T4: E9 – Pedra Furada>>Aborim
Ontem, ainda cheio do almoço, mas querendo ver o jogo da seleção, voltei ao restaurante. Não tinha quase ninguém, por isso sentei-me ao lado do dono que estava a jantar, pedi para me arranjar uns queijos e uns presuntos e fomos ficando numa alegre cavaqueira, enquanto víamos o jogo.
Recordando que estava no albergue do Palhaçudo, apercebi-me que este nome era tudo, menos consensual. Se toda a gente ficou satisfeita com a recuperação de uma escola primária em ruínas, nem toda a gente gostava do nome, gostariam de um nome mais nobre. Enfim, coisas das aldeias.
Vamos agora ao caso da morte da borrefa. Tinha prometido à M. que hoje iria tratar do assunto em Barcelos, mas estava naquela de logo se vê.
Mas tinha que ir à farmácia comprar um daqueles cremes que têm arnica, hipericão, etc. e que são ótimos para relaxar e hidratar as pernas (a embalagem que trouxe era grande, mas engana o freguês porque só deve estar meio cheia).
De farmácia em farmácia, fui perguntando se havia próximo algum centro de enfermagem. Para meu grande espanto, consegui encontrar um e só esperei dois minutos até ser atendido.
Diga-se de passagem que a borrefa não me tinha chateado nada, não doía, até parecia que se tinha curado. Fui logo dizendo ao enfermeiro que era um grande cagarola e ele, depois de me observar, disse que estava tudo bem, que ela tinha rebentado e já não tinha quase líquido. Ou seja, a borrefa tinha-se suicidado antes que dessem cabo dela. De qualquer modo ele lá desinfetou a coisa e fez um penso novo.
Estava a pagar (sete euros) quando uma porta se abre de repente e uma moça, com um grande sorriso, diz “Mas que saudades que eu tinha de ouvir falar assim!!!”.
Fez uma festa, porque tinha tirado o curso em Faro e havia muito tempo que não ouvia o sotaque (sotaque, qual sotaque?) algarvio.
Comentou que percebia perfeitamente a minha dificuldade em ser entendido aqui, porque ela, quando foi lá para baixo, passou pelo mesmo, tinha sempre que repetir as frases. E nós somos um país pequeno…
Aqui nesta zona de Barcelos, o peregrino é rei. Muita placa a avisar que há peregrinos na estrada, muita publicidade a albergues, bancos dedicados ao peregrino, monumentos, estátuas, até uma “yellow brick road”, pressente-se a dinamização que isto representa para a economia local.
Hoje fui interpelado por um local que, além dos gestos indicando o Caminho, fez questão de parar a motinha para falar comigo. Confesso que não percebi mais de metade do que ele disse, mas sei que ele andava a ver o milho (seja lá o que isso for), tinha quatro cabras e um bode, e que me aconselhou a comer redondo ali perto.
Depois é que eu percebi que comer redondo era comer num prato, em vez de ficar pelas sandes.
E assim fiz, em mais um café dedicado aos peregrinos e à malta que trabalha e onde, mais uma vez, acharam que eu era inglês. Almocei uns pastéis de bacalhau (aqui chamam bolinhos de bacalhau) com batata assada, arroz e salada, uma canjinha, duas imperiais, tudo por oito euros.
E ainda fizeram questão de carimbar a credencial, com um carimbo dedicado ao Caminho.
Curiosamente, hoje não vi quase nenhuns peregrinos. Estive a descansar um pouco perto de outro albergue quando passou um, já sem a mochila. Quando arranquei. ele vinha de volta e quase que me parou, falando francês e perguntando se eu não ficava ali e ia fazer ainda mais vinte e um quilómetros. Lá o tranquilizei, dizendo que ia andar apenas mais um pouco.
Na rubrica jardins, isto tem andado fraco, mas mesmo assim temos hoje as três pirâmides.
O percurso de hoje, 23,3 quilómetros, foi essencialmente urbano, porque as terras sucedem-se juntinhas umas às outras.