Na pequena e isolada Ilha do Poço Negro, o tempo parece ter parado naquele verão em que tudo mudou. Os Crimes do Verão de 1985 começa com um crime atroz e o desaparecimento de duas crianças e de sua jovem cuidadora, Beatriz, numa noite de tempestade. Quando os pais regressam à casa de férias, encontram sinais de luta, sangue e um silêncio que nunca mais deixará de pesar sobre o lugar.
O enredo constrói-se com precisão, fazendo da ilha não apenas cenário, mas uma representação íntima e amarga de certos traços da sociedade portuguesa. O insular revela-se simbólico: todos se conhecem, todos escondem algo; ninguém é apenas o que parece.
Ademar Leal, o jovem jornalista que por acaso passava por ali naquela noite, foi apanhado no turbilhão mediático que se seguiu. A investigação é rápida e aparentemente eficaz. Dias depois, o namorado violento de Beatriz é detido e confessa os crimes, mas tudo são provas circunstanciais. O caso é encerrado com demasiada facilidade, como tantos outros.
Vinte e sete anos depois, um documentarista estrangeiro reabre feridas antigas. Ademar, agora uma figura caída em desgraça, regressa à ilha que o criou e destruiu. É então que o romance se transforma num estudo profundo da memória, da manipulação e da verdade escondida por trás de versões oficiais.
O autor Miguel D’Alte guia-nos por um labirinto narrativo com segurança. As suspeitas multiplicam-se a cada capítulo; novas peças surgem, obrigando o leitor a reformular tudo o que julgava saber. Nada é óbvio; ninguém é completamente inocente, nem os culpados nem as vítimas.
Há uma escrita que se destaca, frases que permanecem na cabeça, não por excesso de lirismo, mas por uma contenção eficaz e inteligente. A prosa é madura, segura de si e original em determinados trechos, no uso parcimonioso de recursos expressivos. Há ritmo, pausa quando é preciso e um olhar atento sobre o comportamento humano.
Diferente dos policiais convencionais, aqui não há protagonistas planos nem personagens descartáveis. Todos carregam camadas, contradições, cicatrizes; até a própria vítima adquire uma densidade que obriga à reflexão.
Os Crimes do Verão de 1985 é um livro que prende pela intriga, mas permanece pela forma como está escrito, um exercício de bom uso da linguagem e de construção narrativa que revela um autor com voz própria. Não se trata apenas de descobrir quem matou, mas de perceber como a verdade, por vezes, se perde no tempo, na conveniência e no medo de enfrentá-la.
Um excelente exemplo da literatura de suspense produzida em Portugal, um livro e um autor que merecem ser lidos.
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