Associação Zero contesta central solar em Ferreira do Alentejo e avaliação ambiental

Para a Zero este projeto «representa mais uma triste notícia para a conservação da natureza»

A associação ambientalista Zero contestou hoje a construção de uma central solar fotovoltaica em Ferreira do Alentejo, por afetar uma zona rica em termos geológicos e botânicos, e criticou o processo de avaliação ambiental do projeto.

Em comunicado enviado à agência Lusa, a Zero explicou que a central, promovida pela empresa Qsun Portugal 4, «vai afetar uma área global de cerca de 500 hectares, na qual mais de 200 hectares serão ocupados por painéis e outras estruturas».

O projeto, que já tinha sido alvo de uma primeira avaliação de impacte ambiental (AIA), no ano passado, foi entretanto reformulado e objeto de novo procedimento de AIA, cuja consulta pública decorreu entre os dias 15 e 26 de Janeiro.

O processo culminou com a obtenção pela empresa promotora da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada, datada de 23 de fevereiro, o que dá ‘luz verde’ ao projeto.

Para a Zero, que disse ter participado nas duas consultas públicas ambientais sobre o projeto, mas «só agora» ter tomado conhecimento da decisão final, esta «representa mais uma triste notícia para a conservação da natureza».

A associação manifestou «sérias dúvidas sobre a data de disponibilização ao público [desta mesma decisão] na página do Sistema de Informação sobre Avaliação de Impacte Ambiental».

Em declarações à agência Lusa, José Paulo Martins, da Zero, disse que «o documento que consubstancia esta decisão [apesar de emitido em 23 de fevereiro] tem menção a uma data do mês de Junho», enquanto «o Relatório da Consulta Pública só foi disponibilizado esta sexta-feira» e não está «sequer ainda disponível o Parecer Final da Comissão de Avaliação».

«E o portal do Participa [www.participa.pt] indica o processo como tendo sido encerrado esta quinta-feira, dia em que os participantes da fase de consulta pública começaram a ser notificados, o que também é estranho», acrescentou.

Para José Paulo Martins, «tudo isto consubstancia uma situação de falta de transparência no processo» e «põe em causa a capacidade de entidades e cidadãos interessados poderem impugnar o processo, por falta de informação atempada e por ultrapassagem de prazos legais».

No comunicado, os ambientalistas referiram que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) reconhece na DIA que, na zona de implantação da central, apesar do projeto reformulado, verificam-se «ainda impactes negativos, de magnitude similar, sobre espécies ameaçadas e sobre o seu habitat potencial».

Na mesma declaração, a APA disse que «considerando a unicidade deste habitat e da localização da espécie Onosma tricerosperma subsp. tricerosperma considera-se que a modificação do projeto […] não é compatível com o objetivo da conservação destas áreas, podendo contribuir para o desaparecimento da espécie em território nacional».

Seria, pois, «expectável uma decisão negativa», de acordo com a Zero, que acusou a APA de surpreender «com uma decisão favorável, condicionada a modificações substanciais ao projeto já, supostamente, em fase final».

José Paulo Martins frisou à Lusa que a central está prevista para uma zona de afloramentos rochosos dos Gabros de Beja, conhecida como a Serra do Paço, no limite com o concelho vizinho de Beja.

«Com tanto sítio, querem fazer a central nesta zona dos ‘Gabros’, que são rochas plutónicas básicas e que constituem uma formação geológica rara no contexto ibérico», afirmou.

E, além disso, devido a esta especificidade geológica, existe na zona «uma grande riqueza botânica», porque «este tipo de solos tem características que permitem acolher espécies que só conseguem viver ali. É uma zona única e das mais ricas do ponto de vista botânico no Baixo Alentejo», alertou.

Segundo a Zero, «apesar das áreas menos sensíveis para a instalação de projetos de energia renovável estarem mapeadas em vários cenários», volta-se a aprovar «mais uma central solar localizada totalmente em área sensível do ponto de vista ambiental».

«A solução encontrada para conciliar o inconciliável foi a fragmentação da área com valor conservacionista, numa espécie de ‘conservação em canteiros’, que começa a ser uma prática em muitos projetos sujeitos a AIA», criticou a associação.

Aludindo a casos semelhantes, a Zero alegou que, mais uma vez, fica demonstrado que «autoridades ambientais parecem mais interessadas em garantir a viabilização [do projeto] a todo custo, mesmo que isso signifique a destruição de uma das mais importantes áreas para a conservação da geodiversidade e da biodiversidade em Portugal».



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