A proposta de Plano de Pormenor do Vale da Telha foi aprovada por unanimidade, a 11 de Julho, pela Câmara Municipal de Aljezur. Esta aprovação marca o início do fim de um longo e complexo processo que já se arrasta há quase duas décadas.
Além dos três elementos do executivo de maioria PS (o presidente José Gonçalves, a vice-presidente Fátima Neto e o vereador António Carvalho), o voto favorável foi também garantido pelos dois vereadores da oposição (do movimento Renascer), Manuel Marreiros e Ricardo Lopes.
Manuel Marreiros, aliás, é antigo presidente da Câmara, tendo sido ele o edil que deu o pontapé de saída para o longo (e ainda não acabado) processo de legalização do Vale da Telha, que, quando foi criada nos anos 70 do século passado, era a maior urbanização turística da Europa.
Na reunião de câmara extraordinária, convocada precisamente para a apresentação e votação da proposta de plano, o presidente José Gonçalves sublinhou que este é, «seguramente, um dos processos mais complexos que Aljezur tem, que a região e que o país têm».
No entanto, salientou, «chegámos a um patamar crucial e não há nenhum outro caminho», até porque Aljezur e os proprietários dos lotes no Vale da Telha precisam de «ter um plano de ordenamento do território que dê a formalidade e mesmo a legalidade, para que depois possamos continuar a trabalhar».
Jorge Cancela, arquiteto paisagista e líder da equipa técnica responsável pela elaboração da proposta do Plano, presente na reunião de forma remota online, começou por salientar que se tem tratado de um «processo longo, nas nossas mãos desde há cerca de 15 anos».
Segundo este responsável, a proposta de plano resulta de «quatro elementos essenciais». Para já, Vale da Telha tem agora um indicador numérico, o primeiro «desde sempre». Foi estabelecido por despacho do anterior Secretário de Estado do Território e é de 0,145.
Jorge Cancela explicou que ter finalmente definido este índice é «importantíssimo para balizar a intervenção», no fundo, para saber quanto poderá ainda ser construído.
Depois, a proposta de Plano permitiu «perceber a titularidade das parcelas» e «analisar o que está construído ou não».
Tudo isso possibilita que o Plano se adeque finalmente a «várias legislações», aos «instrumentos de gestão territorial» e aos «pareceres de um conjunto alargadíssimo de entidades».
Permitiu ainda verificar que, «olhando para as condicionantes, havia um desenho que não tinha em conta a dimensão biofísica do território», como os fortes declives de algumas encostas do vale ou o leito de cheia da barragem que foi construída para servir a urbanização.
Esta proposta de Plano de Ordenamento, garantiu Jorge Cancela, «faz a otimização entre todos estes vetores».

Também presente na reunião em modo online, uma outra técnica da equipa apresentou alguns números que espelham bem o gigantismo da tarefa, bem como as dificuldades que ela coloca.
No total, o loteamento do Vale da Telha tem 547 hectares. Como lembrou Nuno Marques, diretor do departamento de Urbanismo da Câmara de Aljezur e ex vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, trata-se de uma área «do tamanho da cidade de Faro». «É um processo especial, não há paralelo no país», enfatizou.
Ora, desses 547 hectares, 170 estão ainda livres de ocupação, mas nem metade dessa área é, segundo o novo Plano, urbanizável.
Dos 6000 lotes que previa o loteamento inicial, promovido pela Somundi do empresário Sousa Cintra nos anos 70, ficarão agora 3348 lotes, dos quais 1150 já construídos.
Isso representa, ainda assim, uma ocupação de 10 mil pessoas, «mais do que a população atual do concelho de Aljezur», como lembrou o vereador da oposição Manuel Marreiros.
A proposta de Plano de Pormenor prevê algumas importantes alterações: depois de analisada toda a titularidade dos lotes, prevê-se a reposição de todos, «com exceção dos lotes em que o relevo não o permite», na encosta a jusante da barragem, bem como na própria «zona do leito de cheias da barragem».
Para resolver essa questão, o Plano preconiza que o terreno do parque de campismo seja definido como «zona de compensação dos lotes que não é possível manter».
Algumas situações detetadas foram corrigidas, como a «proteção do marco geodésico de Vale da Telha, que passará a ficar em espaço público e não privado», a correção de «alguns limites de lotes que não estavam a cumprir a localização de postes de média tensão» ou a «definição das linhas de água e sua categoria», neste caso um trabalho feito em conjunto com a Agência Portuguesa do Ambiente.
Como salientou a técnica da equipa autora do Plano, «a pedido» da autarquia passaram a estar previstas «algumas zonas verdes e mais lotes para equipamentos e habitação a custos controlados no antigo lote do aeródromo». Prevê-se a construção de 65 fogos para habitação a custos controlados, a promover pela Câmara de Aljezur.
Também no que diz respeito aos lotes para turismo há alterações, por exemplo permitindo a expansão do atual Hotel do Vale da Telha (mais 72 camas).
Medida igualmente preconizada é a «demolição de algumas construções existentes». Isso deverá acontecer na zona do leito de cheia da barragem.
Em termos de novos equipamentos, o Plano de Pormenor prevê, «a pedido do ICNF», a criação de um Centro de Interpretação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (onde o Vale da Telha se integra, como um abcesso), junto à estrada para o Monte Clérigo, de um Centro Desportivo de Recreio e Lazer e de dois equipamentos escolares, para creche e 1º ciclo, nestes últimos casos equipamentos da responsabilidade da Câmara de Aljezur.
Haverá ainda novas bolsas de estacionamento públicas, sobretudo junto dos prédios e das zonas de comércio e serviços, bem como um cemitério. Além disso, «todo o espaço que não é ocupado é para espaços verdes de enquadramento e de lazer», por exemplo, junto aos vales ou abaixo da barragem.
A barragem, que no início da urbanização servia para abastecer as casas, prédios, lojas, restaurantes e estruturas turísticas entretanto construídas, foi também alvo de análise. Foi feito um «estudo hidráulico para saber o seu estado e risco de rotura».
Quanto à zona «eventualmente inundada» caso haja uma rotura, essa é «condicionante do plano», pelo que foram suprimidos todos os lotes que aí se localizavam, ao mesmo tempo que é proposta a demolição de construções «de cariz ilegal que lá estão», embora mantendo seis construções, «que estão consolidadas».

