Volto à temática das áreas de baixa densidade (ABD). O panorama geral é conhecido. Temos instrumentos financeiros substanciais (subvenções e empréstimos) para uma década, grandes transformações estruturais em perspetiva, riscos globais cada vez mais intensos e frequentes, uma transição geracional e uma sucessão empresarial absolutamente imprescindíveis.
Todavia, não conhecemos, ainda, uma política regional digna desse nome com a correspondente regionalização funcional dos instrumentos de política dos vários programas temáticos operacionais, nem temos uma estratégia administrativa para a digitalização dos territórios que, finalmente, ponha termo ao modelo-silo, corporativo e vertical, que remete as regiões e as comunidades locais para uma condição de representação subserviente, e tudo isto apesar da consagração constitucional das regiões administrativas e das reformas em curso.
A principal tarefa desta década não é a defesa da corporação político-administrativa, mas o incentivo à cooperação interinstitucional, ou seja, realizar a quadratura do círculo e pôr de acordo instituições de ensino superior, associações de municípios, associações empresariais e serviços regionais e, no interior deste quadrado, criar um centro de racionalidade ou ator-rede que seja capaz de pôr alguma ordem na cacofonia ecológica e digital do mundo das pequenas economias regionais, locais e rurais.
Dito de outro modo, o futuro próximo será feito de comunidades inteligentes, plataformas digitais colaborativas, serviços de rede, financiamentos mais participativos e atores-rede como incumbentes principais, muito para lá do velho modelo-silo, vertical e corporativo, próprio da nossa vetusta estrutura política unitária e centralizada
Um dos grandes trunfos das ABD é o hibridismo do espaço rural, um híbrido de produção, consumo e conservação, que não só alarga os mercados de futuro como a tipologia de agriculturas AAA (agricultura, ambiente, alimentação) e a gama de produtos oferecida.
Os mercados de futuro serão um mix cada vez mais complexo de tecnologia, ecologia e economia com uma oferta conjunta de bens e serviços cada vez mais diversificada.
Neste enquadramento, as comunidades inteligentes, apoiadas em plataformas digitais colaborativas, podem acolher muitas start up e oferecer uma gama variada de serviços de rede em diversas áreas ligadas entre si, por exemplo:
– Os serviços ligados às agriculturas de precisão e aos modos intensivos de produção,
– Os serviços ligados às agriculturas de nicho, denominações e indicações geográficas,
– Os serviços ligados à logística dos circuitos curtos e mercados locais,
– Os serviços ligados à economia circular, bioeconomia e ecossistemas,
– Os serviços ligados às bioenergias e redes energéticas,
– Os serviços técnicos e tecnológicos ligados aos ambientes inteligentes e gestão SIG
– Os serviços de reabilitação e restauro do património natural e construído,
– Os serviços ambulatórios ao domicílio e os programas de envelhecimento ativo,
– Os serviços ligados à produção de conteúdos para eventos criativos e culturais.
Acresce que, do ponto de vista político-administrativo, o desenvolvimento dos territórios necessita de uma base institucional consolidada que só poderá resultar de uma articulação eficaz entre os níveis regional (CCDR), intermunicipal (CIM) e municipal (CM).
Entre as medidas mais relevantes para a regionalização funcional da política de coesão territorial destacam-se as seguintes:
1) O Polo de inovação digital
O polo terá as competências do banco de dados regional, o acolhimento da estrutura de start up regional e o respetivo espaço de coworking.
2) O programa de ação digital regional
O polo conduzirá o programa de literacia digital, o programa de lojas municipais do cidadão, o lançamento de serviços à distância.
3) A estrutura de gestão dos programas de investimento das CIM
A CIM coordenará os projetos financiados por fundos europeus e outros programas de captação de investimento (em aplicação da Lei nº50/2018 de 16 agosto e do DL nº102/2018 de 29 novembro) em articulação com o ICEP e o IAPMEI.
4) O Laboratório colaborativo regional de apoio à economia verde e circular
O Laboratório coordenará os projetos financiados no âmbito do pacto ecológico europeu, onde se incluem os projetos da economia verde e circular.
5) A oferta integrada e complementar intermunicipal de bens e serviços comuns
A CIM coordenará a oferta integrada e complementar de bens e serviços comuns colaborativos.
6) Protocolos de colaboração entre as CCDR/DRA/CIM/GAL e o movimento associativo de base local
Estes protocolos facilitarão o planeamento e gestão dos investimentos previstos no Programa de Desenvolvimento Rural, mas, também, as ações integradas de base local e territorial previstas na política de coesão.
7) A criação da escola regional de artes e tecnologias
O projeto cultural e tecnológico da CIM justifica plenamente a criação da escola de artes e tecnologias que servirá para apoiar a realização do plano de ação da transição digital.
8) A criação da associação regional de jovens empresários e a formação empresarial
No plano do rejuvenescimento socio-empresarial espera-se que as IES (instituições de ensino superior), as AEP (associações empresariais e profissionais e escolas profissionais agrícolas) e as AP (administrações públicas) se entendam sobre a sua própria modernização e o imperativo de renovação e sucessão empresariais.
9) O centro de acolhimento e integração de trabalhadores migrantes
O declínio demográfico, por um lado, e a necessidade de rejuvenescimento da população ativa, por outro, justificam a criação deste centro de acolhimento e integração de trabalhadores migrantes.
No final, tão ou mais importante do que este elenco de possibilidades é a sua articulação e os serviços de rede que pode proporcionar. Aqui, mais uma vez, o ator-rede pode desempenhar o papel de agente-principal e curador de muitos destes interesses regionais e locais.
Neste sentido, a conexão das redes 4G e 5G impulsionará a convergência entre a transição digital e a transição ecológica que será o grande motor desta nova fase.
Se esta convergência for devidamente patrocinada, em especial o apoio à mobilidade jovem, poderemos estar na iminência de uma explosão de start-ups em espaço rural, embora nada garanta que elas não apareçam em ordem dispersa e com um impacto reduzido.
Se tudo correr bem, se as comunidades locais criarem os seus atores-rede, poderemos ter uma economia regional colaborativa que tornará o capitalismo das ABD mais popular e genuíno, no sentido próprio dos termos, e onde o capital social será tão ou mais decisivo que o capital financeiro.