Passei o fim de tarde de segunda-feira pascal nas Urgências de Portimão, motivado por uma urgência e transportado de ambulância.
O CENÁRIO
O que vi:
mais de 50 macas estacionadas em filas, 80% das quais com idosos sem aparentemente nada de grave, sem saberem onde estavam, sem apoio pessoal, sublinho pessoal e não profissional, a maioria repetindo mantras de dor ou de demência/Alzheimer, numa cacofonia de loucura.
OS PROFISSIONAIS
muitos enfermeiros jovens, competentes, mas a quem o sofrimento ainda não moldou empatia extraprofissional. Auxiliares veteranos, mais calmos, com empatia doseada por anos de dor e de fezes alheias.
“Chegou cadáver – vais tu ou eu?”, dizia um a outro.
Médicos vi três ou quatro.
“Ouça, eu não almocei, não jantei, por isso faça o seu trabalho e não me venha com merdas!”, respondia a médica, 30 e picos, ao telemóvel e para a central de empresa de transporte de doentes. Os sherpas das ambulâncias, ao meu lado às 21h30, já não tinham autorização para transportar outro doente porque, “quando chegarem a Lagos, já passa das 22h00 e estão fora do horário de serviço”, respondia a administrativa da empresa, impedindo assim o vagar de uma maca indispensável ao caos de Portimão.
BUROCRACIA E ABSURDOS
Estratégia para cobrar a dobrar ao Estado ou mera estupidez burocrática, não sei. O que constatei foi que o vernáculo, a fome e o desespero da médica acabaram por garantir mais um lugar no estacionamento da urgência. Pois era disso que se tratava, arranjar mais um lugarzinho naquele parque ruidoso, desalentado e coberto de dores várias.
A MINHA EXPERIÊNCIA
Fui, entretanto, levado para o RX e, enquanto esperava na maca pela sessão aos ossos, um parceiro de espera, em pé, queixava-se aos pilotos de maca aos berros “Nunca vi nada assim, já fiz queixa, nunca vi um hospital assim, estou aqui desde a uma!”.
Reconheci-lhe a fala dos 10 anos em que trabalhei na Rua da Escola Politécnica. “Agora imagine o que é viver cá. Não se chateie tanto que o senhor só cá vem de férias!”, disse-lhe para o chatear, embora sentisse minhas as suas queixas, mas de lisboetas armados aos cágados já tive que chegue.
Regressei ao parque de macas e fui rapidamente visto por dois ortopedistas que me viram e despacharam com “não encontramos nada de grave” (tinha o joelho num trambolho) e “quem passa a baixa é o seu médico de família, não somos nós!”. Para ser justo tenho que dizer que fizeram o que lhes competia, nada havia partido e com RX não se consegue ver lesões nos tecidos moles. Já mo haviam dito os técnicos do RX, calmos e competentes.
“Eles sabem muito bem que há mais de um ano podem passar a baixa”, disseram-me do Centro de Saúde, “mas fazem-se esquecidos e entopem-nos aqui no Centro!”.
REFLEXÕES FINAIS
– vi muitos profissionais de saúde cansados, saturados, mas com brio e profissionalismo, mais do lhes era devido.
– jovens, muitos jovens, particularmente entre os enfermeiros, técnicos e auxiliares – se fosse a recruta, não estaria mal, mas para um dia normal…meninos, não sei que vos digo.
– Se aprecio e preciso eu e a minha família do vosso trabalho, claro! O SNS continua a ser delapidado por este e anteriores governos.
DEPOIS DAS FESTAS
Por último, revelo o que ouvi a um profissional: “Depois das Festas é sempre este caos!”.
Espero que o meu lado desencantado não tenha razão, ou seja, de que algumas famílias levam os velhos para casa para cumprir calendário e despejam-nos no dia seguinte nas Urgências.
Quero acreditar de que os velhos comeram muito cabrito ou borrego em Dia de Páscoa, que o Prior na Visita Pascal lhes tenha acertado acidentalmente com o turíbulo (incensório) ou ainda, melhor, que se tenham aleijado nas brincadeiras com os netos. Tudo me parece melhor.
Menos darem cabo do SNS.
Sei quem criou o SNS.
Sei quem quer dar cabo do SNS, ou por ideologia da mentira ser o seu dogma, bem como por apreço pelo privado, ou apenas por achar que só o privado é que é e cada um tem de ser liberal à sua maneira.
Sei também que o nome social-democracia já significou mais para o SNS e o que vi é resultado deste governo tendo aquela social-democracia a única benesse de ter mantido um não como um não aos que têm a mentira como dogma.
NOTA FINAL
Se vivesse me Lisboa, sei em quem votaria.
Como vivo no Algarve, onde D’Hondt deveria ser apenas nome de vivenda cara e pouco mais, digo-vos: não sei que faça.
Obrigado por fazer parte desta missão!