João Pereira Reis, o advogado que acompanha as questões jurídicas do Plano de Pormenor do Vale da Telha (e são tantas…), esclareceu que «todo este trabalho foi feito ao abrigo do contrato de planeamento entre a Câmara Municipal de Aljezur e o maior proprietário da zona», o empresário Inácio Estácio dos Santos, assinado em Dezembro de 2011.
«Houve uma preocupação muito grande de não gerar conflitos sociais, respeitar os direitos adquiridos, mas também os interesses protegidos, mesmo de pessoas que não tinham licenças», acrescentou o jurista.
A única exceção foram os «casos que a própria lei proíbe», mas, mesmo aí, «houve um cuidado muito grande da Câmara em encontrar formas de compensação».
Nuno Marques acrescentou que o trabalho se reporta «a um caderno de encargos que provém do Plano de Ordenamento do Parque Natural» e que «já todos os organismos desconcentrados do Estado emitiram pareceres em 2020».
Por isso, a proposta de Plano de Pormenor para o Vale da Telha «que está hoje em cima da mesa é uma proposta que procura cumprir escrupulosamente os reparos feitos pelas entidades que se pronunciaram».
O especialista em urbanismo sublinhou as dificuldades de agradar a gregos e troianos numa área tão extensa, tão cheia de problemas e que desde há quase meio século é fonte de litígios.
«A situação atual é desesperante para os proprietários», tendo em conta a «realidade jurídica complicadíssima», com «sentenças em tribunal e queixas no Ministério Público».
«Estamos numa área de Parque Natural e temos de procurar consensos». E consenso significa que «não é só uma das partes que fica a ganhar, todas perdem um pouco, mas, no global, todos ficam a ganhar alguma coisa», defendeu Nuno Marques.
Manuel Marreiros, vereador da oposição e antigo presidente da Câmara, primeiro eleito pela CDU, depois pelo PS, recordou que as pessoas que «têm lá lotes não sabem com o que contar». Por isso, este Plano de Pormenor, é importante «para que as pessoas se sintam seguras do que lá têm e do que vai acontecer agora».
«O mais importante será ter a paz jurídica neste processo», frisou Marreiros.

Aprovada por unanimidade a proposta de Plano de Pormenor do Vale da Telha, o que se segue agora?
O documento será remetido para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e para as demais entidades públicas para uma «nova conferência procedimental», ou seja, de modo a que verifiquem se está tudo conforme os seus pareceres.
O advogado João Pereira Reis avisou que o Plano terá «efeitos registais», ou seja, é «importante para que, quem tem casas e terrenos no Vale da Telha, possa finalmente registá-los com toda a legalidade».
Os particulares, «a partir do momento em que o Plano de Pormenor seja publicado em Diário da República, podem regularizar a situação».
Isso levou Manuel Marreiros a comentar que, uma vez aprovado o Plano, vai haver «fila à porta da Câmara com pessoas com projetos para dar entrada».
Daí que o presidente José Gonçalves tenha admitido que «possivelmente a Câmara vai ter de criar um gabinete só afeto ao Vale da Telha».
O diretor do Departamento de Urbanismo fez questão de salientar que o Município, por si só, não terá capacidade para levar avante o que o Plano prevê, em termos de compensações, infraestruturas e obras necessárias. «À data de hoje, prevê-se um investimento de 35 milhões de euros, que podem chegar aos 50 milhões, se não mais».
«Há a necessidade de fazer um equilíbrio e ter a noção de que não partimos do zero, há a situação pré-existente. E também é preciso não fragilizar a situação económica do Município», defendeu.
Em relação aos equipamentos públicos que o novo Plano prevê, e que foram considerados insuficientes pelo vereador Manuel Marreiros, em especial no setor social, Nuno Marques recordou que «quanto mais equipamentos, menos comparticipação financeira haverá do promotor», porque fica com menos área edificável. Ora, na sua opinião, é imprescindível «ver se o Município fica o menos onerado possível».
Por isso mesmo, o presidente da Câmara de Aljezur defendeu, na reunião extraordinária, a necessidade de «despertar a atenção do Estado e do Governo para o facto de a Câmara não poder estar sozinha na resolução deste problema. É preciso que o Estado assuma as suas responsabilidades, até no apoio financeiro».
«O próprio Estado já investiu lá, pôs fundos comunitários no abastecimento de água e na ETAR para servir o Vale da Telha, que custou 5 milhões de euros», recordou José Gonçalves.
«Há um aspeto sobre o qual estamos todos de acordo: a resposta só é possível através da aprovação de um Plano de Pormenor, atendendo ao que já lá existe», resumiu Nuno Marques, quase no fim de uma sessão que se prolongou por mais de três horas e meia.
«É o melhor plano do mundo? Não tenhamos ilusões de que não é! Mas é o melhor possível!», concluiu o presidente da Câmara de Aljezur.