Please ensure Javascript is enabled for purposes of website accessibility
vilavita
Sul Informação - Linha de financiamento “Capitalizar Mais” é apresentada a empresários

Portugal 2030: o papel do economista

Nos passados dias 9 e 10 de Julho realizou-se, em Lisboa, o 8º Congresso Nacional dos Economistas. A este propósito, a Ordem dos Economistas pediu-me que escrevesse um pequeno texto sobre o papel do economista no horizonte 2030. É esse o texto que aqui deixo aos leitores do Sul Informação.

O período “industrialista e corporativo” da profissão está praticamente ultrapassado. O que não sabemos ainda é a composição socioprofissional e as fronteiras corporativas do próximo período que, de resto, já aí está.

Vejamos, então, a contextualização do problema e as suas principais manifestações, num contexto em que a transformação tecnológica e digital nos impele para uma abordagem organizacional mais complexa e articulada e não já e apenas a convencional organização técnico-financeira que conhecemos.

festas da cidade de olhao

Usando uma distinção conhecida dos economistas, passamos de uma simples fileira económica para uma verdadeira cadeia de valor. Eis alguns dos aspetos mais pertinentes dessa “transformação corporativa”:

– A desmaterialização de muitas atividades que “pertenciam à profissão”, sobretudo nas áreas mais convencionais de contabilidade, finanças e administração;

– A evolução estrutural do próprio mercado de trabalho, no sentido de um trabalho menos compartimentado e segmentado e de mais trabalho em equipa, se quisermos, de um trabalho mais colaborativo;

– O grau de internacionalização e globalização das atividades económicas em Portugal ou o país como uma placa giratória de atividades e profissões, que influenciará, sobremaneira, o desenvolvimento da profissão;

– O papel do Estado-administração e das suas instituições, mas, também, a dimensão do Estado-regulador e a dimensão do setor empresarial do Estado têm uma importância decisiva no perímetro da profissão;

– O modo como irá evoluir o “capitalismo português” e, em especial, a sua participação nas principais cadeias de valor, determinará a filiação da profissão a uma determinada geografia empresarial;

– O modo como irá evoluir o direito do trabalho, a política sindical, a contratação coletiva, o direito da concorrência e a atividade dos reguladores, determinará ou inspirará uma certa economia do trabalho;

– O modo como a profissão souber criar plataformas de interação colaborativa com o estado-administração, a administração local, as associações empresariais e as instituições de ensino superior;

– O modo como a profissão refletir sobre a sua própria condição, não se deixando enclausurar corporativamente e interagindo com outras profissões que lhe estão próximas;

– O modo como a profissão “profissionalizar” as relações exteriores, não apenas da sua própria organização corporativa, mas, também, das câmaras de comércio, embaixadas, organizações empresariais e centros de investigação e desenvolvimento;

– Finalmente, o modo como a profissão se envolver com o problema da iliteracia digital e seu impacto nas organizações e, muito em especial, a criação das “escolas digitais” do século XXI, à imagem e semelhança das escolas industriais do século XX.

Em todos estes “modos” nós estaremos a estruturar e formatar uma determinada maneira de ser economista no século XXI. Com efeito, o “perímetro da profissão” e o papel do economista, nos próximos tempos, estarão em constante mutação e, logo, também, aquilo que pode ser definido como as condições deontológicas da profissão, ou seja, o espírito, as missões, o estatuto da profissão.

Vejamos algumas áreas emergentes onde o papel do economista pode ser bastante valorizado desde que integrado em equipas com forte espírito inovador e colaborativo:

– A grande área transversal da economia digital e da análise de dados: trata-se aqui de uma economia muito mais próxima da matemática e da estatística, da ciência das redes e dos algoritmos e, muito provavelmente, em pequenas equipas ligadas às novas metodologias de avaliação de risco. A economia do big data irá recomendar-nos um certo tipo de clientes e utilizadores que, por exemplo, o sistema financeiro, bancário e segurador levará em boa e devida consideração; os economistas matemáticos terão aqui, seguramente, uma excelente oportunidade de trabalho;

– A área da economia da regulação: a atividade dos reguladores gerais e setoriais será uma tarefa cada vez mais exigente e os dispositivos digitais serão um dos seus principais instrumentos; os mercados estarão sob constante observação e os problemas de extra-territorialidade serão um desafio permanente; os economistas da regulação terão aqui uma excelente oportunidade de trabalho;

