Passou o mês de junho e já estamos a meio do ano. O sol parece arrastar a sua despedida ao fim de mais um dia de verão, e nós, deliciados, aproveitamos o seu calor, a sua luz. Torna-se mais “fácil” ficar desperto e sair de casa, e confessemos, mais difícil de voltar.
Afinal de contas, junho é mês dos Santos Populares, e falando de outro tipo de religião, do santo campeonato europeu de futebol. Parece que todos os elementos se reúnem na perfeição, para um belo e longo dia de verão.
O Sol sempre foi um objeto de fascínio para o ser humano, desde a sua simbologia, até ao estudo enquanto estrela. Os egípcios adoravam Ra, o seu deus do sol. Acreditavam que era o rei dos deuses e incorporava o equilíbrio e a ordem divina.
Já na civilização grega, Apolo, filho de Zeus, era conhecido como o deus do Sol, mas também da cura. Aliás, um dos seus muitos filhos era Esculápio, designado deus da Medicina.
Hoje, graças à ciência, sabemos que o sol, além de ser o elemento central pelo qual o nosso planeta Terra se rege, dia após dia, ano após ano, é também essencial na vida animal, e por sua vez, na vida humana.
Podemos desde logo começar por aquilo que é inevitável no nosso dia-a-dia, acordar e adormecer. Já alguma vez se questionaram porque é que o ser humano tem o hábito de acordar de manhã e dormir à noite? Porque é que não somos, por natureza, animais notívagos?
Podemos explicar este fenómeno com recurso a dois termos: ritmo circadiano e melatonina.
O primeiro, o ritmo circadiano (do latim, circa cerca de, diem dia), comumente conhecido como relógio biológico, está presente em todos os seres vivos (incluindo as plantas) e é responsável pela regulação das várias atividades internas de um indivíduo, durante um período de pouco mais de 24 horas.
Ou seja, confere uma orientação temporal, para que as nossas células possam funcionar adequadamente e em sincronia, com a altura do dia em que nos encontramos, resultando numa variação controlada da temperatura corporal, secreção de hormonas, tensão arterial, frequência cardíaca ou da produção de urina.
Por outras palavras, o ritmo circadiano permite regular as atividades internas, que tomamos como automáticas, o acordar, o ter apetite, o ir à casa de banho, e até o pensar. É por isso que se torna essencial para nós ter horários, hora de acordar/deitar, e mais importante ainda, as horas das refeições.
Mas falta ainda perceber o que é que dspoleta o acordarmos de manhã e dormirmos durante a noite? Ora, com a diminuição da luminosidade, a melatonina (hormona que promove o sono) começa a ser libertada pelo nosso cérebro, ligando-se às nossas células, no sentido de as avisar de que está na hora de repousar e ir dormir.
Com a evolução da noite, a quantidade de melatonina vai aumentando o seu pico durante a madrugada, estabilizando assim o sono.
Por outro lado, o acordar depende da exposição à luz. Assim que os raios de luz atravessam os nossos olhos, a produção de cortisol (também conhecida como hormona do “stress”) começa a aumentar, o que nos prepara, por sua vez, para o despertar.
Conseguimos assim explicar, de forma muito linear, porque é que sente o jet lag (alteração do ritmo circadiano), ou porque é que não dorme tão bem quando está mais stressado (aumento do cortisol, levando a uma desregulação melatonina-cortisol).
No entanto, há um outro fator que não posso deixar de mencionar – a exposição aos ecrãs durante a noite. Os ecrãs emitem ondas de luz azul, que têm o mesmo efeito que a luz solar, ou seja, se estivermos a ver um filme à noite, antes da hora de deitar, o nosso corpo não tem a perceção de que está na altura de ir dormir, afetando assim a produção de melatonina.
Um outro efeito do sol, e para o qual muitos de vós estarão familiarizados, é a produção da vitamina D (de até 80% das nossas necessidades). Quando estamos expostos ao sol, os raios ultravioleta metabolizam uma hormona presente na nossa pele – o colecalciferol – que é posteriormente transformado em calcitriol (forma ativa da vitamina D).
Por isso, deve expor os braços e/ou pernas ao sol, durante cerca de 20 minutos, preferencialmente entre as 9h00 e as 16h30 (evitando as horas de maior calor), durante os meses de abril a setembro.
Isto porque a produção da vitamina D depende da inclinação com que a radiação solar atinge a Terra: maior inclinação durante a primavera/verão e menor inclinação durante o outono/inverno.
Em menor quantidade, também podemos adquirir a vitamina D através de alguns alimentos, como os peixes gordos (sardinhas, salmão, cavala), ovos ou através do muito conhecido óleo de fígado de peixe, que assombrou e marcou para a eternidade as gerações mais velhas.
A vitamina D é fundamental no metabolismo do osso, dado que é responsável pela reabsorção do cálcio no rim, pela absorção do cálcio e fósforo, a nível intestinal, e ainda pela mobilização do cálcio para o osso, contribuindo desta forma para a formação e mineralização óssea.
Por outras palavras, para termos um osso forte e saudável precisamos de vitamina D. Nos últimos anos, esta tem ganho grande destaque na medicina, por se conhecer cada vez mais o seu impacto noutros mecanismos biológicos, como no sistema imunológico, proliferação celular ou até na estimulação da produção de insulina.
Para além do impacto na constituição do nosso corpo, o sol também faz parte do nosso bem-estar. Algo que associamos de imediato aos dias solarengos é a felicidade. Parece quase automático – assim que está sol, tornamo-nos a personagem principal de um filme de comédia romântica, digno de um sábado à tarde. A questão é, será só apenas uma impressão? O que é que a ciência tem a dizer sobre isto?
A exposição solar, ainda que não totalmente percebida, está direta ou indiretamente relacionada com um melhor humor. Aliás, já é considerada um fator protetor de depressão – ou seja, indivíduos que estejam expostos ao sol têm menor risco de desenvolver sentimentos de tristeza. Alguns estudos demonstraram que indivíduos com menor exposição ao sol apresentam níveis mais baixos de serotonina, a tão conhecida hormona da felicidade.
Esta pode ser uma das razões pelas quais nos temos deparado com um aumento progressivo da prevalência da ansiedade e depressão. Entre o circuito casa-trabalho, trabalho-casa, quanto tempo passamos nós dentro de quatro paredes? O brilho da luz natural foi sendo progressivamente substituído pelas lâmpadas, computadores e telemóveis.
É importante o tempo ao ar livre, para que o sol possa cuidadosamente aquecer a nossa pele e alma.
Ao explorarmos apenas alguns efeitos do sol, conseguimos perceber que estes são transversais à nossa saúde, desde a estrutura do corpo humano, ao psíquico e até ao nosso automatismo de viver o dia-a-dia. O ser humano precisa de facto do sol para crescer e viver de forma saudável.
No entanto, não nos podemos deixar encandear com todas estas maravilhas. O verão ainda está só no início e vai continuar a aquecer. Como tal, não posso deixar escapar a oportunidade de vos também falar acerca dos efeitos nocivos relacionados com a exposição solar, e que cuidados devemos ter para com esta “bola de fogo” gigante. Pelo que será o próximo tema a ser abordado.
Espero que se sintam mais iluminados!
Autora: Adriana Justo Correia é Médica Interna de Medicina Geral e Familiar e escreve todos os meses no Sul Informação