Uma edição dedicada à Mulher, mas também a pensar na Multiculturalidade e no rico património musical das Filipinas, que é o país convidado. Mais um concelho alentejano a integrar a programação e dois espanhóis, além de um ribatejano. Algumas surpresas. E até o apoio de uma Infanta portuguesa.
Estas são, em resumo, as novidades da 21ª edição do Festival Terras sem Sombra, que começa no próximo fim de semana, em Arraiolos, tendo sido apresentado, esta terça-feira, numa sessão muito concorrida na Embaixada das Filipinas, em Lisboa.
José António Falcão, diretor geral do Terras sem Sombra, explicou que a temporada musical, que abre no próximo sábado, em Arraiolos, bem no centro do Alentejo, «vai percorrer 14 concelhos, repartidos pelos distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal, as subregiões que compõem o território da nossa região. Juntamos-lhes ainda o concelho ribatejano de Coruche, do distrito de Santarém, e duas localidades espanholas com ligações a Portugal». O nome destas localidades não foi revelado.
Foi também José António Falcão quem explicou que o programa deste ano é dedicado «a alguém – realmente, a uma multidão – que compôs em silêncio quando as convenções sociais assim o impunham, muitas vezes tendo que fazer passar as suas obras como tendo a autoria de outros; alguém que inspirou e criou obras eternas, mediando entre a partitura e a alma humana; alguém que, sendo enaltecida e mitificada, deu corpo e serviu de argumento a algumas das mais belas criações da arte musical: a Mulher».
É que, acrescentou, «desde os primórdios da arte que a mulher desempenha um papel absolutamente fundamental neste âmbito, mas isso ainda continua a não ser suficientemente conhecido e reconhecido. É também contra um preconceito muito arreigado que a presente edição do Festival se ergue, procurando mostrar como ele não possui qualquer fundamento». E é por tudo isto que a edição de 2025 tem como título “Autoras, Intérpretes, Musas: O Eterno Feminino e a Condição da Mulher na Música (Séculos XIII-XXI)”.

O soft power da cultura das Filipinas
Este ano, numa edição que se estende de Março a Dezembro e abarca mais de três dezenas de atividades, pelos palcos do Terras sem Sombra «no interior do interior», passarão «orquestras, ensembles e solistas de primeira ordem, representativos não só de várias escolas, tendências e períodos da arte musical, mas também de vários países: Bélgica, Espanha, Itália, Polónia, República Checa e Sérvia».
Mas o grande destaque vai para as Filipinas, país asiático com o qual o Festival já iniciou colaboração em 2019.
É com a «notável» soprano filipina Antoni Mendezona, «presença habitual nos palcos de Nova Iorque e de outras capitais», que começa, no próximo fim de semana, a programação, em Arraiolos.
Para oferecer uma “avant-première” exclusiva para convidados, na apresentação do festival em Lisboa, Antoni Mendezona interpretou, acompanhada por Nuno Margarido Lopes, ao piano, três peças do seu repertório: começou com a Pastoral, de José Vianna da Motta, continuou com uma canção “kundiman”, um género tradicional filipino com raízes ibéricas e que Paul Raymund Cortês, embaixador das Filipinas em Portugal, defendeu ter muitas semelhanças com o fado, «em termos de estrutura, de temas». A soprano finalizou com a ária “O mio babbino caro”, de Puccini.
O embaixador (que mais tarde haveria, ele próprio, de interpretar uma canção “kundiman”, acompanhado pelo pianista Nuno Margarido Lopes) sublinhou que «a cultura e as artes são instrumentos-chave do soft power. Elas transcendem fronteiras, promovem o respeito mútuo e aprofundam as conexões entre as pessoas. Por meio da cultura e das artes, compartilhamos as nossas histórias, os nossos valores e, o mais importante, destacamos a engenhosidade sem limites dos nossos povos».
O diplomata disse esperar que, pelo facto de as Filipinas serem o país convidado e, portanto, «o centro» do Festival, seja possível «apresentar uma lista diversificada e atraente de artistas que refletem a riqueza de nossa herança cultural».
«Esperamos que, por meio dessas apresentações, possamos proporcionar à comunidade portuguesa uma experiência única para conectar e apreciar o coração e a alma da cultura filipina», acrescentou.
«Aspiramos não apenas a compartilhar as nossas narrativas, mas também a iniciar diálogos significativos, cultivar conexões mais profundas entre filipinos e portugueses e fortalecer os laços entre as nossas nações», sublinhou o embaixador Paul Raymund Cortês.
O diplomata quer que estes laços entre as nações se estendam também a outros países asiáticos, como a «Índia, Tailândia, Indonésia», bem como africanos, como «São Tomé, Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde».
«Quero que o Terras sem Sombra se interesse por estes países», para que «Portugal perceba o que a música asiática e africana têm para oferecer», defendeu. Por isso mesmo, convidou para o lançamento do Festival, do qual foi anfitrião, representantes diplomáticos desses países.

