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A sociedade em rede e a fadiga da política velha

Os espaços políticos das estruturas político-partidárias parecem, por vezes, velhos armazéns carregados de mobílias velhas que ninguém se atreve a reciclar ou a fazer desaparecer e, no entanto, existe uma grande oportunidade para a refundação da política local e regional tal como a conhecemos. Libertar os espaços políticos convencionais dos antigos constrangimentos é uma grande oportunidade, mesmo sabendo que tal não se afigura uma tarefa simples.

Quando falamos em sociedade em rede, é, no mínimo, surpreendente que tantos atores locais e regionais se tenham ignorado durante tanto tempo apesar de serem vizinhos geograficamente contíguos e habitarem o mesmo chão comum territorial durante as últimas décadas.

Pelos vistos, este chão comum foi pouco inspirador, pois tudo ou quase tudo foi entregue à hierarquia acolhedora da administração pública, central ou local, e à anarquia madura do mercado e muito pouco à sociedade civil e à sua auto-organização comunitária na construção social dos mesmos territórios.

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A sociedade em rede

A rede diz respeito à construção de um território-desejado e esta é a substância de uma rede, o seu projeto genuíno, o seu bem comum; a rede é, pois, muito mais do que inteligência urbana, uma aglomeração produtiva ou uma unidade de paisagem, ela é uma rede de sentido, uma razão de ser que gera identificação, sentimento de pertença e um propósito mobilizador.

A rede pode adotar diversos formatos, das formas mais associativas às formas mais condominiais; a rede e o ator-rede administram o sistema de ajudas públicas, a gestão de compartes, uma mútua de seguros, a central de compras, a central de leasing, a carteira de projetos, a mediação de conflitos, a gestão do crowdfunding e do microcrédito, etc.

Além disso, enquanto modo de administração dedicado, a rede regula a informação assimétrica, a disciplina dos comportamentos, a lógica da ação coletiva, o risco moral e o comportamento free raider, ou seja, a rede depende estreitamente da qualidade da sua liderança e, portanto, da sua reputação social e política.

A rede também contribui positivamente para estabilizar e gerir as expectativas dos parceiros, mas não é uma panaceia tanto mais quanto tem ou pode ter custos de transação elevados. Ninguém deseja que a solução se transforme no problema e que as virtualidades se transformem em dificuldades.

A rede é, em primeira instância, um instrumento conhecimento-intensivo, funciona em regime aberto de insource e outsource, é um ecossistema inteligente de acolhimento e os parceiros podem estar muito dispersos embora próximos virtualmente; por isso, gerir a rede ou plataforma colaborativa pode tornar-se uma tarefa esgotante e uma fonte de enormes desperdícios, logo, o sucesso da rede depende diretamente do ator-rede e da qualidade do seu networking.

A rede é, ou deve ser, um modo de organização inteligente capaz de proporcionar uma grande variedade de benefícios de contexto, nos planos social, económico e ambiental.

Esta variedade de benefícios abre a porta aos diversos atores: no plano social desde as associações, às mutualidades e os clubes, na fileira empresarial desde os grupos aos clubes e núcleos empresariais, na cadeia de valor ambiental desde os amigos do ambiente às associações e organizações não governamentais; se for possível manter a cooperação e o diálogo sempre abertos entre estes vários planos será também mais fácil dar à luz o ator-rede.

A rede tem uma dimensão ambulatória e providencia serviços comuns, por isso, ela é, também, ou procura ser, um sistema produtivo de ciclo fechado; isto é, no plano dos resíduos orgânicos, mas, também, em matéria de águas pluviais e aproveitamento de energias renováveis, a rede elabora o seu plano de externalidades e internalidades de modo a aumentar o seu grau de autonomia e a sua capacidade de autogestão.

 

A fadiga da política velha

A boa nova é que a revolução digital, na sua policromia, é uma excelente oportunidade para refrescar a atividade política tal como a conhecemos. Assim, podemos afirmar, a política convencional, hierárquica e vertical, envelheceu, deixou de ser o herói da sociedade, já não tem o poder de obrigar, está sobrecarregada e, doravante, deve descentralizar uma parte das suas atividades nos novos territórios da sociedade em rede.

