T4: E2 – Águeda>>Branca
Estou a ficar com rotinas, e uma delas é acordar por volta das cinco da manhã, despachar-me e seis, seis e pouco estou a andar. Julgava eu que era o primeiro, mas qual não é o espanto quando, à minha frente, já ia um peregrino (ainda) mais madrugador. Já me disserem que o recorde é uma partida às duas da manhã…
De acordo com os roteiros, isto tinha tudo para correr mal. E, na primeira parte, assim foi. Até a paisagem tinha uns edifícios abandonados que pareciam saídos de um filme de terror. Mas, num deles, havia um painel de azulejos dedicado a Camões. Nem de propósito, lembrando o feriado do dia 10.
Foi muito alcatrão, muita estrada, muita EN1, atual IC2. A travessia do Vouga, em Lamas do Vouga, é feita por um viaduto muito alto, com camiões enormes a passarem, o que não é muito agradável.
Quando eu pensava que iria ter um caminho mais calmo, não é que tinham cortado a EN1 e o desvio ia acompanhar-me mais uns quilómetros. Foi muito perigoso e exigiu muito cuidado, pois esta alternativa praticamente não tinha bermas. Tive que ir na valeta, com um olho nos camiões e outro nas escapatórias, foi muito tenso.
Houve alturas em que, simplesmente, encostei e esperei que eles fossem passando. A estrada, antiga Estrada Real, era tão estreita que até os ligeiros incomodavam.
Felizmente, na sua grande maioria, quando me viam, os condutores tentavam encolher os carros.
Entretanto, eu tinha três coisas em mente: encontrar um sítio para o pequeno almoço, uns correios para meter duas cartas com parabéns para umas amigas gémeas que fazem anos hoje e um carimbo para a credencial.
E não é que, saindo do malfadado desvio, em Serém de Cima, dou com uma caixa de correio, uma pastelaria com um dístico “pilgrims welcomed” e, logicamente, tinham carimbo.
Era uma pastelaria familiar, onde toda a gente se conhecia. Quando fiz o pedido, a empregada falou em inglês e quando eu disse que podia falar em português, responderam de uma mesa que ela era indiana. Tudo bem, tinham um bolo com ótimo aspeto e deram-me uma fatia enorme.
Então apareceu uma seta amarela com a palavra “ânimo” e as coisas melhoraram mesmo. No campeonato dos jardins, ganhou uma dupla luso-americana, uma Nossa Senhora de Fátima e uma Estátua da Liberdade. A senhora da papelaria em Albergaria-a-Velha deu-me umas indicações preciosas, pois não havia setas amarelas e a aplicação que indicava o caminho estava confusa.
Quando cheguei a Albergaria-a-Nova, o mapa indicava que perto havia uma cabine de leitura, que é cabine telefónica transformada em biblioteca com livros gratuitos. Como tinha levado um livro do bookcrossing, não resisti e lá fui.
Apesar de, nesta parte da etapa, todas as distâncias parecem longas, fui dar a um espaço verde agradável da associação de jovens da Branca, a JOBRA, uma escola dedicada às artes performativas, teatro, música e representação. E as aulas, treinos ou o que eles estavam a ensaiar decorriam mesmo no exterior. Foi giro ver aquela malta nova a exercitar-se, pendurados nas árvores e saltando por cima dos bancos.
Mais uns quilómetros e chego ao destino, o Albergue Casa Católico, onde sou muito bem recebido pelo Paulo. Quando ele me disse que podia lavar a roupa, foi isso mesmo que fiz.
E hoje, à custa do desvio por causa da cabine, lá foram 27 quilómetros.
Já me esquecia: a borrefa incomoda, chateia, mas não impede de andar…