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Sul Informação - Juntos pelo Sudoeste quer obrigar CCDR Alentejo a avaliar impacte ambiental das estufas no Parque Natural

A má sorte dos algarvios e odemirenses!

Os assombrosos dias em que vivemos no mundo ocidental, onde o triunfo da ignorância parece querer afastar a verdade e o conhecimento, serão o motivo para que a Estratégia Nacional «Água que une», recentemente aprovada pelo governo, que contempla novas barragens e transvases entre bacias hidrográficas, não tenha levado ao repúdio pela comunidade científica nacional ligada à proteção do homem e da natureza.

Aquela Estratégia seria considerada excelente se todos nós vivêssemos no dealbar da década de 1970 ou mesmo de 1980, à luz dos conhecimentos de então.

Mas, infelizmente ou felizmente, estamos em 2025 (pelo menos no calendário) e, com o conhecimento científico produzido nas nossas universidades e no mundo ao longo dos últimos 40 anos, só se pode repudiar semelhantes medidas, por constituírem uma má opção política e um atentado ao ambiente e à saúde de todos nós.

festival do marisco de olhao

É confrangedor que o atual governo, assente num partido que foi pioneiro na defesa do ambiente em Portugal, faça tábua rasa desse passado ou das alterações climáticas que nos afligem, em defesa de meia dúzia de industriais de agricultura intensiva, depredadora dos nossos solos, da paisagem e dos ecossistemas.

Se o governo anterior já presenteara os algarvios com uma dessalinizadora, uma das últimas prioridades a avançar no plano de eficiência hídrica do Algarve, o atual ainda consegue dar um passo mais atrás, defendendo os transvases da albufeira de Alqueva e a construção de novas barragens na região.

Os impactes destas últimas sobre a natureza deveriam ser, por si só, motivo para aquela hipótese nem se colocar.

Ao contrário daquilo que se diz, a água não se perde para o mar, na natureza tudo está em equilíbrio.

Ora, ao ficar retida nas barragens, impede que os nutrientes, fundamentais para um bom peixe na costa, cheguem ao mar, tal como os sedimentos, e sem eles nem peixe, nem um bom areal nas praias.

Sul Informação
Barragem de Odelouca, junto à Sapeira (São Marcos da Serra) -Foto: Aurélio Nuno Cabrita

Mas se tudo isto se sabe há vários anos, infelizmente parece que a maioria dos autarcas algarvios e, pasme-se também a atual ministra do Ambiente e Energia, o ignoram.

Quanto ao Alqueva, sejamos sinceros, o que ali chega no rio Guadiana não é água natural, mas o esgoto de Badajoz e de Mérida, de mais de 150 000 badajocenses, a que acrescem 60 000 emeritenses, só para mencionar os mais próximos da fronteira.

Para essa água, concorrem ainda os lixiviados da agricultura intensiva, carregados de agro-químicos (fertilizantes e pesticidas) e os efluentes industriais das fábricas que ali existem.

É que a verdadeira água já os «nuestros hermanos» desviaram, através dos seus inúmeros transvases, para os seus planos de regadio. Em resultado, ao Alqueva chegam todos aqueles poluentes, misturados com uma pequeníssima fração de água pura…

Note-se que apenas a contaminação orgânica é retirada pelas estações de tratamento de água residuais, não a carga química, que permanece nas águas tratadas, posteriormente descarregadas em rios e ribeiras.

Em termos químicos, temos desde logo o inofensivo sal, ótimo para a salinização dos solos, mas principalmente, um caldo químico, resultante dos medicamentos que ingerimos, juntamente com os agro-químicos, que já referimos.

É, pois, esta «água» que o governo se prepara para introduzir nas bacias algarvias.

Ora Odeleite e Beliche, ambas ribeiras nascidas na serra do Caldeirão, não têm nas suas bacias hidrográficas povoações, nem agricultura intensiva, nem indústrias, o que faz com que aquelas águas sejam puríssimas em termos bacteriológicos e químicos, qualidade que vai desaparecer com a introdução de água captada no Guadiana, junto ao Pomarão, e que passaremos a ingerir e a contaminar os nossos solos e alimentos.

Uma realidade muito semelhante acontece com a barragem de Santa Clara, utilizada para abastecimento público do concelho de Odemira e para rega, já no Baixo Alentejo.