Aposta na multiculturalidade através da música
Respondendo a perguntas dos jornalistas e ao repto do embaixador, José António Falcão revelou o Terras sem Sombra quer assumir, cada vez mais, a sua «dimensão social e comunitária», pelo que «o grande desafio dos próximos anos» é integrar «não só as famílias portuguesas, mas também as novas famílias das comunidades migrantes que têm vindo a estabelecer-se entre nós» e que vêm de países com «tradições milenares».
A aposta na «integração» e na descoberta da «multiculturalidade» é algo que o Festival quer abraçar cada vez mais. Para isso, conta com a colaboração da jovem pianista húngara Kinga Samogyi.
E nem os temas mal-amados e quase tabu do nosso país ficam de fora: José António Falcão recordou que o Terras sem Sombra tem feito «algum trabalho» no âmbito da integração «das comunidades ciganas», nomeadamente aproveitando a experiência da Hungria (onde existe uma grande comunidade cigana com forte presença cultural) e da vizinha Espanha.
Num Festival que se assume cada vez mais como multicultural e multifacetado, este ano, além da manutenção do patrocínio do Presidente da República, também haverá o apoio explícito de Maria Francisca de Bragança, filha de D. Duarte, o pretendente ao extinto trono português. Francisca de Bragança vive em Londres, mas, segundo uma mensagem lida na apresentação do Festival por Francisco Lobo de Vasconcellos, a partir de Maio estará em Portugal e irá acompanhar a programação. Prevê-se que possa estar, por exemplo, em Castelo de Vide, onde os seus pais têm uma casa.

Apoio da DGArtes é fundamental
O diretor geral do Festival recordou ainda «a longa travessia do deserto» que o Terras sem Sombra fez, quando, durante dois anos, se viu privado dos apoios da Direção-Geral das Artes, o que até pôs em perigo a continuação do certame.
Valeu-lhe então, como Falcão fez questão de sublinhar, o apoio dos municípios alentejanos que disseram «vamos manter isto vivo, custe o que custar».
Fundamental foi ainda o apoio da Fundação BPI – La Caixa, «pois ela veio intervir cirurgicamente aí mesmo onde o seu apoio era mais necessário, junto de interiores esquecidos do interior».
E foi assim que a «pequena equipa técnica de nove pessoas» conseguiu manter o Festival, com o «apoio essencial de algumas dezenas de voluntários» e de «uma vasta rede de parcerias, envolvendo municípios, serviços descentralizados do Estado, freguesias, fundações, associações, misericórdias, paróquias, empresas e, cada vez mais, famílias», bem como a «colaboração com várias embaixadas e instituições de outros países».
O período mais difícil já passou, uma vez que, desta vez, o Terras sem Sombra viu aprovada a sua candidatura bianual à DGArtes, que garante 60 mil euros em cada ano à organização do festival.
Isso permite «manter a estrutura técnica do Festival», bem como «voltar a ter ópera encenada no Alentejo», o que, garante José António Falcão, «só é possível com uma estrutura estável».
É que, acrescentou, «as agendas de muitos desses grandes nomes que queremos cá trazer são fechadas com dois anos de antecedência», o que era impossível com a navegação à vista que o festival foi obrigado a fazer durante os últimos anos.
Por outro lado, criticando o facto de «o Alentejo ter ficado um bocadinho preterido» pelo Estado central, no que dizia respeito ao apoio à sua atividade cultural, fosse no teatro, na música e em outras artes, Falcão sublinhou que «este apoio do Estado é essencial», porque «dignifica o nosso território do Alentejo».

