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O caminho foi curto até ali chegar e Nazaré pôde fazê-lo a pé, sozinha, sem precisar de um dia inteiro de viagem ou que o filho tivesse de faltar ao trabalho para a poder levar. Às 10h20, já estava sentada no primeiro piso do Centro de Saúde de Aljezur, onde, desde o dia 18 de Setembro, lhe é permitido fazer os tratamentos oncológicos que a levavam a viajar até Portimão duas a três vezes por mês.

Esta nova realidade, que veio ao encontro das necessidades de mais de 600 utentes do Barlavento Algarvio, só é possível devido ao novo projeto “oncoSEGUE”, promovido pela Unidade Local de Saúde (ULS) do Algarve, que leva as equipas de oncologia do Hospital de Portimão aos Centros de Saúde de Aljezur, Lagos, Monchique, Silves e Vila do Bispo.

O relógio marcava as 10h30 quando o oncologista Pedro Santos e a enfermeira Rita Pereira chegaram com a mochila, onde cabem todos os medicamentos e materiais necessários para um dia de trabalho fora do hospital.

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«O principal objetivo do “oncoSEGUE” são as consultas de proximidade de oncologia na área de residência dos utentes. Isto acaba por ter repercussões na qualidade de vida do doente, mas também a nível económico, porque evita ambulâncias, transportes… e muitos outros fatores», explica o médico Pedro Santos.

Na opinião do oncologista, «este projeto só tem mais valias».

«Basta olhar para estas instalações para ver como elas estão subaproveitadas. O grande problema do Serviço Nacional de Saúde não é bem a falta de instalações, mas a falta de gestão», afirma o médico em conversa com o Sul Informação, já instalado na sua sala do Centro de Saúde de Aljezur, onde o movimento só se intensificou à medida que foram chegando os doentes para a consulta do “oncoSEGUE”.

 

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Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Na sala ao lado, a enfermeira Rita Pereira já prepara a medicação para dar a Nazaré, que espera ansiosa para se poder despachar e «ir à sua vida».

A mulher de 70 anos foi uma das primeiras pessoas a poder usufruir deste novo projeto, mas a relação com a enfermeira Rita já é antiga.

Depois de um cancro, que lhe foi diagnosticado e tratado há alguns anos,  Nazaré continua a ser seguida pela equipa de oncologia para «fazer medicação de suporte» e também pela equipa de cuidados paliativos «para manter a sua qualidade de vida», explica Rita Pereira ao nosso jornal.

«Eu sinto-me bem e agora é uma maravilha, porque posso vir aqui e não tenho de ir a Portimão nem o meu filho tem de faltar ao trabalho para me levar», desabafa Nazaré, enquanto espera que a enfermeira lhe insira o cateter que a ligará à medicação que tem de tomar durante cerca de 20 minutos.

Enquanto isso, a enfermeira Rita e o médico Pedro vão até à entrada do Centro de Saúde, onde, dentro de uma ambulância, os espera um doente acamado que, devido ao “oncoSEGUE”, também deixou de ter de se deslocar a Portimão.

«Como está acamado, os bombeiros vão buscá-lo a casa e vêm com ele até aqui, uma viagem muito mais curta, que custa menos tempo, menos dinheiro e traz mais conforto ao doente», salienta Pedro Santos.

Sem precisar sequer de sair da maca, o doente recebe a medicação e vai já com a próxima consulta marcada.

 

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Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

«Os doentes que aqui vêm são doentes que não estão na fase aguda da doença, estão naquele período a que nós chamamos “em seguimento”, e, por isso, não há necessidade de se deslocarem até Portimão. Além disso, aqui nós conseguimos ver estes doentes de imediato e lá, às vezes, estão horas à espera», afirma o médico.

Mais um doente visto, a equipa dirige-se novamente ao piso 1, onde, na sala de espera, já se encontram mais utentes que aguardam por consulta.

«Voltei, minha linda», diz a enfermeira Rita para Nazaré, que, com as últimas gotas de medicação a cair, está quase pronta para se ir embora.

A ligação de proximidade paciente/profissional de saúde é notória, tornando-se o espelho daquilo que é trabalhar por vocação.

Quase com 40 anos, Rita Pereira nunca teve dúvidas de que a enfermagem era a sua paixão. Mais tarde, veio o sentimento de aptidão para a área da oncologia.

«Inicialmente, trabalhava no internamento de ginecologia e lá tínhamos contacto com as situações oncológicas dessa área. Aos poucos, fui criando cada vez mais vontade de descobrir e estudar esta área e acabei depois por tirar a especialidade médico-cirúrgica na área da doença crónica, porque a oncologia é considerada já uma patologia crónica. Mais tarde, consegui ser transferida para o Hospital de Dia de Oncologia e esta é completamente a área com que me identifico e onde gosto de estar», confessa ao Sul Informação.