O rio Mira é tido como um dos menos poluídos da Europa, com nascente também na serra do Caldeirão, na vertente norte, numa bacia com agricultura de subsistência pontual, sem indústrias e para a qual drenam os efluentes de pequenos aglomerados populacionais, como as aldeias de Santana da Serra ou de Gomes Aires.

Mas também aqui, na barragem de Santa Clara, se pretende colocar o «esgoto» de Alqueva, para rega e abastecimento público.

E um pequeno aparte: não será por acaso que, em Lisboa, não se bebe água proveniente do rio Tejo, mas de Castelo de Bode, no rio Zêzere…

Odemira é o maior concelho do país, sempre esquecido pelos sucessivos governos, sem estradas do século XXI e com as existentes, do século XIX, em mau estado de conservação.

É o concelho onde construir uma casa de banho foi uma dificuldade acrescida pelo Parque Natural durante décadas, mas onde agora o poder central se prepara para poluir toda aquela massa de água, para que os industriais da agricultura intensiva possam continuar a destruição, ao longo da costa, daquilo que já foi uma paisagem única e como tal protegida. Industriais que, na primeira contrariedade, desaparecerão e deixarão todo aquele território inquinado, para quem lá mora.

Não deveria o governo tomar medidas? Claro que sim, desde logo pugnar por um equilíbrio, com peso, conta e medida.

Não somos contra a existência de uma agricultura intensiva no Sudoeste Alentejano, nem contra a plantação de abacateiros no Algarve, somos, sim, contra a massificação deste tipo de agricultura, que está a levar à destruição da paisagem, à contaminação dos solos e, a breve trecho, a prejudicar a nossa saúde e rapidamente conduzirá à ruína económica e social da costa alentejana e do Algarve.

O nosso clima mediterrânico não permite este tipo de agricultura, altamente dependente da água que não temos.

A renaturalização da serra algarvia (comum ao Algarve e Baixo Alentejo) deveria ser uma das opções adotadas pelo governo, se este se regesse pelo conhecimento científico dos nossos dias, ao invés de defender soluções há muito ultrapassadas, que lhe podem render votos, mas que são condenáveis a curto e longo prazo.

O restauro de 100 mil hectares da serra permitiria não só evitar os incêndios que todos conhecemos, como aumentar a precipitação e, acima de tudo, reter na manta morta a água da chuva, ao invés desta se precipitar imediatamente para as linhas de água.

Tudo isto contribuiria ainda para que Portugal cumprisse a estratégia europeia para a Biodiversidade de 2030.

Mas a cereja no topo do bolo chegou nos últimos dias, com a apresentação, pelo partido do governo, do cabeça de lista pelo distrito de Faro, para as próximas Legislativas. Mais uma vez não é nenhum algarvio, como se na região não houvesse pessoas capazes para a representar na Assembleia da República (ou terão razão e não haverá mesmo?), aliás, como já acontecera há um ano.

Na altura uma solução bastante criticada, mas agora até celebrada, e pasme-se será a senhora ministra do Ambiente. Merecíamos melhor sorte!

Resta-nos a ajuda divina de São Pedro: oxalá continue a abrir as torneiras do céu, para que as retrógradas propostas, por estes dias em consulta pública, caiam no esquecimento, para que possamos continuar a ingerir uma água de qualidade e a comer alimentos, não contaminados com os químicos provenientes dos medicamentos, dos fertilizantes e das indústrias dos nossos vizinhos espanhóis, que farão a riqueza de alguns, mas o infortúnio de todos nós.

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  • Li o texto na altura em que saiu, mas só agora tenho oportunidade para escrever este pequeno comentário: estou inteiramente de acordo com o que escreve o autor.
    Fernando Santos Pessoa

  • Parabéns pelo artigo e pela grande verdade!
    Pena,que não seja uma abertura de um telejornal em hora nobre, em vez das desgraças alheias que em nada evoluiu o ser humano, a quem assiste “ainda”TV e só se preocupa com o desnecessário, a desinformação, etc…
    Grata pela excelente informação!

  • Excelente artigo, parabéns.
    É sempre bom alertar os mais distraídos, para que todos estes projetos megalómanos não passem do papel.

  • Excelente artigo. Focando de modo consistente e muito bem explanado o agravar do problemas da gestão da água no Algarve com a errática política do governo. diz:

    Excelente artigo. Focando de modo consistente e muito bem explanado o agravar dos problemas da gestão da água no Algarve com a errática política do governo.

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    festival de caminhadas

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