«Uma bola de neve de problemas»: é assim que alguns moradores do Bairro Ribeirinho de Faro descrevem o sítio onde vivem, uma zona nobre da cidade, mas também uma zona que é casa de diversão noturna, de muito turismo e de quem pratica atos de vandalismo.
As queixas não são recentes e tornam-se cada vez mais recorrentes. Corria o ano de 2022 quando um pequeno grupo de moradores daquele Bairro – que há umas décadas estava praticamente deixado ao abandono – decidiu criar uma associação com o objetivo de «promover a qualidade de vida de quem vive e trabalha» naquele local.
O que defendem? O direito à segurança – com policiamento e fiscalização recorrente, iluminação pública devida e videovigilância –, o direito ao descanso – com o cumprimento das leis do ruído, de horários adequados de abertura e fecho dos estabelecimentos e proibição de venda e consumo de bebidas no espaço público – e o direito a um ambiente limpo e saudável – com conservação de pavimentos, saneamento, recolha de lixo e limpeza recorrente das ruas. Além disso, querem o impedimento de ocupação abusiva do espaço público.
«Hoje somos 100 sócios e, ao contrário do que muitos pensam, no Bairro não vivem só idosos, que já têm falta de ouvido e pouco saem de casa. Muitos de nós ainda estão em idade ativa e há pessoas que, por dormir três horas por noite, têm de se medicar, coisa que podia não acontecer», afirma ao Sul Informação Ana (nome fictício de uma moradora do bairro que preferiu ficar no anonimato).
Desde 2022, as reuniões com a Câmara Municipal de Faro foram muitas, bem como com as forças de segurança, de modo a que se conseguisse chegar a um entendimento e todos pudessem viver em harmonia.
Desde então, a autarquia procedeu à implementação do sistema de videovigilância – que, em Abril, já estava «numa fase muito avançada», mas que, ao que o Sul Informação apurou, à data de publicação desta reportagem ainda não está a funcionar – bem como à alteração dos regulamento de ruído e horários de funcionamento de estabelecimentos.
Para os moradores, nada disto se tem revelado suficiente – «e à vista estão muitos mais problemas», diz Ana, apontando para os passeios desfeitos, as paredes e portas vandalizadas ou os parapeitos das janelas onde, segundo ela, «muitos consomem droga durante a noite».

«Está tudo pior [desde 2022]. Nós constituímos a associação porque ninguém no bairro conseguia viver. Começámos a juntar vários problemas, que, na altura, eram maioritariamente a sujidade e o descontrolo dos bares, mas que agora são mais», frisa Ana.
Maria (nome fictício de outra moradora que também preferiu manter o anonimato) fala num «descarregar de responsabilidades em cima das costas de outros».
«A polícia sobre a Câmara e a Câmara sobre a polícia. O problema mais espampanante é o do ruído provocado pelos locais de diversão noturnos, que deveriam cumprir muitas regras e não cumprem, mas, deste problema, há vários filhos: como a sujidade das ruas no dia seguinte, os desacatos durante a noite e o descontrolo», continua.
De acordo com os moradores, a recetividade da autarquia para ouvir a Associação existiu sempre, mas «o pior é a parte da ação».
Ao Sul Informação, Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, afirma que o Município «está atento a tudo o que se passa no Bairro Ribeirinho e, em particular, a fazer um conjunto de ações».
«Desde logo, a requalificação daquela zona, a implementação de videovigilância, a fase avançada em que estamos do concurso para a Polícia Municipal para nos ajudar também ali, e a alteração aos regulamentos, diminuindo uma hora todos os dias para que os estabelecimentos fechem mais cedo», diz o autarca farense.
«Isso pode trazer algum alívio às pessoas que ali vivem», acrescenta Rogério Bacalhau, embora defendendo que é preciso «compatibilizar duas realidades: a dos moradores e a da área comercial e de diversão que existe ali há algumas décadas».
Uma solução que há muito é sugerida – e que, de acordo com Ana e Maria, já foi proposta à Câmara de Faro – é a de que os bares e discotecas funcionem num sítio próprio, longe de zonas habitacionais.
«Nós não estamos contra os bares nem queremos que nada feche, mas é justo que tenham um sítio mais adequado e idóneo para este tipo de coisas. Aqui, devia ficar apenas a restauração e, mesmo que sejam bares, que estejam abertos até uma hora de decente convivência com os outros. Em Lisboa, por exemplo, a noite do Bairro Alto morre às 2h00 porque depois toda a gente vai para as docas», realça uma das moradoras.

