«A integração é a palavra. Quando falamos de promover o acesso da população migrante aos cuidados de saúde primários, estamos a falar de integração para evitar problemas de saúde pública. O direito à saúde é um direito legalmente protegido e por isso temos de arranjar formas de chegar a todos».
Elisabete Saunite é enfermeira no Centro de Saúde de Lagos há seis anos. Apesar de esta ser uma cidade que sempre teve muita população estrangeira, até devido ao turismo, nos últimos anos, tal como em todo o país, tem-se registado aqui um aumento da população migrante e, por consequência, um aumento também na procura de cuidados de saúde primários por parte destas pessoas, que muitas vezes apenas sabem comunicar no seu idioma.
No âmbito do mestrado em Enfermagem e Especialização em Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública – no qual os alunos são incentivados a desenvolver um projeto na comunidade, com uma temática de relevância atual e de aplicação no dia a dia – Elisabete Saunite deu início ao EKSODOS, em Maio de 2024.
Tendo em conta a «problemática emergente da migração», este projeto piloto começou a ser implementado com o objetivo de «dar resposta à necessidade de contribuir de forma assertiva para a diminuição dos constrangimentos associados ao acesso da população migrante a cuidados de saúde primários», população essa que trabalha e vive na região.
«Esta inquietação surgiu já há mais de um ano, pelo facto de nós começarmos a sentir aqui, na prestação dos cuidados de saúde primários, algumas dificuldades e obstáculos, porque estamos a falar de cuidados contínuos, em que acompanhamos todo o agregado familiar», explica Elisabete Saunite, em entrevista ao Sul Informação.
Neste projeto, apesar de o objetivo ser chegar aos imigrantes, a população em estudo foram os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e assistentes técnicos) dos Cuidados de Saúde Primários de Lagos.
Através de um estudo qualitativo – «que permitiu validar a nossa questão e a nossa inquietação» -, Elisabete Saunite identificou as necessidades vivenciadas diariamente por estes profissionais, sendo depois possível determinar os objetivos a prosseguir e as prioridades.
Ao nosso jornal, e enfermeira revela que se verificaram três grandes necessidades: a de «empoderar os profissionais de saúde na área do conhecimento dos direitos e deveres do acesso da população migrante aos cuidados»; «a questão das técnicas comunicacionais» e, por último, a necessidade «de ultrapassar o obstáculo do idioma».
«Muitas vezes, pensamos só na questão do idioma, mas as técnicas comunicacionais também são muito relevantes, porque nós não nos lembramos de que uma pessoa, quando não consegue comunicar, se calhar levanta o tom de voz, gesticula (…) e precisamos de estar preparados para combater isso», frisa a enfermeira.
Além destas duas questões, surge uma mais jurídica.
«Todos temos o mesmo direito ao acesso à saúde, mas depois, perante a nossa legislação e a de outros países, há contornos que são diferentes e isso causava alguma inquietação, porque, ainda que tenhamos um conhecimento geral sobre o que é necessário, havia situações concretas com as quais não sabíamos lidar», continua, explicando que, nos cuidados de saúde primários, as coisas não se processam como num hospital.

«Se alguém tiver um acidente ali no meio da rua, independentemente da nacionalidade ou condições económicas, vem uma ambulância e leva para o hospital. Nos cuidados de saúde primários, não é assim: as pessoas têm de estar registadas, implica que aqui venham e se identifiquem».
Identificadas as prioridades e o que precisava ser implementado junto dos profissionais de saúde, Elisabete foi à procura de parceiros e conseguiu, desde o início, um grande apoio da Câmara Municipal de Lagos, Juntas de Freguesia do concelho e a colaboração do Centro Local de Apoio e Integração de Migrantes (CLAIM).
«Isso permitiu que tivéssemos formadores externos a virem cá dar formação a todos os profissionais de saúde que quisessem participar», realça a enfermeira.
As formações realizaram-se ao longo de dois dias, na parte da manhã e da tarde, para que os profissionais se pudessem ir revezando. O primeiro dia foi dedicado à temática dos direitos e deveres da população migrante no acesso aos Cuidados de Saúde de Primários. No segundo dia, o foco foram as técnicas comunicacionais.
«Ninguém era obrigado a participar, mas houve uma grande adesão e um excelente feedback», revela a enfermeira, frisando que foram ultrapassadas as metas em termos de conhecimento.
«A possibilidade de colocar questões e esclarecer dúvidas permitiu que os profissionais, hoje em dia, se sintam capazes e empoderados em relação a essas temáticas, pois as dúvidas que tinham sobre esta integração foram dissipadas».
Empoderados estes profissionais, faltava resolver uma questão: a do idioma. E qual foi a solução encontrada?
«Os nossos telemóveis não podem ser utilizados em serviço. O computador nem sempre dá, porque são precisas respostas imediatas. Foi aí que chegámos ao último contributo da Câmara de Lagos, que nos vai providenciar dispositivos tradutores que, no momento, independentemente do idioma que o outro falar, traduz».
Em relação à instalação destes quatro dispositivos, Elisabete acredita que «é apenas uma questão de tempo» para que tudo esteja a funcionar, já que «está tudo aprovado».
O projeto EKSODOS terá assim a continuidade pretendida e a ideia é que seja também um exemplo para outras unidades de saúde.
«O objetivo disto é mesmo que não fique um projeto-piloto só de Lagos. A intenção é realmente ajudar e promover a integração desta população. Não se trata de escancarar as portas, nem de privilegiar esta população, é integrar, para evitar que se formem guetos e mesmo problemas de saúde pública, que já vão aparecendo», remata a enfermeira, dando como exemplo o surto de tosse pertussis no Sul de Espanha e os casos de sarampo que vão aparecendo em Portugal.
A implementação deste projeto, que decorreu entre Maio de 2024 e Janeiro deste ano, mereceu o parecer favorável da Unidade Local de Saúde do Algarve, Comissão de Ética, bem como do ACES Barlavento. O seu desenvolvimento foi ainda concretizado através da realização de parcerias com entidades oficiais, como a Câmara de Lagos.