«Uma cidade tem sempre muitas cidades lá dentro, e cada pessoa a desenha à sua maneira, ou é desenhada por ela». Esta é uma das passagens do conto «Levante», escrito por José Carlos Barros, para o livro «Faro», lançado na quarta-feira, 18 de Junho, no Club Farense, na capital algarvia, ao final de uma tarde muito quente e húmida de…levante.
Até parecia que o estado da meteorologia estava a dar o tom para a apresentação do mais recente livro da coleção Portugal, da editora Centro Atlântico, que promete «Portugal inteiro dentro de um livro». Neste caso, uma cidade inteira, a de Faro.
«A ideia desta coleção é peculiar», salientou José Carlos Barros. «Não é fazer um roteiro turístico ou patrimonial, mas convidar um autor» para ficcionar sobre uma cidade, de modo a «chegar mais perto» da sua «alma e coração».
«O que cada autor pretenderá é, através da ficção, poder chegar mais perto disso que será a alma e o coração das cidades e das pessoas que aí nasceram e que as habitam. E eu acredito que a ficção é, aliás, um dos instrumentos privilegiados e mais eficazes da procura disso a que chamamos verdade. Porque a história fica sempre com os factos, até onde podemos conhecê-los, mas a ficção pode ir além disso», acrescentou o autor.
Para escrever este conto, publicado em Português e Inglês e ilustrado com imagens de Libório Manuel Silva (o editor, que é também fotógrafo de património), José Carlos Barros voltou a percorrer as ruas e os recantos da cidade à beira da Ria Formosa, que tão bem conhece por ter trabalhado na Direção Regional de Ambiente, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e por ter sido mesmo diretor do Parque Natural. Mas também conversou com amigos e conhecidos, procurou tomar o pulso a Faro.
E o que descobriu? Que há duas coisas de que os farenses falam frequentemente – a identidade de Faro (ou a suposta falta dela) e o Levante, que almareia e confunde. No fundo, explicou no lançamento do livro, estas duas coisas até estão interligadas.

O ator Luís Vicente foi convidado para ler algumas passagens do conto. Mas fez muito mais: emocionou-se, interpretou, comentou, levantou algumas pontas do véu.
Sobre o Levante, Luís Vicente disse que este vento, esta condição meteorológica, «nos altera as sinapses». Logo alguém do público comentou, bem alto: «ficamos almareados!».
Mas o ator conseguiu ler nas entrelinhas o que o escritor lá colocou: que Faro é «uma cidade de partilhas, de partidas, de chegadas». Uma cidade feita de muitas gentes diferentes, de muitas influências. «Este é um discurso que hoje não é fácil!», frisou Luís Vicente.
José Carlos Barros gostou da leitura feita, a vários níveis, pelo ator: «O Luís foi perspicaz ao incluir essa ideia que eu usei, de que o Levante não apenas nos dá esta coisa do almareio», mas também do «Levante entendido como aquilo que chega de fora. E isso interessava-me muito, porque, de facto, se Faro tem alguma identidade, é feita dessa presença constante de elementos exteriores, de elementos que chegam de fora, desse cruzamento de culturas, desse permanente misturar entre misturados».
Garantindo que «o que está nos livros não é da responsabilidade do autor, não é a opinião do autor», mas sim «a opinião das personagens», José Carlos Barros disse que «as personagens deste conto vão aos elementos de identidade de Faro, talvez chegando lá por fatores que parecem pôr em causa essa própria identidade. Muitas vezes, falamos de identidade como coisas que permanecem no tempo, que são imutáveis, que têm uma genealogia muito bem marcada».
Pelo contrário, neste conto, chega-se «à conclusão de que, de facto, a grande identidade do Faro resulta desses sucessivos desencontros, chegadas e partidas, diferenças, misturas, partilhas», de elementos que unem «a partir do que está estilhaçado, do que está disperso».
Por isso, «num tempo em que certos populismos nos dão a ideia de que o caminho é o da divisão do mundo, é o da exclusão daquilo que é diferente», «Faro tem esse elemento que me parece extremamente inspirador de percebermos que, através dos elementos desta identidade, é como se Faro tivesse sido capaz de se colocar no lugar do outro, até o outro sermos nós. Isso é profundamente original e profundamente revelador dessa identidade que aqui está».

Mas não se pense que o conto fala de coisas chatas. Antes pelo contrário, chega a falar de piratas e tesouros, de roubos de livros raros e de afundamentos de naus carregadas de riquezas.
Na apresentação, o presidente da Câmara Rogério Bacalhau, em tom bem disposto, salientou que Faro «está na moda», nestes tempos mais recentes. É que, além deste livro com o nome da cidade, também estreou esta semana, na RTP1, uma série de ficção que se chama…Faro.
Cristóvão Norte, ali nas suas funções de presidente da Assembleia Municipal e enquanto amigo do autor, por seu lado, sublinhou que José Carlos Barros é, «além de protagonista da cultura portuguesa, uma pessoa que tem um trato, uma delicadeza e uns princípios morais que não são comuns».
Por seu lado, o editor Libório Manuel Silva revelou que este é o 15º título da Coleção Portugal, que passa por «convidar ficcionistas para escreverem sobre as cidades e as ilhas» do país, sem «notas de rodapé ou datas históricas», resultando em «textos ficcionados brilhantes», que dizem mais sobre cada um dos lugares que os normais roteiros turísticos.
Na sala do Club Farense, cheia de gente e sob forte calor, cruzaram-se amigos, ex colegas e admiradores de José Carlos Barros. Mas, nestes tempos de pré campanha para as Eleições Autárquicas do próximo Outono, também lá estiveram candidatos do partido que atualmente governa a Câmara de Faro – Cristóvão Norte e Macário Correia – ou de quem a quer governar -António Miguel Pina. E até oposição à oposição, como Ana Passos. O motivo que a todos levou até ao salão nobre do clube fundado em 1863 e situado na rua mais emblemática da urbe era, em princípio, apenas um: o amor a Faro e à literatura.
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação













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