Futurama: o Festival que mostra a «diferença como complementaridade»

1.ª edição passa por Mértola, Beja, Serpa e Castro Verde

Música, artes visuais, performance, cinema e workshops juntam-se no Futurama, o projeto que deu origem a um festival e que ensina a ver a «diferença como complementaridade e não como opostos. Algo que potencia algo maior». 

Quem o diz é John Romão, o diretor artístico deste Festival, que arrancou a 30 de Setembro em Mértola e que este mês segue para Beja, Serpa e Castro Verde.

A ideia do Futurama surgiu em 2020, mas foi em 2021 que o projeto começou a ser implementado nos Municípios do Baixo Alentejo. Por um lado, há uma programação transversal aos concelhos, por outro, engloba também conteúdos diferentes.

«É o caso das residências artísticas, em que convidamos portugueses e estrangeiros a virem pensar, criar e investigar a partir do território local», explica John ao Sul Informação, acrescentando também o “Cantexto” como exemplo de uma atividade continuada que consiste em «convidar escritores contemporâneos a escreverem poemas para grupos corais de cante alentejano, entre outros».

Além disso, de forma mais pontual, e ao longo do ano, há atividades como as “Constelações” que têm como objetivo «incentivar a experimentação que pode surgir a partir de encontros entre o tradicional e experimental., desencadear novos diálogos entre territórios artísticos e saberes diferentes».

«O festival surge agora como enquadramento de alguns projetos que foram desenvolvidos ao longo do ano e que apresentam a sua forma mais finalizada: como a Cantexto», continua o diretor artístico.

 

John Romão, diretor artístico do Futurama

 

Do diálogo de António Poppe, artista e poeta português, com um grupo de música cigana, aos escritores contemporâneos que escrevem poemas para grupos corais de cante alentejano, «aqui interessa-me também refletir sobre o que é que é a tradição e quem é que a define», diz.

Ainda assim, o Festival continua a ser um laboratório de encontro de experimentação, reflexão e educação.

«A dimensão educativa é também essencial ao projeto. Ao longo do ano, temos quatro atividades dirigidas sobretudo aos mais jovens, o que para mim é um dos pilares deste projeto. É uma cidadania artística em que não só damos ferramentas novas aos mais jovens, através do contacto direto com artistas, como abrimos horizontes e sensibilidades mais aprofundadas aos alunos», frisa John Romão.

Além disso, o Festival faz questão de circular «entre espaços oficiais e menos oficiais». «É tão importante estarmos no Castelo de Beja, como no Bairro das Pedreiras, onde ninguém vai, é isso que queremos mostrar».

Apesar de ter esta componente mais direcionada para os jovens, John frisa que o Futurama é um projeto intergeracional: «Nós tanto trabalhamos com elementos que toda a gente reconhece, como o cante alentejano ou a viola campaniça, como trazemos artistas e linguagens que normalmente não passam pelo circuito do Baixo Alentejo, e com isso estamos a abrir um novo circuito e novas sensibilidades artísticas no território».

 

 

Para já, o projeto e festival decorre nos concelhos de Beja, Mértola, Serpa, Castro Verde e, mais recentemente, Vidigueira, mas a ideia é alargar a outros Municípios do Baixo Alentejo.

Relativamente à aceitação, John refere que «tem havido uma relação de proximidade cada vez maior» entre o projeto e os locais.

«É normal que, no início, seja tudo uma novidade. Ainda é, mas há um público que já começa a entender a linguagem do encontro entre a diferença, a nível estético, e outros discursos sobre uma mesma matéria. Claro que há um público que estranha, mas estamos também a abrir a perceção para estas dimensões e é muito bonito vermos cada vez mais público».

O festival começou em Mértola, a 30 de Setembro, com a estreia da colaboração entre o jovem prodígio da guitarra portuguesa, Gaspar Varela, e Yerai Cortés, guitarrista de flamenco, e um workshop de criação de vídeo e som, dirigido pelos artistas Carincur e João Pedro Fonseca, com os alunos da escola ALSUD.

Beja recebeu também já a performance do coreógrafo e artista brasileiro Gustavo Ciríaco, resultado do workshop com os alunos da Escola Secundária Diogo de Gouveia, a 7 de Outubro, com a instalação comissionada da artista plástica Wasted Rita, a estreia da colaboração de Filipe Sambado com a espanhola Yamila, uma performance participativa de Cláudia Dias, uma noite a cargo de Nídia, pela primeira vez no Alentejo, ou ainda a estreia nacional do filme “O Novo Evangelho” de Milo Rau, a 8 de Outubro.

Já Serpa será palco da parceria musical de Pedro da Linha e Álvaro Romero / Yeli Yeli, no dia 14 de Outubro, da intervenção no espaço público a cargo de Fiumani, da exibição de “A Música Invisível”, o documentário de Tiago Pereira sobre a riqueza e influência da música cigana em Portugal, da apresentação do espetáculo performativo e musical da multiartista afrotravesti imigrante Puta da Silva ou do projeto que tem raízes no Futurama, da autoria de António Poppe e La Família Gitana, a 15 de Outubro.

A encerrar o Futurama, em Castro Verde, o coletivo “Os Espacialistas” fará uma instalação e performance com os alunos da Escola Secundária de Castro Verde, estreando-se em Portugal o filme “As Sementes de Vandana Shiva” de Camilla e James Becket (21 de Outubro).

Ana Borralho e João Galante protagonizam uma performance com a comunidade e a harpista espanhola Angélica Salvi junta-se aos Tocadores de Viola Campaniça de Castro Verde para um espetáculo único (22 de Outubro).

Em todos os fins de semana do Festival, o concerto Cantexto, que nasce da interação de prestigiadas escritoras e escritores portugueses com grupos corais de cante alentejano, apresenta novas palavras e musicalidades criadas de propósito para a ocasião, através de diferentes vozes femininas, masculinas, mistas, jovens e adultas.

O Festival Futurama destaca-se ainda pela parceria com a Amnistia Internacional de Portugal, que dirigiu um workshop sobre direitos humanos e sobre como as artes e a cultura têm um potencial ativista no combate à injustiça e à repressão dos direitos e liberdades coletivas, em Beja e em Serpa, no dia 7 de Outubro.

Quanto às entradas, cabe ao espectador definir o preço do seu bilhete para cada uma das atividades, a partir do valor simbólico de 1 euro.

«A oferta cultural é um direito, mas implica um trabalho grande de muitas pessoas e muitas das vezes isso não é claro. Há vários municípios que, no âmbito de festivais, estipula entrada livre e isso parece-me um mau princípio porque não se valoriza as equipas e o trabalho. Assim, com este valor simbólico, o que lançamos ao público do Festival Futurama é que contribua com o valor que entender. Não vamos estar a controlar, mas é uma questão ética. Ao fazer isto desta forma as pessoas participam de acordo com as suas possibilidades financeiras», remeta o diretor artístico deste Festival, convidando todos a participar.

O programa completo pode ser consultado aqui. 

 



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