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Sul Informação - A metanarrativa da transição para a 2ª ruralidade

A metanarrativa da transição para a 2ª ruralidade

O espaço-território é uma sucessão interminável de formas e conteúdos, produzidos e reproduzidos continuadamente que as Grandes Transições – climática e energética, ecológica e alimentar, tecnológica e digital, demográfica e migratória, económica e social – vieram acentuar através de um movimento permanente de dissolução e recreação de sentido.

Neste movimento algo turbulento, estamos obrigados a formular uma metanarrativa de transição para a 2ª ruralidade, que seja consistente e transmita sentido e significado às hiperligações entre a cidade e o campo, a natureza e a cultura, a agricultura e o ambiente, o sector e o território, o moderno e o tradicional, as ciências naturais e as ciências sociais.

Esta metanarrativa parece-me necessária para dar maior consistência ao nosso modelo de desenvolvimento agro rural que, em primeira análise, pode ser definido em quatro patamares de agricultura: uma pequena agricultura familiar de pequena dimensão e baixa intensidade, orientada para os mercados de proximidade e os circuitos curtos de comercialização (1), uma agricultura familiar de dimensão média, mais especializada e intensiva, orientada para os mercados nacional e internacional (2), uma agricultura mais eclética como ilustração da transição verde e da modernização ecológica (3), por último, uma agricultura de precisão, capitalizada e intensiva, orientada, sobretudo, para os mercados externos de mercadorias (4).

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Esta transição para a 2ª ruralidade é, também, uma introdução à temática dos sistemas territoriais (ST), se quisermos, a uma nova geografia de sistemas complexos compostos de unidades de paisagem (UP), sistemas produtivos locais SPL), sistemas patrimoniais-culturais (SPC) e sistemas inovadores de administração e governo local (AGL).

Aponto como exemplos, as áreas de paisagem protegida, os parques agroecológicos municipais e intermunicipais, as áreas integradas de gestão paisagística, os condomínios de aldeias, mas, também, as sociedades de agricultura de grupo, as associações de baldios, as zonas de intervenção florestal, os condomínios de aldeia, as cooperativas agrícolas e a região-cidade de uma comunidade intermunicipal.

Os sistemas territoriais são complexos de vida, história e geografia, resilientes à homogeneização do mundo-plano, onde ainda é possível descortinar uma inteligência territorial remanescente e onde ainda se respira o espírito e o génio dos lugares, mesmo, e sobretudo, em áreas de baixa densidade.

Os sistemas territoriais são, também, complexos organizacionais transfronteiriços, muito para lá do sistema de distribuição de poderes do poder local e do organicismo corporativo das administrações locais e regionais.

Neste sentido, os sistemas territoriais são laboratórios ou incubadoras de construção de novas territorialidades, onde a pouco e pouco se recupera o capital natural e o capital social e se desperta a inteligência territorial adormecida dos lugares.

Nesta linha de pensamento, um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da agricultura da 2ª ruralidade residirá na inibição ou no receio que sentirmos em enfrentar as alternativas ao modelo dominante de agricultura, em ir à redescoberta, sem quaisquer medos, da nossa exclusão e contra racionalidade.

Se formos capazes de assumir a liberdade desta contra racionalidade, iremos, também, redescobrir muitos sistemas territoriais em espaços geográficos que já considerávamos não-lugares, pois mesmo nos espaços mais críticos da baixa densidade há uma razão orgânica e virtuosa e um génio dos lugares que podem irromper a qualquer momento, se forem devidamente observados e provocados.

Assim, os sistemas territoriais serão de geografia muito variável e podem acolher territorialidades muito diversas e pouco comuns.

Sabemos, de antemão, que será muito difícil fazer coincidir, no mesmo espaço-tempo, os quatro elementos que constituem o sistema territorial, tal como o definimos anteriormente.

Todavia, e esse é o mistério do nosso empreendimento, temos de ser capazes de conceber e desenhar uma estrutura de missão e projeto que torne possível e exequível essa convergência para o mesmo espaço-tempo, pois estamos plenamente convencidos de que o ecossistema de acolhimento que daí resultará é um território cheio de virtualidades e um campo imenso de oportunidades de desenvolvimento.

Para que esta transição seja bem-sucedida é fundamental que, em matéria de programação e planeamento, sejam concebidos, construídos e monitorizados certos pontos de acostagem, identificação e reticulação necessários ao mapeamento do território, como, por exemplo: a implementação dos planos de ordenamento (1), a requalificação dos equipamentos e infraestruturas em espaço rural (2), a identificação e promoção, em cada região agrária, dos principais projetos de referência e sinais distintivos territoriais, por exemplo,  produtos, serviços e destinos certificados e rotas, redes e circuitos (3), a acreditação de estruturas coletivas, agências, cooperativas e associações, para a promoção dos territórios rurais pertinentes (4), a realização de parcerias sólidas com os centros de investigação e as instituições de ensino superior (5), a promoção de programas de intervenção sócio comunitária e cidadania ativa, sobretudo, para os grupos mais vulneráveis da população (6).

Este mapeamento e estes pontos de acostagem são fontes privilegiadas de inteligência coletiva territorial que os atores-rede devem transformar em recurso e ativo cognitivo do desenvolvimento territorial.

E aqui entroncam, precisamente, as orientações da política de desenvolvimento rural (PDR) que visa, justamente, transformar recursos pré-existentes em ativos disponíveis. Nos dias que correm, porém, a nossa política de desenvolvimento rural (PDR) parece viver uma espécie de drama existencial.

Por um lado, não se pode pedir à PDR que resolva, simultaneamente, o atraso estrutural, a manutenção das populações e a adaptação da oferta rural às novas procuras emergentes. Por outro, como sabemos, a PDR tem, geralmente, por destinatários atores locais que são pouco dotados em capital próprio e que não asseguram à administração uma taxa de execução financeira apreciável.

Assim sendo, a PDR corre o risco de ser apropriada por outros destinatários, municipais, intermunicipais e regionais e disputada por outras políticas públicas suas vizinhas como é o caso da política agroindustrial, da conservação da natureza e do turismo rural e, agora, também, da habitação.

A conciliação de todos estes interesses é, só por si, uma tarefa extenuante que exige tempo e recursos incalculáveis e que, em nenhum momento, pode ser menosprezada se quisermos ter novos atores para o desenvolvimento rural.

E esta eventual migração para as zonas rurais é fundamental para, no futuro próximo, termos uma nova geração empresarial e uma nova inteligência coletiva territorial.

  • Acompanho há já anos suficientes a permanente reflexão do Professor António Covas sobre este espaço de “sucessão interminável de formas e conteúdos” que ele, aqui, lista com Território, Planeamento, População, Estrutura de missão, Convergência, Rotas, Redes, Circuitos, Estruturas coletivas, investigação, Habitação – apenas uma parte mínima da dimensão que ao longo dos anos nos tem colocado diante dos olhos como ferramentas de construção do nosso espaço coletivo, para o qual teimamos em continuar de costas voltadas. Os ouros dos brasis ou das europas não irão substituir o saberes e os fazeres da nossa ação comum.
    Obrigado Professor
    Manuel Dias

  • infraquinta rumo à sustentabilidade
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