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“Isto começou de uma brincadeira. Alguma vez eu iria ter ideia de fazer empreita?”, exclama Odete Martins, quando se refere ao que faz.

Num dos cantos do Mercado de Silves, encontra-se, numa banquinha de artesanato, a D. Odete, uma artesã de 74 anos. Nascida e criada na cidade onde trabalha, diz fazer empreita desde que se reformou, há cerca de oito anos.

“Estás a ver no que eu me meti para a minha reforma?”, interroga, bem disposta. A artesã conta que mostrou a Tito Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Silves, entidade que gere o Mercado Municipal, as suas peças e que, desde essa altura, está ali a vendê-las. “Quis falar com o Tito e um dia apanhei-o ali em baixo no parque e, assim que ele viu o que eu fazia, disse para eu ir logo à junta inscrever-me. E fui lá. Saí de lá do pé dele e vim logo à Junta”.

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A D. Odete trabalha apenas com a folha da palma e confessa que, por duas vezes, ainda foi a Loulé comprar o material, mas que não deu resultado: “Trazia ali uma mãcheínha de 30, 40, 50 euros. Escuta, aquilo não dava para nada”. Decidiu então que ela mesmo faria a apanha do material, “nuns sítios tão bons que eu tenho para apanhar”.

Desde a colheita da folha da palma, até ao produto finalizado que as pessoas veem e gostam, existe todo um processo por detrás. A artesã compartilha qual o processo que segue: as folhas da pequena palmeira-anã são colhidas verdes, ficam durante duas semanas à sombra para secar, depois são expostas ao sol para clarear. Isto tudo acontece antes de começar a trabalhar numa peça.

 

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Após a preparação da palma, aí, sim, começa o processo de entrançar. À medida que a trança vai sendo criada, é borrifada água para tornar as tiras mais maleáveis.

D. Odete trabalha de segunda a sábado, e, ao domingo, o dia é para si. Mas, muitas vezes, acaba por aproveitar para continuar projetos que havia começado. É uma forma de aliviar a cabeça e manter-se ocupada. “Assim mantenho-me ocupada e a pessoa alivia. Quando estou aqui no Mercado, uma diz uma coisa, outra diz outra. Olha, passa-se aqui um tempo maravilhoso. Se eu ‘tivesse lá em casa sozinha, a olhar para as moscas, como se diz”…

Para além de trabalhar no mercado, a artesã participa em várias feiras regionais, como a Feira da Laranja, o Festival da Cerveja e a Mostra das Papas de Milho, todas realizadas em Silves. Participou também na “Feira de Jardinagem Mediterrânica”, que este ano teve lugar em Lagoa, no espaço da Fatacil.

Mas também a vêm buscar para participar nas feiras de outras terras: “agora sexta-feira, vou para Alcantarilha, que o presidente da junta de lá não me larga. Já há dois anos que vou”.

Foi no seu antigo local de trabalho, no Museu Arqueológico de Silves, que esta “brincadeira” de fazer empreita começou. D. Odete conta que, “um dia, um grupo de uma escolinha foi lá e a rapariga que lá estava, a Joana, queria começar a ensinar aos mocinhos e não estava a conseguir”.

Em tom de brincadeira, garante que, sempre que vê a Joana, lhe diz: “Faço empreita, posso agradecer a ti. Comecei por causa de ti”.

Foi desde aí que pôs na cabeça aprender esta arte tradicional, porque, fazer, nunca havia feito, embora visse fazer: “via minha mãe, via a minha avó fazer, quando era gaiata”.

“O meu pai fazia muita coisa, e, em trabalhos manuais, saí a ele”, acrescenta.

 

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Nunca desistiu, por muito mais que as primeiras peças nunca ficassem bem feitas. Mas, explica, “a gente, quanto mais faz, mais vai aperfeiçoando”.

D. Odete refere que vai fazendo as peças aos poucos e que, por vezes, chega a ter vários trabalhos começados ao mesmo tempo, os quais se vão acumulando: “Fazer, nunca faço tudo de uma só vez. Vou fazendo aos poucos. Depois vai acumulando. Às vezes, eu tenho dois, três trabalhos começados ao mesmo tempo”.

A artesã gosta de fazer todas as peças, garantindo que não tem preferências. Imagina, inventa e vai fazendo. “Faço de uma maneira, faço de outra”. O que não gosta muito de fazer é coser o boleiro, peça que, depois de cosida e terminada, fica “muito bonita, olha lá!”, como dizem os clientes que passam pela barraquinha e com os quais a D. Odete concorda. Trata-se de uma peça que serve para tapar frutas, bolos e pão.

“Fotografias? Eu ando espalhada pelo mundo!”. Até porque os estrangeiros são quem mais mostra interesse pelo seu trabalho, ao vivo, no Mercado de Silves. “Os portugueses já não ligam muito a isto. Os estrangeiros gostam e apreciam”.

Mas D. Odete não se importa com isso e assegura que os portugueses ainda a procuram e vêm de propósito e que, lá de vez em quando, ainda fazem encomendas. “Ainda no outro dia entreguei uma encomenda de duas garrafas. Desde Março que tinha as garrafas para fazer para este Natal e de tanto que gostou de receber as peças, encomendou logo mais duas para o Natal também”.

Enquanto a artesã conversava e tentava ensinar à repórter como fazer o entrançar das tiras de palma, uma senhora estrangeira, que passeava pelo mercado durante um evento de prova de vinhos, questionou se havia a possibilidade de fazer workshops para aprender a fazer empreita.

