Montar «um ecossistema integrado e circular» assente nas vertentes água, energia e alimentação, com um grande enfoque na mitigação da escassez hídrica, no combate ao desperdício e na sustentabilidade ambiental, são os grandes objetivos do projeto CisWEFE-NEX, que arrancou ontem, dia 20 de Novembro, no local de Corta Ventos, na freguesia de Mexilhoeira Grande, em Portimão.
Este projeto coordenado pela consultora espanhola Bioazul – cujas representantes estiveram ontem no Algarve – e que, além de várias entidades nacionais e de outros países europeus, tem como parceira a algarvia associação In Loco, escolheu um terreno de cerca de seis hectares, situado naquela pequena localidade portimonense, para implementar uma unidade demonstradora com cinco subsistemas, cada qual com o seu objetivo específico, mas que irão trabalhar em prol uns dos outros.
Para isso, estão disponíveis 11 milhões de euros, garantidos pelo programa Horizonte Europa, da Comissão Europeia, que irão financiar a instalação destes subsistemas, ao longo de cinco anos – três para a instalação e dois para demonstração. Já o local escolhido teve a ver com diversos fatores, sendo o principal o facto de ser uma zona em stress hídrico.
«Por um lado, vamos ter um biodigestor, que basicamente vai poder, a partir daquilo que são resíduos alimentares criados na região, produzir energia e calor. Depois, para o tema da água, vamos ter uma pequena central de dessalinização. Isto vai permitir aproveitar a água que existe, dessalinizá-la e ter, por um lado, produção de sal e, por outro lado, água limpa que depois pode ser usada pela região», explicou aos jornalistas André Gonçalves, da associação Dariacordar – Associação para a Recuperação do Desperdício, outro dos parceiros nacionais do projeto.
Alexandre Gonçalves, representante do o MORE CoLAB, de Bragança, outro dos parceiros deste projeto, precisou que a ideia é instalar uma pequena dessalinizadora, com uma capacidade «para produzir 45 metros cúbicos por hora» e que tem uma melhor eficiência energética do que unidades semelhantes de grandes dimensões.
Este tipo de soluções permite descentralizar a dessalinização, «em vez de avançarmos para unidades gigantes ou enormes, como se tem falado aqui para a região», defendeu.
Neste caso, a água a dessalinizar poderá ser água salobra, proveniente de furos no terreno, ou salgada, vinda da ria de Alvor, com a salmoura que resultará do processo a ser «reaproveitada em salinas solares».
Igualmente relacionado com a produção de água estará um subsistema ligado ao bagaço de azeitona, um sobrante da produção de azeite, «cuja composição é 70% água».
«Nós queremos aproveitar essa água. O sistema tem que ser economicamente sustentável, portanto, nós vamos retirar dessa água compostos fenólicos [biofenóis] para a indústria da cosmética. É esse o dinheiro que vai sustentar a operação e permitir que a água tratada possa ser utilizada na irrigação», explicou o representante do Laboratório Colaborativo.
Também haverá uma componente agrivoltaica, que alia a produção de energia renovável – «que é algo que também já existe em Portugal extensamente» – e a produção de produtos hortícolas, entre outros.
Este sistema, explica André Gonçalves, assenta em painéis solares fotovoltaicos de características especiais, uma vez que «têm uma densidade de células baixa, que deixa passar 80% da luz solar que neles incide. Desta forma, conseguimos fazer produção agrícola por baixo destes painéis, essa é a grande vantagem. Temos ali uma unidade de produção de energia, mas conseguimos fazer produção agrícola por baixo».
Outra componente deste projeto é a criação de uma unidade de aquacultura onde serão produzidas «algas e camarão».
A ideia é que os diferentes subsistemas que serão instalados no terreno de seis hectares, em Corta Ventos, possam «funcionar de forma circular, alimentar-se uns aos outros», ou seja, implementar na região «um projeto que vive por si e que tem as várias componentes do sistema – água, energia e alimentação -, a funcionar de forma interligada e autónoma».
«Nós temos o sistema de produção de alimentos, temos um sistema para tratamento de água, que vai ser disponibilizada para produzir os alimentos, e temos sistemas de produção de energia, o biogás e os agrivoltaicos, para fornecer a energia necessária para fazer o tratamento de água», resumiu Alexandre Gonçalves.
Segundo Pilar Zapata, da Bioazul, a entidade que coordena o CisWEFE-NEX, «ao promover a colaboração entre setores, o projeto visa estabelecer um marco de resiliência ambiental e empoderamento comunitário, através de soluções inovadoras e baseadas na natureza».
Ainda assim, «há sempre um risco associado a este tipo de projetos», que têm uma forte componente experimental e de inovação, pois não há resultados garantidos, admitem os parceiros portugueses do projeto.
Isso não coloca em causa os objetivos do CisWEFE-NEX, que não são replicar tudo o que se está a procurar fazer na unidade demonstrativa de Portimão, «mas replicar cada um dos subsistemas».
«Nós temos parceiros, por exemplo, da Macedónia, que podem não replicar isto tudo, mas apenas alguns subsistemas, de acordo com as necessidades. O objetivo é, no final do projeto, mostrarmos se isto é ou não sustentável do ponto de vista económico e ambiental e até social. Depois, é perceber se existe investimento privado ou entidades públicas que queiram replicar os subsistemas, quer na região do Algarve, quer noutras regiões» de Portugal e da Europa, resumiu André Gonçalves.
Também haverá um retorno direto para a região, nos próximos cinco anos e, eventualmente, além desse horizonte temporal, uma vez que, tanto a energia como a água a mais que forem produzidas na unidade, vão ser fornecidas a diferentes atores da região.
Já os alimentos que serão produzidos, serão distribuídos «por entidades do setor social e outras».
«Mesmo nesta escala pequena que aqui teremos, estamos a falar de toneladas de alimentos, estamos a falar de milhares de metros cúbicos de água tratada, estamos a falar de muita produção de energia elétrica», reforçou.
Marta Coto, da Inova Business, empresa responsável pela comunicação e disseminação do projeto, salientou que esta iniciativa tem também a grande ambição «da consciencialização e a procura pela sustentabilidade e todas as questões associadas à falta de água».
O projeto, diz, «faz parte da iniciativa de Cidades Circulares e Regiões Circulares, que é um projeto que visa envolver a comunidade, promover a participação também na comunidade. Estamos a falar aqui de todo o tipo de cidadãos, incluindo de trabalhar com as escolas, com as crianças».
Assim que houver «algo para demonstrar», crianças algarvias vão «visitar o demonstrador e perceber como é que funciona um projeto de circularidade».
Os parceiros do projeto a nível nacional, além dos já mencionados, são o INOVA+, Coopérnico, IDAD e REQUIMTE. A nível local, o projeto conta com a parceria das Câmaras de Portimão, de Tavira e de Olhão e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.
Presente na cerimónia de lançamento dos trabalhos na unidade demonstrativa, esteve Álvaro Bila, presidente da Câmara de Portimão.
«Tudo o que seja para melhorar a eficiência hídrica e a sustentabilidade deste território é muito bem-vindo e deve ser apoiado, sendo que a associação ou promoção de projetos inovadores nestas áreas são apostas prioritárias para Portimão e, certamente, para os municípios do Algarve», considerou o edil.
O CisWEFE-NEX é financiado pelo Cluster 6 do Horizonte Europa e está inserido na iniciativa Circular Cities and Regions.
Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação