagem de tolerância e humanismo. Se um disse que «ninguém tem sangue puro», o outro acrescentou que ninguém se pode dizer «mais português do que o outro». A reflexão, deixada por ambos, teve o seu simbolismo – mas foi muito mais do que (só) isso.

Tal como tem sido hábito em todos os 10 de Junho, Marcelo Rebelo de Sousa usou várias vezes a mais palavra no seu discurso: “povo”.

Mas este ano, talvez sinais dos tempos, acrescentou-lhe o plural. Por isso, falou dos vários povos que passaram por Portugal – e por Lagos: «gregos, fenícios, mouros, germanos, nórdicos, judeus, africanos, latino-americanos e orientais».

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A longe enumeração tinha um outro significado: serviu como mote para o Presidente deixar a maior mensagem de todo o discurso. Ao recordar «esses e muito mais» e da «mistura», Marcelo rematou: «não há quem possa dizer que é mais puro e mais português do que qualquer outro».

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Em Lagos, disse, somavam-se, no passado, «os estaleiros das naus do futuro e o mercado dos escravos»; agora, cruzam-se «emigrantes regressados à pátria conjuntamente com residentes europeus, das Américas, das Áfricas e das Ásias».

A mensagem de Marcelo foi, de resto, ao encontro do que Lídia Jorge, presidente da comissão organizadora destas comemorações do Dia de Portugal, tinha dito há minutos. Os discursos quase pareceram ensaiados.

Lançando um dado para cima da mesa – no século XVII cerca de 10% da população portuguesa «teria origem africana», a escritora algarvia considerou que «ninguém tem sangue puro».

«A falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade: cada um de nós é uma soma do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco, do negro e de todas as outras cores humanas», disse.

E mais: «somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou».

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Lagos, de resto, expõe «a memória desse remorso», do qual é o exemplo o antigo Mercado de Escravos, hoje um núcleo museológico que pode ser visitado.

Lídia Jorge também aproveitou para fazer uma leitura da atualidade, falando de uma «fúria revisionista» que assalta «pelos extremos».

«O princípio da exemplaridade – essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre dignos – está a ser subvertido pela cultura digital. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende», considerou.

No dia em que também se celebra o nascimento de Camões, a algarvia, que é conselheira de Estado, colocou o poeta português ao nível de Shakespeare e Cervantes.

«Três dos maiores escritores europeus de sempre coincidiram no tempo apenas durante 16 anos e, no entanto, os três desenvolveram obras notáveis de resposta ao momento de viragem de que eram testemunhas. De modo diferente, mas em convergência, procederam à anatomia dos dilemas humanos: entre eles, os mecanismos universais do poder, o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, o poder temeroso e o poder laxista», disse.

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Voltando a Marcelo, o Presidente aproveitou ainda para abordar a necessidade de «cuidar dos que ficaram ou estão a ficar para trás, entre dois e três milhões, sempre, regime após regime».

«Temos o dever de nos recriar, de nos ultrapassar, cuidar melhor da nossa gente», disse, perante milhares de pessoas que encheram a Avenida dos Descobrimentos, em Lagos.

Daí que a pergunta, deixada por Lídia Jorge quase no final, tenha sido um dos remates perfeitos para a manhã vivida em Lagos: «como manteremos a noção de ser humano respeitável, digno, livre»?.

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

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