Na sociedade em rede, uma das questões mais interessantes para as ciências humanas e sociais diz respeito à arquitetura das redes e à interação entre laços fortes e laços fracos das redes (Granovetter, 1973 e 1983).
O tema ganha uma importância acrescida na sociedade digital e, desta vez, relativamente ao modo como os laços fracos das comunidades online interagem com os laços fortes das comunidades offline.
Ou seja, deve haver complementaridade e cooperação entre as duas comunidades, online e offline, e dessa colaboração será possível obter novos contextos de socialização, aprendizagem e conhecimento mais ricos e criativos.
Os laços fortes, pela sua própria natureza, predominam nos agrupamentos e associações mais familiares e corporativos onde há mais identidade de grupo e mais divisão do trabalho no interior do grupo, enquanto os laços fracos prevalecem nas redes sociais mais abertas e distantes onde funcionam como pontes que facilitam a troca e a transação e, também, a novidade e inovação.
A partir de 2004, sobretudo, assistimos a uma explosão das redes e plataformas e, portanto, a uma explosão de comunidades virtuais.
A partir desse momento, a interação social torna-se muito mais complexa e articula três esferas e/ou efeitos relevantes: o efeito corporação (o espírito de grupo), o efeito instituição (a qualidade da intermediação) e o efeito comunidade virtual (a conexão entre laços fortes e laços fracos).
Doravante, a lógica da ação coletiva passa por este triângulo potencialmente virtuoso que precisa de ser devidamente operacionalizado entre os agentes e incumbentes principais de cada território em particular.
Isto dito, teremos, doravante, muitos alinhamentos possíveis entre a conexão reticular dos laços fracos e a conexão corporativa e institucional dos laços fortes.
De um lado, as comunidades de maior proximidade dos nossos familiares, amigos e colegas de trabalho, do outro, as relações online à distância, isto é, uma grande variedade de contatos e conhecimento.
A grande inovação reside, portanto, na melhor articulação possível entre a conexão reticular das comunidades online e a conexão de proximidade das comunidades offline. Há, porém, um grande paradoxo a funcionar nestas conexões, a saber, os laços fortes estão cada vez mais fracos e os laços fracos estão cada vez mais fortes. E porque é que isto acontece?
O caminho que temos percorrido nas últimas décadas começou na massificação da era industrial, com a urbanização densa e o cosmopolitismo metropolitano, até à individualização da era digital com os smartphones, os computadores portáteis e as bolhas das redes sociais.
Ao longo desta transição, ainda em curso, os dispositivos tecno-digitais foram desmaterializando o anterior espaço público e, ao criarem uma espécie de colónia virtual para onde todos os dias emigramos longas horas, geraram ambientes simulados e realidades paralelas onde vigora o anonimato e o desdobramento de personalidade.
Pelo caminho, nesta conversão de realidades materiais e imateriais, vão ficando a empatia, a humanidade, a energia emocional e simbólica, enquanto os processos de socialização e sociabilidade se vão complexificando cada vez mais.
Ao longo desta transição, aumentam as trocas entre os laços fortes das comunidades offline e os laços fracos das comunidades online, de acordo com a sua intensidade especifica.
A força dos laços fracos revela-se mais através do paradigma da mobilidade: mais trabalho à distância, semana de trabalho reduzida, maior variedade da condição socio-laboral, mais nomadismo digital e recomposição dos lugares (lugares, não-lugares e terceiros lugares), mais pluriatividade e plurirrendimento. Por outro lado, a fraqueza dos laços fortes revela-se mais nas crises recorrentes das velhas instituições urbano-industriais, como a família tradicional, a escola, a relação socio-laboral, a crença religiosa, as relações cidade-campo, etc.
Aqui chegados, a grande questão reside em saber como articular virtuosamente a conexão reticular das comunidades online com a conexão corporativa das comunidades offline, sabendo antecipadamente que a literacia digital, a reciprocidade e a confiança entre comunidades, as redes distribuídas e as plataformas intermunicipais, o pleno desenvolvimento da democracia participativa, a cultura e a curadoria territoriais, são fatores que concorrem para reduzir as incidências mais negativas da dupla de laços fortes e fracos.
Neste sentido, quero crer que um bom exemplo de articulação virtuosa reside na formação de plataforma multiterritoriais que interligam redes de ensino superior, de municípios, de associações empresariais, de agrupamentos escolares, de museus e centros de arte, etc. Neste contexto, um ator-rede e uma boa curadoria territorial para a administração do programa de ação parece ser uma proposta promissora.
Uma nota final sobre esta transação entre comunidades offline e online e laços fortes e fracos. Na sociedade das redes globais e centralizadas, as grandes plataformas digitais definem as regras do jogo de cima para baixo, não obstante a decisão de participação ser sempre do utilizador.
Nas plataformas descentralizadas da democracia participativa, a programação e a escolha social definem-se, em princípio, de baixo para cima por agregação de interesses que a função algorítmica da rede ajuda a definir e consolidar.
Nas comunidades institucionais da democracia representativa, porém, a escolha social define-se de cima para baixo por decisão política que não segue, necessariamente. a indicação dada pela agregação das preferências individuais.
Os bens públicos e os bens comuns são, nesta matéria, um terreno próprio da essência da decisão política.
Estão em causa matérias como a conceção da privacidade, os direitos humanos, a privatização do espaço público, a regulação da economia das plataformas e, em última instância, os modelos de digitalização que ligam os mercados, as sociedades e os Estados, tudo matérias fundamentais que não podem ser decididas, apenas, pela lógica das redes.