Festival Terras sem Sombra pondera pôr o Ministério da Cultura em Tribunal

Presidente da Câmara de Beja afirma que este «é um festival que claramente se tem de manter»

Foto: Festival Terras sem Sombra

A associação Pedra Angular, que organiza o Festival Terras sem Sombra, no Alentejo, está a ponderar levar o Ministério da Cultura a tribunal, para contestar os argumentos utilizados para chumbar as suas candidaturas a projetos plurianuais e projetos pontuais.

O anúncio foi feito por José António Falcão, diretor executivo do Terras sem Sombra, no passado sábado, no início do concerto que marcou nova passagem do festival por Beja.

Em declarações ao Sul Informação, no fim do concerto que teve lugar no Teatro Municipal Pax Julia, aquele responsável recordou que, «nos últimos dois concursos que existiram para projetos plurianuais e projetos pontuais, a candidatura que apresentámos não foi considerada. E nós notamos que alguns dos argumentos invocados não têm consistência. E pensamos até que estamos num domínio que pode roçar a ilegalidade».

Mais do que o facto de não receber um apoio financeiro que é importante para manter um projeto que leva música erudita, mas também visitas comentadas ao património cultural e ambiental de localidades de todo o Alentejo, José António Falcão exprime a sua preocupação por constatar que o resultados dos concursos privilegia uma «maneira de entender a programação musical, a que se faz nos grandes centros, que está muito focada para aquilo que são as atuais tendências», enquanto está «a ser preterida» uma outra maneira, «mais pedagógica, mais a procurar novos públicos fora dos grandes centros e mais vinculada à própria tradição musical portuguesa». É isso, no fundo, que o Festival Terras sem Sombra, que já vai na sua 19ª edição, tem feito.

 

José António Falcão, diretor-geral do festival

 

O Terras sem Sombra não está sozinho na sua contestação aos resultados dos concursos promovidos pelo Ministério da Cultura. O diretor do festival salienta que «só a nível nacional, seguramente, mais de 100 projetos acabaram por ser secundarizados, com argumentos que, às vezes, nos parecem até muito pouco credíveis».

No caso do Alentejo, sublinha, «é dramático, porque a temporada musical alentejana ficou comprometida e a possibilidade de que, em concelhos do interior, mas também do seu litoral, haja uma programação qualificada ao longo do ano, que cative novos públicos, isso fica perfeitamente comprometido».

José António Falcão recorda que a associação Pedra Angular interpôs recursos hierárquicos relativamente aos projetos plurianuais, embora não tenha recebido «qualquer resposta».

«Está previsto o silêncio administrativo, mas ele custa muito a quem procura trazer a cultura a estes territórios de baixa densidade. Eu acho que merecíamos outro tipo de tratamento. O mínimo de consideração seria obtermos uma resposta», lamenta.

Em relação aos projetos pontuais, «também apresentámos o nosso recurso hierárquico e aguardamos agora que corra o respetivo prazo».

José António Falcão recorda que «funcionava com normalidade o esquema que esteve vigente: estamos a falar de uma verba relativamente reduzida, na ordem dos 60 mil euros por ano, não nos parece uma exorbitância. E não conseguimos compreender como é que alguns projetos são contemplados com verbas que podem ser mais de 10 vezes esta, mesmo não sendo projetos com esta abrangência territorial, nem visando este tipo de públicos, e o nosso, como outros, acabam por ficar perdidos numa teia burocrática».

Por isso, repete, se nada for alterado, «teremos que recorrer ao tribunal para repor a legalidade».

 

Paulo Arsénio – Foto: Festival Terras sem Sombra

 

Sem apoio nenhum do Ministério da Cultura, o Festival Terras sem Sombra «tem a sua continuidade claramente comprometida».

«Não se pode esperar que os municípios, os mecenas ou mesmo os diferentes apoios que nos chegam da sociedade civil, por si só, consigam colmatar esta lacuna. Porque a verdade é esta: não existe uma temporada musical no Alentejo e o Alentejo é sensivelmente um quarto do território nacional de Portugal Continental».

Depois do balde de água fria que foi o chumbo da sua candidatura aos apoios plurianuais, a organização do Terras sem Sombra teve de tentar reforçar a contribuição de outros parceiros. Nessa procura, assumem papel preponderante os Municípios alentejanos.

Paulo Arsénio, presidente da Câmara de Beja, em declarações ao Sul Informação no fim do concerto, explicou que «o Terras sem Sombra é um festival de território, creio que, em 19 edições, esteve 18 vezes em Beja, por isso somos provavelmente dos municípios recordistas de presenças. À exceção de Marvão, mas aí é apenas durante alguns dias, o Terras sem Sombra traz-nos um tipo de música que habitualmente não temos no Alentejo, o que nos enriquece culturalmente».

Por outro lado, recordou, «tem a particularidade, desde há uns anos, de ter o chamado país convidado, o que também acrescenta muito ao território, permitindo que os nossos munícipes tomem contacto com um conjunto de hábitos culturais de países que não trariam cá músicos se não fosse este festival».

Na noite de sábado, 9 de Setembro, tratou-se dos músicos vienenses Jörg Ulrich Krah (violoncelo) e Bernhard Parz (piano), tendo estado na plateia, a assistir, altos representantes das Embaixadas da Áustria e da Hungria.

 

Foto: Festival Terras sem Sombra

 

Mas, como acrescentou o autarca de Beja, o Terras sem Sombra também tem «levado o Alentejo e a sua cultura lá fora».

De facto, o festival já esteve em várias cidades espanholas (Madrid, Cáceres, Mérida, Valência de Alcântara, Olivença, Albarracín), em Praga (República Checa) e até já atravessou o Atlântico, para levar o Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento, acompanhado pelo seu ensaiador Pedro Mestre, à sua primeira atuação de sempre nos Estados Unidos da América, no John Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington DC.

Paulo Arsénio acrescenta que este «não é um festival exclusivamente de música, tem ações culturais e de biodiversidade associadas a cada momento musical que traz ao território».

Por parte da Câmara Municipal de Beja, garantiu, o apoio continua. «A Câmara comprometeu-se, entre os anos de 2021 e 2025 com a Pedra Angular, organizadora do festival, num montante de apoio firme».

«Se o festival eventualmente se perder, e oxalá que isso não aconteça, não se deve à autarquia de Beja e creio que às outras também não. Há Câmaras que recebem o festival todos os anos, há outras que, por motivos da sua programação interna, o fazem de dois em dois anos. É um festival que claramente se tem de manter», concluiu.

 

 

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