Sousel é a novidade
Este ano, o novo concelho alentejano a integrar a programação do Terras sem Sombra é Sousel (26 e 27 de Abril). O Sul Informação falou com Manuel Valério, presidente da Câmara, que se mostrou muito entusiasmado com esta estreia.
«A minha expectativa é enorme, mas tenho a pura certeza de que vai correr tudo bem. Desde a primeira hora que o município de Sousel decidiu abraçar este projeto e tem vindo a crescer a minha expectativa relativamente àquilo que vai realmente acontecer».
«Tenho a certeza de que a população do meu concelho vai ficar muito grata por aquilo que nós vamos ali levar», acrescentou o autarca souselense.
O concelho de Arronches, que se estreou em 2024, volta agora a receber o Festival. O presidente da Câmara disse ao nosso jornal que, «depois do privilégio do ano passado, quando tivemos um coro filipino, que foi absolutamente fantástico», «as expectativas para este ano também estão muito altas».
«Esperamos que o Festival Terra Sem Sombra possa trazer a Arronches algo que não é muito comum nós vermos, que é esta qualidade e esta diversidade de música», acrescentou o autarca João Crespo.
Mais experiência tem António Pita, presidente da Câmara de Castelo de Vide, por onde o Terras sem Sombra já passou várias vezes.
O Festival, disse António Pita, é «extremamente importante para contribuir para a promoção do território. Sabemos que o Alentejo é um espaço de baixa densidade e que se afirma hoje como um destino turístico, mas ainda há um caminho muito longo a fazer, designadamente na promoção deste território junto de outros países. E o Terras sem Sombra faz isso mesmo».
«Este festival, pelas fronteiras que abre, pelo facto de trazer ao Alentejo entidades e músicos, é uma forma excecional de promover o território nos quatro cantos do mundo, e, por outro lado, também a oportunidade para qualificar a nossa oferta cultural, musical, artística», não só para quem vive no concelho de Castelo de Vide, mas também para quem o visita.
O diretor geral do Festival, perante uma região que tem 43 concelhos, admitiu a impossibilidade de ir a todos eles: «é preciso haver rotatividade». No entanto, tendo em conta que «a criação de hábitos culturais precisa de tempo» e, por isso, é preciso voltar aos mesmos concelhos ano após ano, a solução é…«fazer a quadratura do círculo».
José António Falcão prometeu que, como é habitual, «este ano teremos algumas surpresas». Uma delas foi revelada, ao de leve, por Sara Fonseca, diretora executiva: é que haverá um «desfile de moda filipina num dos concelhos alentejanos».
Outra surpresa será o facto de o Terras sem Sombra voltar a cruzar a fronteira para levar a sua música e a sua filosofia a Espanha. As localidades onde isso acontecerá ainda estão no segredo dos Deuses, mas José António Falcão já afirmou a ambição: «gostaríamos um dia de ser um Festival Ibérico, hoje já somos um festival luso-ibérico».

Arraiolos marca a estreia
Para mostrar este «Alentejo que não está acessível a todos», o primeiro encontro deste ano está marcado para Arraiolos, já no próximo fim de semana de 15 e 16 de Março.
O concerto de abertura, intitulado «Mundos Convergentes: A Canção Filipina e a Canção Europeia», terá lugar na Igreja da Misericórdia (15 de Março, 21h30) e contará com a atuação da soprano filipina Antoni Mendezona e do pianista Nuno Margarido Lopes, numa fusão musical que atravessa séculos e continentes.
Além da vertente musical, o Festival convida o público a mergulhar no património material e natural da região. Na tarde de sábado, 15 de Março (15h00), realiza-se uma iniciativa consagrada ao Castelo de Arraiolos e ao Paço dos Alcaides que faz parte do seu conjunto.
Sob a égide “Quase um Círculo Sobre a Planície: O Castelo de Arraiolos”, esta atividade, com ponto de encontro na fortificação medieval, enaltece a sua importância estratégica e o seu papel na história da lendária vila. Uma abordagem ao património local guiada por Victor Mestre, arquiteto especializado em reabilitação que está a intervir no monumento.
No dia seguinte, domingo, 16 de Março (9h30), os participantes na ação de Salvaguarda da Biodiversidade são convidados a descobrir a riqueza ambiental do Alentejo, numa experiência imersiva subordinada ao tema “Em Sintonia com a Natureza: A Agricultura Regenerativa na Herdade de Coelheiros”, atividade guiada pelo engenheiro agrícola João Raposeira.
Nesta herdade da freguesia de Igrejinha, a tradição vitivinícola alia-se à conservação dos recursos naturais locais para oferecer uma panorâmica pioneira da nova agricultura, baseada no conhecimento e na sustentabilidade do território.

A 21.ª temporada do TSS prossegue a 5 e 6 de Abril,em Ferreira do Alentejo, seguindo-se a 26 e 27 de Abril a vila de Sousel, concelho que se estreia no Festival.
Toda a programação da presente temporada pode ser consultada no site do Festival Terras sem Sombra.
As iniciativas são de acesso livre e gratuitas.
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação


Aspeto da assistência, com muitas personalidades

Sara Fonseca, diretora executiva do FTSS

Paul Raymund Cortês, embaixador das Filipinas em Portugal


José António Falcão, diretor geral do FTSS

José António Falcão (centro) com o embaixador e Francisco Lobo de Vasconcellos

Embaixador das Filipinas

A soprano Antoni Mendezona a cantar



Antoni Mendezona com Nuno Margarido Lopes

Embaixatriz oferece flores ao pianista

Embaixador das Filipinas a cantar uma canção “kundiman”


Gastronomia das Filipinas deliciou os convidados

Gastronomia das Filipinas deliciou os convidados
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