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Há 120 anos, Tavira comemorou, com «uma imponente festa», a inauguração do caminho de ferro

Foi uma sexta-feira diferente na Veneza Algarvia, aquele dia 10 de março de 1905. O jornal «O Século» estimou que mais de 12 000 pessoas, «sem exaggero de calculo», tivessem deambulado pela cidade na inauguração de mais um troço da linha férrea, em direção a Vila Real de Santo António.

A construção do caminho de ferro para o Algarve, a partir de Beja, como já aqui recordámos, delongou-se pelos anos, e foi apenas uma realidade duas décadas após a data aprazada, já que, prevista para 1 de janeiro de 1869, somente a 1 de julho de 1889 foi inaugurada (até Faro).

A região uniu-se durante esses 20 anos de amargurada espera, fosse em representações emanadas pelas autarquias ou mesmo em petições dos algarvios, como foi exemplo a dos tavirenses, datada de 8 de fevereiro de 1874.

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Nela, perto de 85 signatários, a maioria negociantes, lembravam o «direito que a provincia do Algarve» tinha em «compartilhar nos beneficios materiaes do paiz, dos quaes quasi que tem estado privada».

A 25 de fevereiro daquele mesmo ano, era a autarquia local que pedia à Câmara dos Deputados a conclusão da linha férrea entre Casével e Boliqueime e lembrava: «o desamor e o esquecimento, com que esta província, aliás digna da melhor sorte, tem sido tratada pelos poderes públicos».

Contudo, os sucessivos governos primaram pela indiferença e foram necessários ainda 15 anos para que, em Faro, Loulé, Albufeira, São Bartolomeu de Messines e em São Marcos da Serra, se ouvisse o apito do progresso rasgar os céus.

Quanto ao Barlavento e ao Sotavento, a dilação temporal foi ainda maior, e com ela outras tantas controvérsias.

A viagem da família real à região, em 1897, foi primordial para o arranque e concretização dos trabalhos.

D. Carlos prometera, em Faro, pugnar pelo prolongamento da linha, em direção a Espanha e a Lagos, e esse terá sido um dos maiores contributos daquela visita, quase tão inédita como histórica. Afinal, havia 324 anos que nenhum monarca pisava solo algarvio: o último havia sido D. Sebastião, que percorrera o Algarve em 1573.

Se, até Portimão, ou antes, até à margem esquerda do Arade, o caminho de ferro foi inaugurado a 15 de fevereiro de 1903, como também já aqui evocámos, no Sotavento foi ainda mais demorado.

A travessia de Faro foi motivo de discórdia, para os farenses e para o governo:  se uns defendiam a travessia pelo norte da cidade, na zona da Penha, outros queriam-na pela ria Formosa (onde hoje a conhecemos), posições que depois se inverteriam.

Ainda que as obras se tivessem, por fim, iniciado a 29 de dezembro de 1898, quase dez anos após a via ter chegado a Faro, logo foram suspensas, para nova avaliação e assim se mantiveram até fevereiro de 1902.

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A 12 de setembro, eram adjudicadas as três empreitadas que iriam levar o comboio a Olhão, onde uma primeira locomotiva logrou chegar a 28 de março de 1904, tendo a inauguração ocorrido a 15 de maio seguinte.

Não que antes, em junho de 1902, o ministro das Obras Públicas não tivesse anunciado a sua abertura até junho de 1903, mas a promessa logrou-se, o que nos lembra que as derrapagens e atrasos nas obras da ferrovia não são apenas dos nossos dias.

Também em Olhão, o traçado gerou polémica: havia olhanenses que queriam, à semelhança de Faro, que a linha seguisse junto à ria Formosa, servindo o porto, e não no topo da então avenida D. Luís, onde hoje a encontramos, mas na época considerada longe da vila.

Vencido mais esse problema, a progressão em direção a Vila Real de Santo António foi célere, já que a 1 de setembro de 1904 abria a exploração até à Fuzeta, para a 4 de fevereiro seguinte atingir a Luz, e Tavira a 10 de março.

Às 10h55 daquela manhã, o comboio inaugural, vindo de Portimão, dava entrada na gare de Tavira.

A imprensa local, como o «Heraldo», ou a regional, como o «Districto de Faro», mas também a diária nacional, como «O Século» ou o «Diário de Notícias» (DN), noticiaram o acontecimento.

Segundo o DN, o comboio que «inaugurou o desejado serviço ferro-viário» conduzia «600 pessoas vindas de diversas estações do percurso, especialmente de Faro, Fuzeta e Luz. A gare, e todo o vasto recinto da estação estavam completamente apinhados de gente de todas as hierarquias sociaes».

De tal forma que o correspondente daquele jornal afirmava: «nunca vimos esta cidade tão concorrida e semelhante aglomeração, transparecendo e todos os rostos verdadeira e intensa alegria, por tão grande e importantíssimo melhoramento».

