Xavier tem apenas 10 anos, mas já sabe o que fazer se alguém à sua volta se sentir mal ou estiver a ter um Acidente Vascular Celebrar (AVC). «Aprendi os sintomas básicos, aprendi o que significa a palavra e acho que todos aprendemos o que fazer quando vemos alguém a ter um AVC. Temos de ligar para o 112, chamar uma ambulância, dizer onde estamos e o que é que a pessoa está a sentir».
As palavras saem-lhe com muita facilidade, pois desde o 1º ano que, na escola, lhe foram ensinadas estas noções básicas relacionadas com aquela que é a maior causa de morte em Portugal.
Xavier faz parte das centenas de crianças algarvias às quais o projeto “Fast Heroes” já chegou, com o objetivo de sensibilizar relativamente aos sintomas do AVC e à necessidade de uma ação rápida para aumentar a probabilidade de sobrevivência e diminuir possíveis sequelas.
Este projeto, a decorrer atualmente, de forma ativa, em 20 turmas algarvias, é apenas um dos pontos que contribuiu para que o Algarve fosse reconhecido como a primeira região Angels em Portugal e a segunda na Europa, distinção que foi oficializada esta quarta-feira, 12 de Março, numa cerimónia que decorreu no auditório do Campus da Penha da Universidade do Algarve, em Faro.
Mas o que é ser uma região Angels? No fundo, esta distinção veio confirmar que o Algarve é «uma região segura» para quem sofre um AVC e a mais bem preparada em Portugal para detetar e tratar os seus doentes.
Saber identificar os sintomas para dar uma resposta rápida é o primeiro passo, mas o Algarve só pode ser uma região Angels porque também os hospitais estão preparados para tratar esta doença, do pré aos pós hospitalar, algo que não acontece assim há tanto tempo.
A verdade é que só em 2023 um doente de AVC pôde ser tratado por completo no Algarve. Até esse ano, as pessoas recebiam apenas os cuidados iniciais (Via Verde AVC) e depois eram encaminhadas para Lisboa.
Como é que a Unidade Local de Saúde do Algarve (ULSAlg) fez a abordagem regional para ter este reconhecimento?
De acordo com Ana Paula Fidalgo, diretora clínica da ULSAlg, a abordagem foi feita tendo em conta quatro grandes pilares.

Um deles é «garantir o acesso adequado aos cuidados necessários, através de unidades de AVC (em Faro e Portimão) e equipas organizadas e treinadas para tratar o doente com AVC».
O segundo pilar é o «cumprimento dos padrões de qualidade europeus por todos os hospitais e, tanto a unidade de AVC de Faro, como a de Portimão, estão premiadas pela qualidade».
O terceiro pilar é a «adesão dos serviços de emergência aos padrões de qualidade europeus», demonstrada também através dos prémios que a equipa do INEM do Algarve já ganhou.
O quarto está relacionado com a sensibilização e literacia da população, medida pelo impacto da campanha “Fast Heroes”, coordenada no Algarve pela enfermeira Patrícia Pires e pela médica Catarina Frias.
«Nós temos uma missão, que é chegar às famílias, e portanto aqui este projeto Heroes é um programa educacional com o qual nós, profissionais de saúde, acabamos por colaborar. Se pensarmos que cada criança tem quatro avós e vai para casa transmitir informação, então estamos a ver que vamos educando cada vez mais pessoas em relação aos sintomas de alerta e como deve ser o comportamento do cidadão quando reconhece esses sintomas», explica a enfermeira Patrícia Pires.
«O que é transmitido a estas crianças é que são heróis para as suas famílias. Temos um exemplo no Algarve de uma criança que contactou o 112 e que salvou o avô. Mas não se trata só destes exemplos. Nós sabemos que quando no hospital recebemos a notificação de uma Via Verde AVC, o que acontece cada vez mais, aquele trabalho que nós temos feito nas escolas reflete-se nisto, porque as crianças transmitem a informação aos familiares», acrescenta a médica Catarina Frias.

«O nosso desafio agora – e o que tem de ser feito – é conseguirmos abranger todas as escolas do Algarve. Neste momento são 20, mas o objetivo é chegar a todas, porque isto são ganhos em saúde», afirma ainda a médica, que acredita que, com este projeto, será possível «garantir uma qualidade de vida maior às pessoas».
Na Escola Básica Ria Formosa, em Faro, a professora Ana Beatriz Machado foi a primeira a interessar-se pelo tema.
Tudo começou em 2020, quando tinha uma turma de 1º ano que se chamava “Super Heróis”.
«Eu recebi um e-mail com este projeto e achei que fazia sentido os super heróis fazerem parte dele. Na altura, ainda havia muito pouca coisa em divulgação e eu própria fui pesquisar, fui ver, e gostei muito da história, das personagens… os miúdos também adoraram. Continuei com esse grupo até ao 4º ano, mas este ano já tenho novamente um 1º ano e comecei também com esses alunos», conta ao Sul Informação, frisando que, depois, muitas das suas colegas também quiseram implementar o “Fast Heroes” com as suas turmas.
«O que posso dizer aos professores de outras escolas é que adiram, que é fantástico, não dá trabalho nenhum e é muito importante para a sociedade», afirma, realçando que todos os conteúdos podem ser inseridos no currículo escolar e nas várias disciplinas.

A cerimónia, organizada pela Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) e pela Iniciativa Angels, foi de comemoração, mas não se deixou de parte as dificuldades que o Algarve ao nível da saúde, nomeadamente, nesta área do AVC, a falta de camas e de mais profissionais dedicados ao serviço.
Apesar das grandes carências, que admite que existem, António Pina, presidente da AMAL, salientou, em declarações ao Sul Informação, que, neste campo da identificação, socorro e tratamento dos AVC, o Algarve tem «uma estratégia melhor do que as outras regiões, porque houve um conjunto de profissionais (médicos, enfermeiros, professores…) que trabalharam para isso, dando formação a outros» e «devemos orgulhar-nos disso».
«Ser um Angel (um anjo salvador) é ser alguém que consegue perceber que quem está ao nosso lado pode estar a ter um AVC. Essa pessoa é um anjo porque a janela de oportunidade para reduzir ao máximo o número de sequelas tem a ver com o tempo entre o acontecer e o ser tratado. Precisamos sempre de mais anjos e espero que este galardão sirva para nos sentirmos ainda com mais vontade de dar a conhecer e formar pessoas (nas escolas, administrações, empresas) para serem anjos», rematou o presidente da AMAL.
De acordo com dados divulgados também nesta cerimónia, o AVC é a principal causa de morte e incapacidade em Portugal, sendo estimado que uma em cada quatro pessoas vai ter de enfrentar esta doença ao longo da sua vida.
No Algarve, região que triplica a sua população nos meses de Verão, estima-se ainda que, anualmente, haja, em média, 1300 casos de AVC.
Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

















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