 

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Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Apesar de admitir que, «é  um trabalho que absorve muito, tanto a nível emocional como profissional», não é isso que a faz baixar os braços e deixar de cuidar e levar esperança a quem muitas vezes, com um diagnóstico de cancro, não a tem.

Com o “oncoSEGUE” no terreno há menos de um mês, Rita diz que «ainda não é possível fazer um balanço muito fidedigno», mas é inquestionável que «os utentes estão muito satisfeitos».  «É isso que eles nos transmitem», diz.

Outra das mais valias apontadas pela equipa é o facto de a iniciativa permitir que seja feita a discussão de casos clínicos com os médicos de Medicina Geral e Familiar, bem como a articulação com os Cuidados Paliativos Hospitalares e Comunitários, que, desde há cerca de um ano, já realizam consultas descentralizadas em Aljezur.

«Para nós, é muito bom que a oncologia também tenha começado a vir aqui. Normalmente, tentamos vir no mesmo dia, porque assim os doentes fazem o seu tratamento e fazem a nossa consulta de paliativos», frisa Sofia Coito.

Desmistificando a ideia de que os cuidados paliativos são destinados apenas a pessoas acamadas e num estado da doença já muito avançado, a enfermeira especialista nesta área salienta que «os cuidados paliativos são para doenças crónicas, progressivas e incuráveis, mas que podem estar controladas».

«Temos imensos doentes na consulta que estão controlados, que fazem a sua vida completamente normal, alguns até trabalham, e que vêm à consulta apenas para controlo de sintomas. Há doentes que são seguidos há cinco ou sete anos e o nosso objetivo é que eles se sintam o melhor possível dentro do diagnóstico que têm».

É esse o seu trabalho diário, tal como o da médica Lurdes Cabezuelo.

Ambas fazem parte da equipa de cuidados paliativos do Hospital de Portimão, cujos serviços já chegam a Aljezur há um ano, mas que, agora, no âmbito do projeto “oncoSEGUE”, vão também até Lagos, Monchique, Silves e Vila do Bispo.

 

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Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Nestas consultas – onde aparecem muitos doentes oncológicos, mas também pessoas com doenças crónicas (como a diabetes ou a demência) – a palavra de ordem é “vida” e nunca “morte”. Quem o diz é a médica Lurdes.

«Todos queremos viver sem dores, felizes e confortáveis. Se alguém tem gripe e fica “murchinho” vai ao médico. Nas doenças crónicas, quando as pessoas estão” murchinhas”, vão aos paliativos. Se recuperam, ótimo. Se ficam com os sintomas controlados, ótimo também, venham cumprimentar-me».

Nesta caminhada, a médica considera-se «uma companheira de viagem» dos seus doentes.

«O doente paliativo e a família, quando vêm até mim, perguntam: “mas vou morrer já? E eu digo que ele está na mesma situação que eu, mas a ele deram-lhe um nome. Eu posso garantir a esse doente, com esse nome, que ele vai morrer primeiro do que eu? Não posso», confessa a especialista.

Para já, no caso de Aljezur, as consultas de paliativos realizam-se apenas uma vez por mês, o que, de acordo com a enfermeira Sofia Coito, «é suficiente».

«No entanto, os doentes sabem que nós estamos sempre disponíveis, com apoio telefónico a todas as horas e há forma também de anteciparmos as consultas. Se houver um descontrolo de sintomas ou algo de que necessitem, pedimos transporte e fazemos lá a consulta também na unidade de Portimão», esclarece a profissional.

Na opinião de todos estes profissionais de saúde, levar estes cuidados para fora dos grandes hospitais só tem mais-valias – e é necessário.

Agora, a esperança é também que o projeto “oncoSEGUE” sirva de exemplo para que possa ser replicado noutros sítios, nomeadamente no Sotavento Algarvio.

Para já, a equipa do “oncoSEGUE” é composta pela médica oncologista Ana Varges Gomes e pela enfermeira Rita Pereira (Centros de Saúde de Aljezur e Vila do Bispo, em semanas intercaladas); pela médica oncologista Elsa Campoa e enfermeira Helena Valadas (Hospital Terras do Infante em Lagos, semanalmente); e pelo médico oncologista Pedro Santos e enfermeira Raquel Calixto (Centros de Saúde Silves e Monchique, em semanas intercaladas), além de toda a equipa de auxiliares de ação médica e administrativos do Hospital de Portimão.

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

 

 

 

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