Mas, segundo Rogério Bacalhau, esta transferência «não é possível».
«Se o fizéssemos, a minha questão é: como e para onde? O como, porque as pessoas fizeram os seus investimentos ali – e transferir um bar de um sítio para outro implica custos muito grandes para os empresários. E depois, para onde, porque ou levamos isto para fora das cidades – e as pessoas não vão para lá – ou temos de fazer dentro da cidade. Isto é muito difícil e, por tudo isso, o que tentamos fazer é compatibilizar», afirma o autarca, dando como exemplo as alterações aos regulamentos.
Neste novo regulamento de ruído e horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços de Faro, publicado em Diário da República a 27 de Fevereiro, está definido que os estabelecimentos de restauração, de bebidas ou mistos (restaurantes, cafés ou pastelarias, entre outros) podem funcionar todos os dias, entre as 6h00 e as 2h00.
Já os estabelecimentos de bebidas e restauração, devidamente licenciados (bares, salas de espetáculos, teatros, cinemas, recintos de espetáculos, entre outros) podem funcionar entre as 10h00 e as 3h00, de domingo a quarta-feira, e entre as 10h00 e as 4h00, às quintas-feiras, sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado. Antes, este grupo podia funcionar entre as 10h00 e as 4h00, todos os dias da semana.
Os estabelecimentos de bebidas e restauração licenciados como clubes de dança, discotecas ou similares podem ter horários entre as 10h00 e as 3h00, de domingo a quarta- feira, e entre as 10h00 e as 5h00 às quintas-feiras, sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado. Antes, este grupo podia funcionar entre as 10h00 e as 6h00 de todos os dias da semana.
Já as esplanadas exteriores de estabelecimentos devidamente licenciados, como restaurantes, cervejarias, snack-bares ou similares, passam a ter de encerrar, todos os dias, no máximo, às 2h00, podendo as que estão em zonas balneares, e em época balnear, funcionar até às 3h00.
O novo regulamento estipula ainda que os estabelecimentos situados em edifícios de habitação apenas possam funcionar entre as 8h00 e as 24h00, podendo, «a título excecional, adotar os horários fixados para os restantes estabelecimentos caso obtenham o consentimento prévio do proprietário do edifício, ou a declaração de não oposição do condomínio, tratando-se de edifício em propriedade horizontal».

Ao nosso jornal, a PSP, que é quem ficará a fiscalizar o cumprimento (ou não) deste regulamento, explica que, apesar de as alterações já estarem publicadas, como há um período de adaptação, as coimas a aplicar são ainda consoante o regulamento antigo.
«Por norma, o que acontece é que este período é de adaptação. Portanto, a ideia agora é sensibilizar, nestes seis meses, para depois, sim, caso seja necessário, se aplicarem as sanções de acordo com as novas regras», explica ao Sul Informação o comissário Diogo Magalhães.
Questionado sobre a falta de policiamento, da qual os moradores se queixam, e sobre o possível aumento da criminalidade, Diogo Magalhães esclarece que «há uma diferença entre aquilo que é a segurança e o sentimento de segurança».
«Em termos de números e de estatísticas, neste momento, nada nos leva a apontar para um aumento da criminalidade, mas, obviamente, também nos preocupamos com o sentimento de segurança e trabalhamos nisso», frisa o polícia.
De acordo com este profissional de segurança, o que tem sido feito é uma estratégia de visibilidade e de ocupação do espaço com recurso à divisão de Faro, com patrulhamento de proximidade, às equipas de intervenção rápida, nas noites de maior movimento e direcionada à diversão noturna, ou no fim de semana e noutras noites em que se preveja mais movimento – e aí também com reforço do corpo de intervenção e da Unidade Especial de Polícia.
Mas Ana e Maria, em nome de todos os outros moradores, falam igualmente nos longos períodos de espera entre o momento em que alguém liga para as forças de segurança a fazer uma queixa e o momento em que eles chegam.
«Quando eles chegam, muitas vezes, as coisas já aconteceram e eles [quem pratica os atos ilícitos] já se foram embora», diz Maria, enquanto tira o telemóvel para mostrar a imagem da porta de uma vizinha que, em poucos meses, já foi vandalizada mais do que uma vez.
Como a porta desta senhora, há, de acordo com as moradoras, vandalismo em muitas outras, principalmente nas casas que não estão ocupadas (ou melhor, não estariam se não houvesse gente a viver lá de forma ilegal).
Quem passeia pelo Bairro Ribeirinho, consegue, aliás, perceber que isso é uma realidade, já que são vários os edifícios onde, apesar de nem sempre se ver gente, se vê restos de comida, lixo, mantas e colchões – situação que contrasta com a realidade dos edifícios novos que por lá vão sendo construídos (um deles mesmo colado a um estabelecimento de diversão noturna).

