Mais de 1.600 profissionais de saúde assinaram uma carta aberta hoje enviada ao Presidente da República, ao Governo e ao procurador-geral da República contra a limitação de acesso ao Serviço Nacional de Saúde a cidadãos estrangeiros não residentes.
Os profissionais de saúde, entre os quais médicos de várias especialidades, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, técnicos auxiliares de saúde e técnicos de diagnóstico e terapêutica, consideram que o projeto de lei aprovado em dezembro no parlamento viola o direito universal à saúde e põe em risco a saúde pública, especialmente de populações vulneráveis, como crianças, grávidas e doentes crónicos.
Os signatários, entre os quais se encontram a presidente da Federação Nacional dos Médicos, Joana Bordalo e Sá, reforçam que o projeto de lei contraria princípios constitucionais e éticos que regem a prestação de cuidados de saúde em Portugal, «comprometendo a missão do SNS [Serviço Nacional de Saúde] como um pilar da saúde pública e da igualdade de direitos» e dizem que continuarão a garantir cuidados «a todas as pessoas, sem discriminação».
«Esta medida viola a Constituição, a legislação europeia e o código deontológico médico. Agravará desigualdades, prejudicará populações vulneráveis e irá comprometer a saúde pública», lê-se na carta aberta, a que a Lusa teve acesso.
O projeto de lei em causa refere que «o acesso de cidadãos em situação de permanência irregular ou de cidadãos não residentes em território nacional (…), implica a apresentação de comprovativo de cobertura de cuidados de saúde, bem como a apresentação de documentação considerada necessária pelo Serviço Nacional de Saúde para adequada identificação e contacto do cidadão, exceto no acesso a prestação de cuidados de saúde urgentes e vitais».
Na missiva, os signatários consideram que, na prática, esta disposição legal, ao privar um segmento importante da população residente em território nacional do direito à proteção da saúde, «viola a garantia de acesso de todos os cidadãos e cidadãs», consagrada na Constituição da República Portuguesa e na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.
«No quotidiano, estes e estas utentes encontram já várias barreiras no acesso e manutenção de cuidados de saúde. Receamos, como profissionais de saúde, que a nossa prestação de cuidados à população, nomeadamente a estes e estas utentes, possa vir a sofrer uma limitação adicional, agravando desigualdades e desfavorecendo uma população que se encontra frequentemente em situação de vulnerabilidade», referem.
Os profissionais de saúde alertam ainda para o facto de estas alterações à Lei de Bases da Saúde poderem vir a colocar em risco a saúde pública de toda a comunidade, sublinhando: «deixa de estar assegurado o acesso gratuito e regular à vacinação, bem como a adequada abordagem de doenças transmissíveis que representem ameaça para a saúde pública».
«Preocupa-nos ainda que a limitação no acesso a cuidados preventivos e atenção primária contribua para uma procura adicional pelos serviços de urgência (SU), que passarão a ser a única porta disponível de acesso ao SNS», acrescentam.
A carta foi enviada ao Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, ao presidente da Assembleia da República José Pedro Aguiar-Branco, ao primeiro-ministro Luís Montenegro, à ministra da Saúde Ana Paula Martins, e ao procurador-geral da República Amadeu Guerra.
Em Dezembro, mais de 800 profissionais de saúde assinaram uma carta aberta onde recusam cumprir a decisão, que consideram discriminatória, de impor novas limitações a estrangeiros não residentes no acesso ao SNS e admitem praticar atos de desobediência civil.
Na altura, o bastonário da Ordem dos Médicos Carlos Cortes manifestou-se solidário com os profissionais que recusarem limitar o acesso de estrangeiros não residentes ao SNS e disse compreender eventuais atos de desobediência.