Mas não é a única a procurar aprender esta arte milenar da empreita. D. Odete revela que, ainda há pouco tempo, foi também abordada por um rapaz, que lhe perguntou se não podia ensinar a sua mestria a duas raparigas estrangeiras.

Só que a artesã confessa que não tem paciência para realizar workshops: “eu tenho pouca paciência para ensinar”. Por isso, nem pensou mais no assunto, embora já tenha ido duas vezes às escolas para mostrar como as peças são feitas.

Para terminar, D. Odete deixa uma mensagem para os mais jovens: “Deviam aprender, porque isto é uma coisa tão antiga, e, com o tempo, isto perde-se. As peças feitas em palma são uma coisa que pode substituir o plástico”.

 

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O que é a empreita de palma?

A empreita de palma consiste no entrançar de “tiras ripadas” da folha da palmeira-anã, em longas “fitas”, sendo um dos elementos mais enraizados na cultura material algarvia.Era utilizada na realização de artefactos do quotidiano rural, no acondicionamento e transporte de bens e alimentos, em objetos para uso doméstico, nos trabalhos agrícolas, na pesca e em alguns objetos de uso pessoal.

Foi uma atividade económica relevante no Algarve, desde o século XVI e até meados do século XX, como está demonstrado em diferentes registos históricos e pautas alfandegárias, que testemunham a importância desta atividade enquanto produto de exportação.

Mas também como produção em série orientada para o turismo e para o embalamento e transporte de mercadoria alimentar para exportação, como os figos secos.

«Nos diversos discursos sobre a região — memórias, descrições, corografias, monografias — do séc. XVI em diante são recorrentes referências àquela que no Algarve quinhentista era já uma indústria próspera». (OLIVEIRA, 2013).

A matéria-prima (as folhas da palmeira-anã) é abundante e espontânea na região e por isso a produção de empreita de palma prospera. Inicialmente como complemento ao trabalho agrícola, juntamente com a produção da empreita de esparto, usada para os artefactos mais grosseiros, destinados a usos mais exigentes como o trabalho nas salinas ou o transporte de cargas pesadas no trabalho agrícola.

 

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A empreita de palma era produzida maioritariamente por mulheres, a par das lides domésticas, com maior incidência no inverno. O termo “empreita” ficou ligado a esta arte por ter sido, em tempos, paga em função da quantidade produzida por dia – pago à “empreitada” (BRANCO; SIMÃO, 1997).

A prática numa escala doméstica foi gradualmente profissionalizando-se e, no início do século XX, apareceram espaços de produção e comercialização exclusivamente dedicados à empreita de palma.

Um dos exemplos mais conhecidos é a Casa da Empreita, em Estômbar, fundada em 1916 por Margarida Vasconcelos (SANCHO 2011).

A iniciativa torna-se relevante em produção e inovação, apresentando continuamente modelos novos e chega a receber um prémio internacional em 1926.

Outro é Loulé, onde a empreita era necessária para embalar os frutos secos para exportação e onde apareceram, na segunda metade do século, os primeiros armazenistas de revenda de artigos artesanais.

O modo de produção dominante pouco foi alterado ao longo dos anos. No início do processo, as folhas de palma são secas ao ar e depois ripadas pelas nervuras, resultando em “tiras” que variam de largura, em função do tipo de trabalho que se pretende.

A “empreita” consiste na produção de longas “fitas” feitas a partir das tiras de folha entrançadas, de diversas larguras.

Cada fita é arrumada em rolo à medida que é produzida, atingindo vários metros de comprimento.

Tradicionalmente, as fitas são cosidas com “baracinha” ou “tamissa”, ou com tiras de palma, para dar a forma do objeto pretendido, criando um tecido contínuo com uma trama diagonal (BRANCO; SIMÃO, 1997).

As alcofas, as esteiras e as vassouras são os objetos mais referidos em antigos registos. Há ainda referência a condessas, alcoviteiras (alcofas pequeninas), balsas para transporte do almoço, gorpelhas para transporte de produtos sobre burros, seiras, chapéus ou palhetes, vassouros para caiar, capachos ou capacheiras redondas para moagem, abanicos e capachos para abanar o fogo.

A variedade de artefactos é grande, havendo alguns objetos mais ligados à vida rural e outros à faina pesqueira, que caíram em desuso, deixando de ser produzidos.

O entrançado da empreita continua, como tradicionalmente, a ser realizado maioritariamente por mulheres.

A produção atual, impulsionada por um crescente interesse pelas produções artesanais, começa a atrair de novo os consumidores e estimula os artesãos a experimentar novos modelos e aplicações.

Aparecem novos produtos para uso doméstico, decoração e uso pessoal. Este ressurgimento deve-se, em parte, à notável utilidade prática dos artefactos, que está a ser redescoberta no contexto de uma maior consciência ambiental, onde se privilegiam escolhas de consumo mais ecológicas.

Nesse sentido, têm sido feitos vários esforços por entidades públicas para preservar a prática desta arte através de abertura de espaços próprios, exposições e atividades de dinamização das artes e ofícios.

Fonte: Saber Fazer Portugal

 

 

 

Texto e fotos de Catarina André, produzidos no âmbito do curso de Fotografia Profissional 23|25 da ETIC_Algarve, Escola de Tecnologias, Inovação e Criação do Algarve.

 

 

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