Universidade de Évora lidera projeto que quer desvendar a arte da pintura mural de Almada Negreiros

Em que aspetos este artista multidisciplinar português foi inovador? Quais foram as suas fontes e tendências no desenvolvimento da sua prática como pintor muralista?

A Universidade de Évora lidera um projeto que pretende desvendar a arte da pintura mural de Almada Negreiros. 

O estudo científico das técnicas pictóricas, dos materiais e de diagnóstico como guias para a sua conservação e usufruição está a cargo de uma equipa liderada por Milene Gil, investigadora do Laboratório HERCULES da Universidade de Évora (UÉ). Em que aspetos este artista multidisciplinar português foi inovador? Quais foram as suas fontes e tendências no desenvolvimento da sua prática como pintor muralista? São questões que, pela primeira vez, os investigadores esperam dar resposta.

Considerado uma das figuras-chave da vanguarda e modernismo em Portugal, José Sobral de Almada Negreiros, desde a sua primeira exposição colectiva em 1911, passando pela sua intervenção futurista em 1916-1918, marcou o panorama artístico e cultural através de uma carreira multifacetada de quase sessenta anos em Portugal e em Espanha.

De 1919 a 1920, Almada Negreiros viveu em Paris e de 1927 a 1932 em Madrid, onde se estabeleceu como artista e fez parte das principais tertúlias, colaborando em projetos com vários outros autores da cena cultural madrilena. Já regressado a Portugal, assistiu à emergência do Estado Novo (1933-1974), no contexto no qual trabalhou em várias encomendas, públicas e privadas.

A maioria das pinturas murais que executou para encomendas públicas foram integradas em projetos de arquitetura da autoria do arquiteto Porfírio Pardal Monteiro. A vasta obra mural de Almada Negreiros inclui cinco núcleos de pintura realizados na cidade de Lisboa entre 1938 e 1956. Entre os mais conhecidos encontram-se os cinco painéis da antiga sede do Diário de Notícias (1939-40), os oito painéis monumentais da sala de espera da Gare Marítima de Alcântara (1943-45) e outros seis análogos na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos (1946-49).

Reconhecido o seu valor pela historiografia de arte moderna, «estas obras têm sido objeto de discussão preferencial no que respeita aos seus atributos plásticos, iconográficos e simbólicos, mas são poucos ainda os estudos que abordam, e muito menos os que aprofundam as particularidades das produções, as referências e repercussões dos murais pintados entre artistas conterrâneos e gerações sucessivas», considera a investigadora da Universidade de Évora que pretende agora desvendar mais sobre a obra deste modernista português.

A problemática agrava-se no que se refere à materialidade da obra de pintura mural de Almada Negreiros e suas implicações no seu estado de conservação.

«Todas as suas pinturas murais estão catalogadas como frescos mas esta poderá não ter sido a única técnica pictórica realizada», frisa a investigadora, suportada nos relatos de Conservadores-Restauradores do Instituto José de Figueiredo que procederam ao estudo destas pinturas entre 1970 e o ano de 2000.

Milene Gil sugere que «os materiais empregados e o modus operandi de Almada Negreiros são praticamente desconhecidos», acrescentando que «Almada era conhecedor da técnica do fresco, mas também era um experimentalista».

Mas até que ponto foi inovador neste campo? Quais foram as suas fontes e tendências no desenvolvimento da sua prática como pintor muralista? São questões a que o plano de investigação do projeto pretende, pela primeira vez, dar resposta através de três abordagens distintas; a primeira a começar no campo da investigação de história de arte e história das técnicas da produção artística com recolha e avaliação de documentação e sua integração com os resultados obtidos dos exames de superfície e caracterização material.

Em segundo lugar, os investigadores vão realizar exames de superfície das pinturas com recurso a técnicas convencionais e avançadas de imagem no visível, visível-rasante e no invisível (ultravioleta e infravermelho): por último, proceder à caracterização material conjugando técnicas de análise in loco não invasivas (colorimetria, espectrofotometria no visível, FORS, espectrometria de fluorescência de raios-X), com técnicas de microanálise (microscopia ótica; microscopia eletrónica de varrimento, micro-FTIR, micro-Raman) e técnicas analíticas laboratoriais (DRX, LC-MS, py-GC-MS).

No final, esta equipa liderada pela investigadora da UE espera identificar e caracterizar as técnicas pictóricas e os materiais constituintes do suporte e das camadas cromáticas até hoje desconhecidos bem como apurar as suas implicações nos fenómenos de deterioração registados para a sua futura salvaguarda e manutenção.

Os resultados gerados ao longo dos três anos de duração deste projeto e a sua disseminação a nível nacional e internacional «constituirão um importante passo em frente no conhecimento, valorização e conservação da arte mural de Almada Negreiros e rampa de soluções inovadoras para a sua usufruição», destaca, por fim, a investigadora.

Recentemente financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, este projeto, de natureza pluridisciplinar, nasce da parceria entre o Laboratório HERCULES da UÉ, o Laboratório José de Figueiredo da Direção Geral do Património Cultural, o Instituto de História de Arte da faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Administração do Porto de Lisboa.

Em 2017, o Laboratório HERCULES da Universidade de Évora tinha já iniciado e liderado uma campanha analítica que visou caracterizar a técnica pictórica e os materiais empregues por Almada Negreiros nos murais pintados entre 1939 e 1940 na antiga sala de receção e atrium de entrada do edifício Diário de Notícias em Lisboa.

 



Comentários

pub