De acordo com Ana e Maria, o número de casas ocupadas ilegalmente «aumentou muito nos últimos anos» e até já foi entregue à Câmara uma lista com os sítios onde isso acontece.
«Quem mora nestas casas são os últimos da sociedade. Os desesperados, os drogados, as prostitutas, os imigrantes e também portugueses. E que fique claro que é muito fácil, com estes dados, criar etiquetas, mas nós, como associação, não queremos isso», diz Ana, referindo que, em todos os casos, já entraram em contacto com a PSP, com a Câmara e até com as agências imobiliárias que estão responsáveis pela venda destes imóveis.
«Fazemos tudo isso, mas há casos onde nada se resolve para lá de um ano e meio e outros que se resolveram porque nós conseguimos descobrir quem eram os proprietários e falámos diretamente com eles», continua.
Segundo uma das moradoras, «há até casas onde já puxaram a eletricidade, outras onde já foram detetados casos de sarna e infestações de percevejos».
«Temos conhecimento porque já ajudámos a pessoa com sarna a medicar-se e a ir ao hospital. Esta pessoa morava com mais 30, em condições que se pode imaginar, sem água corrente nem saneamento básico», continua.
Um dos casos mais visíveis é o da ocupação do edifício vermelho localizado em frente à Igreja de São Pedro.
A 30 de Junho, esta casa motivou até uma publicação na página da Associação de moradores, onde se lia que «a Casa Gertrudes está novamente sem portas», depois de terem sido colocadas estruturas envidraçadas.

Nessa mesma publicação, os moradores relembraram que «no dia 4 de Julho de 2023, ardeu uma casa ocupada» e por eles «sinalizada atempadamente, e que aquele incêndio podia ter provocado um desastre de proporções trágicas».
«As tragédias, muitas vezes, podem ser evitadas: que nunca ninguém diga que desconhecia o problema porque, do das casas ocupadas, todos sabem», realçou ainda a Associação
Em entrevista ao Sul Informação, o comissário da PSP diz que este «é outro exemplo paradigmático da diferença que há entre aquilo que nos chega e aquilo que nós próprios conseguimos observar e, por isso, registar».
Além disso, coloca-se o problema de as autoridades não poderem entrar em propriedade privada sem autorização.
Em relação a este tema, a Câmara garante que tem vindo a acompanhar essa questão e «foram todas controladas, daquelas que sabemos. As pessoas saíram e as casas foram emparedadas».
No que à segurança diz respeito, Rogério Bacalhau destaca ainda a importância que terão as câmaras de videovigilância (que se acredita que tenham «efeito dissuasor») e a Polícia Municipal, que, como já havia revelado ao Sul Informação, se espera que comece a trabalhar no início de 2025.
Ana, Maria e mais moradores estão confiantes de que estas novidades possam ajudar, mas, na sua opinião, há muito mais a fazer.
«Dar condições às pessoas para aqui viverem é essencial. Fazer com que os idosos e todos nós nos sintamos seguros a sair à rua. Os passeios precisam de reparos e as ruas de espaço para que, se for preciso, uma ambulância consiga passar aqui. A Câmara dorme, está virada para si própria e não para estes problemas que seriam, achamos nós, de resolução não assim tão difícil», rematam as moradoras.
Fotos: Beatriz Bento | Sul Informação