– A área da economia da biodiversidade e dos ecossistemas: a economia ecológica, da biodiversidade, dos ecossistemas e dos recursos naturais e, de uma maneira geral, os serviços ecossistémicos por eles prestados precisam de programação, planeamento e avaliação que o economista pode oferecer integrado em equipas multidisciplinares; os economistas da ecologia, ambiente e recursos naturais terão aqui uma excelente oportunidade de trabalho;

– A nova economia empresarial, muito ligada aos gabinetes de programação e planeamento das associações setoriais que, em nome dos seus associados, conduzem a transformação tecnológica e digital e fazem o benchmarking dessa transformação, bem como a análise pertinente das novas cadeias de valor e a forma como elas repartem as mais-valias criadas por essa transformação. Os economistas do marketing estratégico e digital terão aqui uma excelente oportunidade de trabalho;

– A grande área emergente da economia colaborativa e do 4º setor: trata-se de um setor em “estado desordenado”, ainda difuso, mas que irá convergir rapidamente para uma área de interface administrada por plataformas colaborativas de múltiplos formatos onde iremos encontrar a agricultura urbana e periurbana, os circuitos curtos de comercialização, a economia social e solidária, a economia do dom e do voluntariado, a economia dos serviços de cooperação e ajuda ao desenvolvimento, a gestão dos espaços de coworking e os “tiers-lieux”; os economistas colaborativos serão chamados ao mercado de trabalho para gerir estas novas plataformas de partilha de bens comuns colaborativos;

– A grande área da economia da cooperação para o desenvolvimento em estreita articulação com as organizações internacionais, as ONG, as embaixadas, as câmaras de comércio e as organizações empresariais dos países recebedores de ajuda; os economistas da cooperação e ajuda ao desenvolvimento terão aqui uma excelente oportunidade de trabalho;

– A grande área da economia das localidades e dos territórios-rede: mais uma vez, assistiremos ao lançamento de plataformas colaborativas, agora no quadro do grande movimento de smartificação dos territórios: estamos a falar de cidades inteligentes, redes de aldeias, Euro-cidades e Euro-regiões, até aos agrupamentos europeus de cooperação territorial (AECT) previstos no quadro da União Europeia; os economistas das redes inteligentes e do marketing territorial terão aqui uma excelente oportunidade de trabalho;

– A grande área da economia da inovação e desenvolvimento, ainda muito à boleia da transformação digital, precisa de se afirmar no movimento starting up e ajudar essas empresas a subirem na cadeia de valor das suas atividades, sobretudo nas áreas de serviços turísticos, animação artística, manifestações culturais e desportivas; os economistas da inovação, recreação e do lazer têm aqui uma oportunidade de mostrar a sua imaginação criativa, criando e organizando uma nova oferta de serviços e conteúdos para a atividade turística em especial;

– A grande área da economia da administração pública: este setor passará por grandes transformações no próximo futuro, em consequência, sobretudo, das plataformas colaborativas e respetivas aplicações que converterão a antiga autarquia num centro de serviços ou uma loja do cidadão; deixaremos de ter serviços públicos e passaremos a ter “serviços ao público” administrados em coprodução com os utentes; em resultado destas mudanças assistiremos a uma alteração profunda nas estruturas de front office e back office das administrações regional e local e esta coprodução de serviços pode ser uma excelente oportunidade para a profissão.

 

Nota Final:

 

Espero, sinceramente, que a economia do futuro não se reduza a uma ciência dos instrumentos de medida no contexto de uma governação algorítmica. Sendo a economia uma ciência social, espero que os valores, os princípios, as normas e, já agora, as boas maneiras, continuem a determinar o papel do economista. Se assim for, como espero, teremos ambientes de trabalho muito mais colaborativos, equipas mais interdisciplinares e um mercado de trabalho muito mais interdependente.

Muito provavelmente, pela força das circunstâncias e a iminência dos grandes riscos, iremos redescobrir a energia dos bens comuns e a bênção dos serviços da natureza. Em benefício de um novo papel para o economista.

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

 

As Crónicas do Sudoeste Peninsular, de António Covas, entram num período de férias e voltarão na segunda quinzena de Setembro.

 

lagos marchas populares
banner odemira um alentejo singular todo o ano

Também poderá gostar

Sul Informação - Algarvio Isaac Nader triunfa na milha da Diamond League de Oslo

Algarvio Isaac Nader triunfa na milha da Diamond League de Oslo

Sul Informação - Câmara de Alcoutim cede duas funcionárias aos Bombeiros

Câmara de Alcoutim cede duas funcionárias aos Bombeiros

Sul Informação - Projeto Plantar Água recupera mais 80 hectares na Serra do Caldeirão

Projeto Plantar Água recupera mais 80 hectares na Serra do Caldeirão