O núcleo de Arte Sacra do Museu Municipal de Ferreira do Alentejo recebeu, no sábado, dia 22 de Junho, uma doação do embaixador da Bélgica em Portugal, Serge Wauthier.
Trata-se de uma pintura em tela, representativa do sofrimento de Cristo, da autoria de um artista lituano, que ficou exposta na Igreja da Misericórdia de Ferreira, que alberga aquele núcleo de Arte Sacra.
A assinatura do protocolo, que contou com o embaixador Serge Wauthier e com o presidente da Câmara Municipal Luís Pita Ameixa, marcou o início de mais um fim de semana do Festival Terras sem Sombra, que, no fim de semana passado, teve lugar no concelho de Ferreira do Alentejo.

O autarca ferreirense saudou a Bélgica, que «é um país fundador da Comunidade Europeia, que, mais tarde, nós, Portugal, viemos a integrar». Mas esse país, sublinhou, «também é visto como o verdadeiro coração da Europa. É ali que bate o coração da Europa».
Pita Ameixa acrescentou que o concelho de Ferreira tem «o gosto de ter aqui uma pequena comunidade de belgas, pelo menos três famílias. Espero que gostem do nosso território. Também gostamos de os ter cá».
O presidente da Câmara expressou ainda «um grande agradecimento, um grande reconhecimento pela parte do Município, por ter sido objeto desta dádiva, deste ato altruísta».
Como «expressão desse agradecimento», Pita Ameixa ofereceu a Serge Wauthier recordações do concelho de Ferreira do Alentejo: uma miniatura, em cerâmica, da emblemática Capela do Calvário, bem como uma cesta de esteira de Odivelas, freguesia do concelho, um trabalho manual que «está em processo de classificação como Património Cultural Imaterial Nacional». Pormenor importante: a cesta estava recheada com algumas coisas boas do concelho.

Por seu lado, o embaixador belga contou que a pintura lhe foi oferecida quando estava em Vilnius, na Lituânia, e, desde aí, sempre o tem acompanhado.
«É uma pintura comovente, ninguém fica indiferente ao sofrimento deste rosto», salientou. «O que mais me comove, mais que as gotas de sangue, são as lágrimas, porque as lágrimas representam um sofrimento interior».
Na realidade, o fim de semana do Terras sem Sombra tinha começado uns momentos antes, quando o grupo de cante «Os Boinas», a partir do coro da Igreja da Misericórdia, cantou três modas alentejanas, dando o tom para dois dias de muita música, património e biodiversidade.

Na tarde de sábado, seguiu-se uma visita à Igreja da Misericórdia, edifício de meados do século XVI, um exemplo da evolução da arquitetura tardo-manuelina. A porta manuelina que ostenta na sua fachada, porém, só ali está desde inícios do século XX, quando foi retirada da Igreja do Espírito Santo, como explicou Maria João Pina, diretora do Museu Municipal de Ferreira do Alentejo.
O edifício acolhe agora o Núcleo de Arte Sacra do Museu, dedicado à ação assistencial e religiosa desenvolvida pela Misericórdia e que continua o labor da instituição medieval que a antecedeu, a Confraria do Espírito Santo.
«Este núcleo evoca as antigas confrarias medievais, como a do Espírito Santo» (século XV e XVI), com um património e uma ação que depois viria a ficar sob a alçada da Misericórdia, criada em 1516, explicou aquela responsável.
Do Núcleo, destaca-se o riquíssimo arquivo, que permite reconstituir muitos aspetos pouco conhecidos do passado da região, entre epidemias, guerras e catástrofes naturais.

Maria João Pina destacou também que Ferreira era, nos tempos medievais, local de paragem dos peregrinos que iam para Santiago de Compostela, já que por ali passava um dos Caminhos. Testemunho disso mesmo é a concha e o resto da panela onde os peregrinos queimavam as suas vestes quando concluíam o seu Caminho, encontrados numa sepultura com cerca de mil anos, num sítio arqueológico de Ferreira do Alentejo.
Uma das peças que já não estão na Igreja da Misericórdia, mas no vizinho Museu, é o retábulo da antiga Igreja do Espírito Santo. «A Igreja tem problemas de humidade e o retábulo estava adossado a uma das suas paredes, mas apresentava tais patologias, que teve de ser retirado», acrescentou.
O arquiteto Ricardo Estevam Pereira, do Museu de Sines, que foi um dos responsáveis pela intervenção de conservação feita recentemente na Igreja da Misericórdia de Ferreira, recordou que o retábulo se apresentava «coberto de pontinhos vermelhos, que inicialmente eu pensava que fosse caruncho, mas eram fungos».
A peça, que apresenta belas pinturas de cenas da vida de Cristo da autoria de um pintor português, sobre madeira de carvalho, foi «estudada e recuperada» no Instituto José de Figueiredo» e agora, devolvida ao seu esplendor, pode ser apreciada no Museu Municipal.

José António Falcão, historiador de arte e diretor do Festival Terras sem Sombra, que também acompanhou a visita, destacou o facto de a Igreja da Misericórdia ser «um sítio interessantíssimo para ver este gosto pela imitação tão português». Isso mesmo está patente nas decorações do edifício: «cal e areia a imitar pedra, tinta a imitar lápis-lazuli, dourado a imitar bronze».
A tarde dedicada ao património de Ferreira terminou com uma visita ao Museu Municipal, instalado numa antiga casa agrícola.
À noite, no Lagar do Marmelo, em Figueira de Cavaleiros, com traço do arquiteto português Ricardo Bak Gordon, teve lugar o concerto do Quartetto di Venezia (Andrea Vio, Alberto Battiston, Mario Paladin e Angelo Zanin), um ensemble de cordas que levou o público numa viagem musical pelos séculos XIX e XX, com peças de Ludwig van Beethoven, Gian Francesco Malipiero e Johannes Brahms.
Com as cerca de 250 pessoas que assistiram ao concerto sentadas entre as imensas centrifugadoras e outras máquinas do largar da Sovena, nos encores o quarteto ainda interpretou o conhecido Minuete de Luigi Boccherini.

A 20.ª temporada do Festival Terras sem Sombra, subordinada este ano ao tema «‘Liberdade, quem a tem chama-lhe sua’: Autonomia, Emancipação e Independência na Música (Séculos XII/XXI)», prossegue, a 29 e 30 de Junho, no concelho de Coruche, numa incursão para além do território alentejano.
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação