«A extrema-direita dá respostas falsas a questões verdadeiras» (Laurent Fabius)
Em democracia, todos os votos contam, mesmo os que desconcertam. A ascensão de partidos populistas, como o Chega em Portugal, é mais do que um fenómeno político. É um alerta social. Importa agora, em vez de julgar quem votou, perceber porquê. Só assim se pode reconstruir o que está em risco.
A tentação de rotular os eleitores como ignorantes ou intolerantes não é apenas simplista, mas perigosa. Alimenta o ressentimento e empurra ainda mais para os extremos, pois muitos desses votos nascem do medo, da precariedade, da solidão, da perceção de abandono por parte de quem governa há décadas.
O populismo cresce quando os cidadãos sentem que os partidos tradicionais deixaram de os representar. A figura populista surge, então, como uma promessa de verdade contra as elites supostamente corruptas.
Apresenta respostas simples para problemas complexos e é eficaz porque apela à emoção, ao ressentimento e ao desejo de pertença. Torna-se um canal para o grito dos que não se sentem ouvidos. E esse grito encontrou megafone nas redes sociais.
As plataformas digitais amplificaram o discurso populista, alimentando a polarização através de algoritmos. A política-espetáculo tornou-se viral, e os escândalos, os memes e as provocações substituíram o espaço do debate profundo. Em vez de ideias, slogans; em vez de propostas, indignação constante.
O politólogo neerlandês Cas Mudde escreveu que devíamos interessar-nos menos pela ascensão da extrema-direita e mais pelos fracassos da democracia liberal. Quando os partidos tradicionais se tornam impermeáveis ao sofrimento social, deixam um vazio. E o populismo é perito em ocupar vazios.
Importa, contudo, distinguir entre populismo como estilo retórico e populismo como ameaça autoritária. Algumas correntes populistas revelam falhas reais do sistema e trazem à tona temas negligenciados por décadas. O problema começa quando a crítica, legítima e até necessária, se transforma em desmantelamento das instituições democráticas, quando o discurso de ódio, antes marginal, se normaliza e se instala no centro do debate político.
Mas se há motivos para o voto, isso não legitima a violência verbal, o ataque aos direitos humanos ou o desprezo pela diversidade.
A democracia só é verdadeira se proteger quem mais precisa: mulheres, idosos, migrantes, pessoas LGBTQIA+ e a comunidade cigana — frequentemente alvo de estigmatização e discriminação estrutural, e agora também instrumentalizada em discursos políticos. Ouvir o descontentamento é urgente, normalizar a exclusão, nunca.
É preciso, então, começar por reaprender a escutar, não apenas em campanha, mas no quotidiano, nos serviços públicos, nas escolas, nos bairros onde o Estado se tornou invisível.
A política precisa de sair da bolha e reaproximar-se da vida real. Essa escuta tem de ser acompanhada pela coragem de assumir responsabilidades.
A esquerda perdeu parte da sua base ao afastar-se das causas concretas que a legitimavam; a direita perdeu o norte quando cedeu ao discurso dos extremos. O erro comum foi desistir do diálogo e refugiar-se em trincheiras.
Se queremos estancar o avanço das respostas fáceis, a justiça social tem de deixar de ser uma promessa adiada. Combater a precariedade, garantir o acesso à habitação, investir seriamente nos serviços públicos, enfrentar a desigualdade de forma estrutural são caminhos concretos para restaurar a confiança no contrato democrático.
Ao mesmo tempo, é urgente educar para a cidadania, para o pensamento crítico, para a literacia mediática. A democracia não sobrevive apenas com votos, mas com cidadãos informados, capazes de reconhecer manipulações e resistir ao medo. Essa educação começa na escola, mas estende-se aos média, às plataformas digitais, às conversas em família.
Por fim, o debate político precisa de ser regenerado. A crispação constante, a lógica de guerra permanente e o empobrecimento da linguagem afastam as pessoas e matam o pensamento. Precisamos de lideranças que falem com verdade, que não tenham receio da complexidade ou da dúvida, que saibam parar para pensar e que recusem o ruído.
A democracia não desaparece de um dia para o outro: vai-se apagando pela indiferença, pela desistência, pela raiva acumulada. Por isso, importa não calar, não fingir que não vemos. Importa não deixar que o intolerável se torne hábito, que a violência simbólica passe por opinião ou o ódio se disfarce de liberdade.
Neste momento da história, mais do que ser «de bem», é preciso escolher estar do lado do bem, do lado dos que defendem os valores democráticos, a igualdade, a empatia, o respeito pela dignidade de todos. Com lucidez, firmeza e coragem.
Porque o que está em causa não é apenas quem governa, mas como escolhemos viver juntos, em comunidade.
E para isso, não chega contar votos ou lugares no parlamento: é preciso conquistar consciências.
Obrigado por fazer parte desta missão!