Emanuel Sancho, diretor do Museu do Traje, em São Brás de Alportel, foi suspenso pela Santa Casa da Misericórdia, proprietária do espaço, e impedido de entrar nas instalações. Em causa, está uma transação de 50 mil euros que motivou duras críticas do museólogo.
A má relação entre a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia e Emanuel Sancho, que chegou a comprometer o trabalho do Museu do Traje, conheceu esta segunda-feira, 23 de Setembro, mais um capítulo.
E este pode ter contornos de irreversibilidade: o histórico diretor do Museu do Traje foi suspenso e está impedido de entrar nas suas instalações, como o próprio contou ao Sul Informação.
«É uma suspensão com objetivo de despedimento. Estou proibido de entrar nas instalações do museu. Tudo isto tem a ver com um conflito latente com a Misericórdia que dura desde 2016», confessou.
Segundo Emanuel Sancho, que até já ganhou o prémio de museólogo do ano, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), a gota de água foi uma decisão, da Misericórdia de São Brás de Alportel, de retirar 50 mil euros de um subsídio dado pela Câmara Municipal para financiar as atividades culturais. O dinheiro terá sido destinado a custear outras despesas da Santa Casa, de acordo com o museólogo.
«Foi retirado esse montante, o que eu contestei, emitindo uma nota informativa que foi enviada a toda a irmandade. O argumento foi que o Museu causa um imenso prejuízo e rombo nas contas da Misericórdia», disse ao nosso jornal.
A Mesa Administrativa já reagiu, através de um comunicado de imprensa, e também não poupa nas críticas a Emanuel Sancho.
Dizendo que foi «forçada a tomar uma decisão inédita e muito dolorosa», a Misericórdia de São Brás de Alportel garante que a «injuriosa mensagem» do diretor «tenta descrever uma realidade que não existe», fazendo «acusações injustas e desonestas, não só por puro desconhecimento técnico do processo em si e do objetivo da transação bancária efetuada, como pelo que transparece ser o desconhecimento total das permissões legais de gestão da Mesa Administrativa, no âmbito das suas competências de gestão diária».
«No mesmo extrato bancário ao qual o senhor diretor teve acesso, a par da referência ao levantamento do montante referido, está a indicação do destino do mesmo: a sua colocação em depósito a prazo, justamente para melhor rentabilidade das verbas destinadas ao Museu do Trajo, sempre no quadro da gestão rigorosa dos recursos financeiros da Misericórdia, que tem sido fundamental para permitir o funcionamento e engrandecimento da instituição», acrescenta.

A Misericórdia lamenta que «esta parte da informação» não seja «referida», e, «através desta incorreta leitura de um documento da maior importância, que deve exigir o máximo profissionalismo, zelo e prudência, nem é referido que a Santa Casa sempre cumpriu com todos os pagamentos e investimentos necessários ao funcionamento e melhoramento constante do Museu».
Para Emanuel Sancho, esta não é, ainda assim, «uma decisão legal e aceitável». De resto, o museólogo promete lutar, na justiça, para continuar como diretor do Museu do Traje. Da parte da Misericórdia, também já foi instaurado um processo disciplinar, tendo ainda feito uma queixa-crime, por alegada difamação.
O certo é que a situação já está a levantar muitas críticas no mundo da museologia. Fonte da Rede de Museus do Algarve, contactada pelo Sul Informação, disse que os membros estão «muito apreensivos» com esta decisão, tendo, aliás, tomado conhecimento da situação durante uma reunião esta segunda-feira, dia 23, em Loulé.
«Este é um museu com uma forte componente social e uma grande ligação à comunidade», vincou.
A mesma fonte também criticou a visão «antagónica» do provedor face ao que deve ser o papel de um museu.
O professor universitário, arqueólogo e historiador José d’Encarnação, natural de São Brás de Alportel, também já deixou críticas a esta decisão, lamentando o «sucedido e na forma como ocorreu».
Numa mensagem publicada nas redes sociais, o historiador desejou ainda a Emanuel Sancho – «paladino da Museologia Social (em que, sob sua orientação, o Museu do Traje foi precursor)» -, as «maiores venturas nas atividades a que, bem no creio, continuará a dedicar-se, seguramente já não em S. Brás de Alportel».
Da parte da Mesa Administrativa, vem a garantia de que o «empenho na gestão» do Museu de Traje «está intacto» e que a dinâmica do «Museu do Traje, a Museologia Social, o Museu de comunidade, a atividade dos Amigos do Museu, e de todos os envolvidos, estão assegurados e com condições para manter todas as atividades».
«Acima de tudo, temos como orgulho e objetivo final assegurar a reputação da nossa comunidade e os trabalhos e desenvolvimento de tudo aquilo em que nos orgulhamos na nossa comunidade em São Brás de Alportel e pelo qual todos os dias trabalhamos, para que possamos atrair turismo e viver com maior qualidade», conclui.
Mas o assunto, como se percebe pelas palavras do reputado diretor Emanuel Sancho, não ficará por aqui.