Em seu próprio benefício, a autolimitação da política velha servirá para a proteger da sua mediania e trivialidade. Ora, uma das facetas mais vincadas da revolução digital é a emergência das redes e a imersão da política nessas redes em consequência de uma clara fadiga da política velha, incapaz de acompanhar o ritmo da política nova.

No período de disrupção tecnológica e desintermediação político-institucional que já estamos a atravessar não é fácil estabilizar expectativas e projetar um horizonte de racionalidade à nossa frente, mas é, justamente, por causa de toda esta evidência anárquica e caótica que é urgente montar um estaleiro político-social para a construção das organizações intermédias da sociedade em rede sob pena de tudo se desmoronar á nossa volta, ou, pior ainda, de abrir a porta ao radicalismo e à desordem local.

Nesta travessia, um dos aspetos mais críticos diz respeito à mais do que provável corrosão do carácter. Com efeito, somos, cada vez mais, trabalhadores precários, descartáveis e intermitentes, a relação social fragmenta-se e pulveriza-se a tal ponto que a construção social de territórios-rede inclusivos se torna um imperativo político, social e económico; neste contexto, a política local deixa de ser um exclusivo do poder local autárquico e a comunidade política local é chamada a participar diretamente com o poder local instituído e ambos podem e devem colaborar estreitamente em nome de uma política nova.

Um aspeto fundamental do acesso à política nova diz respeito à natureza e ação direta do ator-rede. Ele é o agente principal desta nova intermediação para a economia digital e o administrador das plataformas colaborativas que aí vêm, em modo de coprodução e cogestão.

É, portanto, uma organização que assumirá múltiplos formatos em função das áreas de atividade, mas é, sobretudo, uma organização com inteligência coletiva e capacidade criativa para gerar e gerir espaços colaborativos inovadores e dotados de um simbolismo político e social muito peculiar.

Dito de outro modo, a revolução digital, para ser bem-sucedida, necessita de uma interação permanente e convergente entre comunidades virtuais geradas por plataformas digitais nascidas na internet e nos smartphones e comunidades reais geradas por relações sociais nascidas no dia a dia dos contactos e intercâmbios entre produtores e consumidores, serviços, utentes e cidadãos.

Plataformas digitais inteligentes e atores-rede são, portanto, as duas faces da revolução digital e da política nova, lado a lado com a política velha, mais hierárquica, vertical e corporativa. As primeiras como dispositivo de conexão das comunidades online, as segundas como organização material das comunidades offline correspondentes.

Aqui chegados, é preciso não esquecer e não subestimar o facto de que os grupos ainda dominantes têm instrumentos materiais e cognitivos para obter a cooperação alheia na base da sua própria visão do mundo e dos seus interesses, ou seja, importa conhecer muito bem a natureza do processo de cooperação em torno do qual se constroem os territórios pois este processo será fundamental na compreensão das instituições e dos mercados que marcam a vida de uma região; afinal, aquilo que parece um equilíbrio delicado é um processo de reconhecimento e legitimação da hegemonia e do poder e isto significa, ainda, que há tanto poder detido como poder consentido.

Em boa verdade, todas as organizações intermédias que representam interesses corporativos têm aqui uma oportunidade única de dar o seu contributo para a nova sociedade em rede colaborativa, pois todas elas possuem uma dimensão territorializada dos seus conhecimentos tácitos; por isso, devemos explicitar e consolidar na boa direção o conhecimento pragmático que os territórios já possuem e estimular o potencial de aprendizagem e inovação coletiva destas organizações da sociedade em rede, bem como a sua interação com a sociedade política mais tradicional.

 

Notas Finais

Para amortecer os choques assimétricos da pandemia da covid 19 vamos precisar de projetos coletivos mobilizadores para os territórios mais atingidos e compromissos firmes entre forças globais e extrovertidas e forças locais mais periféricas que lutam pela desmultiplicação e proteção dos seus territórios.

Na ausência destes projetos e compromissos não há revolução digital e política nova que resistam a este duplo movimento divergente pleno de consequências negativas. A política velha e a política nova estarão face a face perante esta dura realidade e essa será verdadeiramente a sua maior provação.

Uma última nota para realçar o nosso individualismo metodológico e cuidar do nosso narcisismo radical, assim como da nossa iliteracia tecnológica e digital, que nos podem tolher o passo em direção a uma política nova mais colaborativa e cooperativa.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

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