Assim que a locomotiva se aproximou, apesar de não vir decorada, «foi fervente o enthusiasmo, queimando-se centenas de foguetes e rompendo as duas phylarmonicas, Limpinhos e Namarraes, o hymno da Carta, findo o qual o presidente da Câmara ergueu vivas a suas majestades, aos conselheiros Vargas, Matheus Teixeira d’ Azevedo, Paçô Vieira e engenheiro Mendes», personalidades cuja ação foi decisiva para a concretização daquele melhoramento (o primeiro e terceiro ministros das Obras Públicas, o segundo tavirense de adoção e juiz conselheiro, o último engenheiro diretor).

Vivas entusiasticamente correspondidos pela multidão, que coroou a chegada do comboio, segundo «O Districto de Faro», com uma «estrondosa salva de palmas».

A estação encontrava-se embelezada, ainda que «simples, mas elegantemente adornada com palmas, bandeiras, escudos e galhardetes, estando também ornamentado o largo».

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Edição especial do jornal local «O Heraldo»

Pouco depois, e de acordo com «O Heraldo», «pôs-se tudo em marcha», as bandas filarmónicas fizeram uma arruada pela cidade, acompanhadas pelo povo que debandou atrás delas, enquanto os vereadores entravam nas carruagens, tudo isto «acompanhado de foguetes».

Nessa tarde e segundo o mesmo periódico, «foi grande o numero de tavirenses que sahiram da cidade de propósito para estrear a linha até a Luz, até a Fuzeta e até Olhão», de tal forma que a «concorrência foi constante», ao que complementava «seja bemvindo o caminho de ferro».

«O Heraldo» publicou mesmo uma edição especial, alusiva ao acontecimento, inserindo os retratos dos principais obreiros de tão importante melhoramento.

À tarde, houve um concerto no jardim público pela banda de Infantaria 4, tendo atuado, segundo o DN, entre as 14h00 e as 16h00, com «grande assistência».

Os festejos terminaram com a realização de dois bailes, nas noites de 12 e 13 de março, no Grémio Tavirense.

O comboio chegava finalmente a Tavira, quase 16 anos depois da inauguração em Faro e 49 da introdução do caminho de ferro em Portugal (28 de outubro de 1856).

A estação da cidade passou a ser alvo de romaria, mas também o foi as imediações da ponte sobre o Séqua, com a instalação do primeiro tramo do tabuleiro no dia 19 de março, ou seja, 9 dias depois da inauguração.

Por se tratar de um domingo, a população convergiu para «admirar os trabalhos, o milagre, como alguns julgavam. Mexer uma ponte d’aquelle peso? Tinha graça! Muitos homens haviam ser precisos e não se viam mais que 5 ou 6!», nas palavras de «O Heraldo». O trabalho, que se iniciou às 8h00 da manhã, estava concluído, com sucesso, às 13h00.

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Três meses depois, a ponte voltou a concentrar os olhares dos tavirenses, quando, a 18 de junho, ali passou, ao som de numerosos foguetes, a primeira locomotiva.

Acontecimento que, segundo «O Heraldo», levou ao local «algumas senhoras e grande numero de populares e encheu de povinho os pontos mais altos da cidade».

Efetuado e concluído o teste de carga, foram muitos os que lograram atravessar o tabuleiro superior a pé, apesar «da enorme ventania».

Ainda que as obras até Cacela ficassem concluídas pouco depois, este troço apenas foi inaugurado a 14 de abril de 1906, quando o comboio chegou a Vila Real de Santo António.

Em 1905, embarcaram na estação de Tavira 32 023 passageiros, valor que, no ano de 2018, ascendeu a cerca de 291 360.

Mas, se os tavirenses e principalmente os turistas utilizam frequentemente este meio de transporte, não é menos verdade que foi mais célere a construção da linha a partir de Faro, não obstante os quase 16 anos de espera, que a eletrificação que ocorre por estes dias.

Afinal, a via entre Lisboa e Faro foi dotada de catenária em 2004, já lá vão 21 anos e ainda não logrou ficar concluída até Tavira e Vila Real, nem entre Tunes e Lagos, e nem foi feita a correção de traçado…

O desprezo secular do governo de Lisboa, aliado ao alheamento dos algarvios e à irrelevância da maioria dos seus representantes políticos, na defesa dos interesses da região, mantém-se tão atual nos nossos dias como há 120 anos, não obstante o avanço da tecnologia, os milhares de turistas que nos visitam e o relevante contributo para o PIB nacional.

Mas, por agora, março de 1905, os tavirenses estão concentrados no seu caminho de ferro e na primeira excursão a Portimão, que se realizará a 27 do mesmo mês…

Nota: Nas transcrições conservou-se a ortografia da época. Algumas das imagens são meramente ilustrativas e correspondem a bilhetes-postais ilustrados.

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