Há um «problema» e ninguém o esconde. O Centro Oncológico de Referência do Sul (CORS), que deveria ter estado pronto no final do ano passado, poderá nunca vir a ser construído. A Câmara de Loulé cedeu o terreno, mas garante que o projeto da Unidade Local de Saúde (ULS) do Algarve – antigo CHUA -, que deu entrada na autarquia, vinha com irregularidades. Mas também se mostra disponível para «ser solução». Assim o queiram.
A história em torno deste investimento estruturante para a região não começou ontem, 4 de Fevereiro, com a conferência de imprensa que a Câmara de Loulé realizou para «clarificar o que circulou na opinião pública e nas redes sociais».
A 13 de Abril de 2023, as Câmaras de Faro e de Loulé e o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) juntaram-se para assinar um protocolo que parecia marcar o arranque do futuro Centro Oncológico, a ser construído no Parque das Cidades.
Ana Varges Gomes, então presidente do CHUA, anunciou mesmo que, até final de 2024, o equipamento estaria a funcionar, até porque o concurso para a construção… estava pronto a ser lançado.
O Centro Oncológico é, de resto, visto como essencial, uma vez que permitirá que os doentes com cancro sejam tratados no Algarve, sem terem de se deslocar a Lisboa ou a Sevilha (Espanha).
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional colocou-se “ao lado” da obra, alocou fundos comunitários, mas a verdade é que o Centro Oncológico está (no mínimo) atrasado.
A empreitada ainda não começou e está envolta numa verdadeira novela. Uma notícia do jornal Público, publicada a 31 de Janeiro, deu o mote, anunciando que a Câmara de Loulé tinha indeferido o projeto, algo confirmado por Vítor Aleixo.
Em conferência de imprensa, o autarca louletano explicou, ontem, que o projeto que deu entrada nos serviços de Urbanismo da Câmara não se compaginava «com os parâmetros urbanísticos vigentes no Plano de Pormenor do Parque das Cidades», algo que foi reconhecido «pelo próprio projetista» da ULS.
Segundo a autarquia, a área de construção admissível em área verde equipada corresponde a 2%, sendo a área total verde equipada de 31,14 hectares, a área máxima de construção é de 6.228m 2 . A proposta apresenta uma área de construção de 7.154,25m 2 , mais de 900 metros quadrados acima do permitido.
Quando o pedido de licenciamento deu entrada, em Outubro de 2024, a Câmara de Loulé «rejeitou-o liminarmente e explicou o porquê», garantiu Vítor Aleixo.
Mais: «como queríamos muito que isto acontecesse [a obra], convidámos a equipa projetista e os elementos do CHUA e, desde aí [26 de Novembro de 2024], dissemos que a forma de alterar isto era alterar o plano de pormenor», recordou o presidente da Câmara de Loulé.

E esta mantém-se como a posição da autarquia. Os primeiros passos serão marcar reuniões com a Câmara de Faro – com quem Loulé partilha a Associação de Municípios do Parque das Cidades -, com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional… e com a própria ULS.
E, se da parte da autarquia de Faro, Vítor Aleixo vê «uma posição construtiva», da parte da Unidade Local de Saúde, o autarca diz «desconhecer a posição».
«Qualquer que seja a decisão a ser tomada – de manter aquele equipamento ou não – essa é uma decisão que não compete à Câmara de Loulé. Nós estaremos cá para colaborar, seja qual for a decisão», vincou.
«O promotor deste projeto é o CHUA, hoje designado ULS, e são eles que desenvolvem o processo, o financiamento, contrataram o gabinete de arquitetura. A Câmara de Loulé apenas licencia o projeto e colaborou desde o início», reforçou ainda.
Se a proposta de alteração do Plano de Pormenor for para a frente, quanto tempo demorará? Segundo Vítor Aleixo, esta «não é uma alteração complexa» e o documento pode ser mudado «em sete, oito meses», depois das aprovações nas respetivas Assembleias Municipais.
É que o problema é apenas a «área» e não os «usos do terreno».
Citando um artigo do Plano de Pormenor, Vítor Aleixo garantiu que o projeto se podia desenvolver naquela parcela de terreno porque «o regulamento» prevê usos para «investigação e ciência».
«O problema é a área do projeto que chegou à Câmara, com 900 metros quadrados a mais. Isso é um problema incontornável», atirou.
Questionado sobre quem é culpado nesta novela, o presidente da Câmara de Loulé respondeu que não lhe compete «apontar responsáveis». Mas também acrescentou: «dei-vos os factos, eles são muito claros e de interpretação fácil. Os senhores tirem as vossas conclusões».
O Sul Informação tentou obter reações por parte da administração da Unidade Local de Saúde do Algarve, mas tal não foi possível. Ainda assim, em declarações ao Público, Tiago Botelho, presidente da ULS, considerou que a «Câmara de Loulé devia conhecer as condicionantes dos instrumentos de ordenamento do território».
Cristóvão Norte, deputado algarvio do PSD e líder da distrital dos social-democratas, também já veio a público criticar a autarquia louletana, liderada por um socialista.
«Não há terreno. Não há projeto. Não há financiamento. Porquê? Porque a própria Câmara Municipal de Loulé, que cedeu o terreno, diz que este agora não serve. O projeto, que foi feito pelo CHUA, hoje ULS, tem um polígono de implantação do edifício maior do que o terreno que foi cedido», disse, num vídeo publicado nas redes sociais.
Em relação ao financiamento, o parlamentar revelou que a obra custará «50 milhões» e não os 16 anunciados. «Só temos financiamento de 8 milhões. O que o anterior Governo deixou não foi nem financiamento, nem projeto, nem terreno. Não há nada».
Tanto Vítor Aleixo como Tiago Botelho foram, de resto, chamados ao Parlamento, a pedido do PSD, para prestar esclarecimentos sobre todo este processo.
Centro Oncológico, por enquanto, não há.