São 9 horas de uma quarta-feira. Uma hora antes de se abrirem as portas do armazém do Banco Alimentar em Faro. Quando se entra, já se vê os colaboradores a andarem de um lado para o outro, a fazerem os cabazes e a organizarem as paletes, sabendo que são 21 as associações que vão receber nesse dia.
Um total de 137 associações são ajudadas pelo Banco Alimentar. Todas são organizadas num mapa mensal, com os dias e horas em que vêm ao armazém recolher as doações.
Portas abertas, as carrinhas das associações aproximam-se em fila para recolherem os seus cabazes.
Durante a semana, costumam ser entre sete a oito carrinhas de recolha, mas a quarta-feira é o «descalabro de tudo».
No local, onde se organizam e transportam as paletes para as carrinhas, nota-se o trabalho de equipa e uma união sem olhar a quem. Tudo a pensar no próximo.
Paula Gonçalves, uma das voluntárias, tem a função de apontar tudo o que foi para cada instituição, e diz «Confirma-se 39?», «Confirmo o 39», responde outro voluntário. Isto para confirmar que determinada instituição já fez a sua recolha.
Cada instituição é tratada por números atribuídos pelo sistema do Banco Alimentar, de modo a serem facilmente identificadas.
Mário Carvalho, outro voluntário do Banco, conta ao Sul Informação o processo de divisão dos alimentos para cada IPSS.
«Quando são produtos frescos, nós dividimos por cada instituição. Quando são cabazes, os enlatados, o leite, o grão… isso tudo é feito com o número de pessoas que essa instituição serve. Depois, há alguma diferença se houver refeitório ou cantina social que cozinhe. Neste caso, vai levar pacotes que estejam mais danificados», conta Mário Carvalho.
Reforça-se sempre o lema do “Não ao desperdício”. Tudo o que tiverem em armazém vai para as associações e tudo o que não dê para ser consumido vai para os animais.
Associação de Proteção à Rapariga e à Família, Associação de Solidariedade Sócio Cultural de Montenegro e a Nova Aliança Centro Social foram algumas das entidades que esperaram a sua vez para recolher os alimentos, na manhã daquela quarta-feira.
Enquanto o processo decorre, o senhor Martins, coletor da Nova Aliança Centro Social de Olhão, fala ao Sul Informação.
«A maior parte de quem aqui está faz isto por gosto e as pessoas cá fora não sabem dar valor ao que isto é, pensam que estão aqui todos a ganhar», comenta.
A cada uma das entidades, são distribuídos cerca de 200 quilos de frescos, porque são produtos com um curto prazo de validade e que há em maior quantidade. Quando há muita fruta, como bananas e laranjas, ou produtos mais frágeis, sai sempre a mais para chegarem a tempo de serem consumidas. Quanto às hortícolas, saem por volta de 30 quilos. É um tipo de alimento que chega em menor quantidade, por isso tem de ser bem distribuído por cada associação. O pão é um elemento que não falta nas paletes, estando presente em cada distribuição.
As carrinhas na fila de espera recebem um pouco de tudo do que há em stock, mesmo que não seja garantido que recebam sempre os mesmos produtos.
«Costumamos ter pêras, maçãs, tudo e mais alguma coisa. Mas isto são doações, o que recebemos é o que podemos dar, então depende, hoje estamos a dar uma coisa, amanhã, se chegar um grande camião de fruta, já vai mais, depende do que nós tivermos em armazém», reforça o voluntário Mário.
Entre paletes e caixas, cada voluntário ajuda e sabe fazer de tudo.
«Tem que se saber fazer de tudo um pouco. Eu, por norma, só estou à tarde, mas, quando a Susana [outra voluntária] está de férias, eu venho de manhã», conta Isabel Seixas, diretora administrativa do Banco Alimentar.
De tudo aquilo que é entregue, é passada uma guia de remessa, que depois fica com as instituições. Todas elas vão declarar às finanças o que receberam do Banco, pelo que as contas têm de bater certas.
«Nós sabemos o que temos na nossa casa, portanto, a partir do momento em que é emitida uma guia, ela vai abater ao stock. Ficamos com o documento para conseguirmos confirmar aquilo que efetivamente saiu para as instituições», descreve Isabel Seixas.
O relógio marca as 12h40, enquanto o Sul Informação continua a conversar com esta responsável. A esta hora, muita gente está a preparar-se para ir almoçar, mas aqui não. Ainda há muito para fazer. Vê-se chegar uma das carrinhas do Banco Alimentar que vai recolher os excedentes aos supermercados, vinda da rota Faro-Algoz.
Os colaboradores aproximam-se para descarregar as paletes para o armazém.
A voluntária Paula Gonçalves fica com a função de apontar no caderno o peso das paletes de cada alimento, que chegaram. Após a pesagem, faz-se a triagem do que se tem e armazena-se para fazer os próximos cabazes.
De segunda a sexta-feira, cada carrinha percorre 200 quilómetros por dia. São mais de 60 locais por onde passam todas as semanas.
Destes locais, Aldi, Lidl, Makro, Recheio e Apolónia são os principais supermercados doadores e peças fundamentais no que toca ao combate à fome.
Nas superfícies comerciais, os funcionários retiram das prateleiras todos os produtos em fim de prazo de validade, colocam-nos em caixas e depois o Banco Alimentar recolhe esses excedentes.
Segundo Ângela Sarmento, diretora de marketing e comunicação dos supermercados Apolónia, desde 2016 que esta empresa de distribuição alimentar algarvia «colabora regularmente com o Banco Alimentar do Algarve. Todas as semanas doamos alimentos das nossas três lojas, assim como participamos sempre nas recolhas que o BAA realiza ao longo do ano. Adicionalmente, colaboramos com algumas iniciativas do BAA, como é o caso da BLIP, que decorreu nos passados dias 14 e 15 de outubro, em Portimão, e onde contribuímos com a doação de mais de 1800 pacotes de leite».
Voltando para a fila de espera, uma das carrinhas arranca em direção à Associação de Proteção à Rapariga e à Família (APRF). Uma rotina que acontece três vezes por semana.
«Nós temos dias certos para recolher os bens alimentares no Banco. Depois, há dias certos para os distribuirmos às famílias», explica Filomena Rosa, diretora da APRF.
Além da distribuição calendarizada, a APRF promove também entregas pontuais. Isso acontece sempre que há pedidos de ajuda reforçados por parte das famílias ou quando chegam grandes quantidades de alimentos perecíveis do Banco, como frutas e legumes. Nesse caso, a Associação contacta as pessoas para virem buscar.
«Há alguns desses bens que também gastamos cá em casa, procurando sempre que sejam os que estão mais degradados, para darmos os outros às famílias», relata Filomena Rosa.
Quando a carrinha do Banco chega à associação, dois funcionários descarregam e começam logo a fazer os cabazes mensais para entregar às 52 famílias (um total de 100 pessoas) no final do dia. O que sobrar é guardado no armário para entregar quando for necessário.
Segundo Filomena Rosa, a parceria com o Banco Alimentar não pode terminar, sendo um elemento fundamental para “alimentar” o concelho de Faro e as instituições parceiras.
A APRF também recebe, vindas das outras entidades parceiras, móveis, mobílias, brinquedos e roupa.
Segundo Nuno Cabrita Alves, presidente do Banco Alimentar contra a Fome do Algarve, as famílias que recebem este tipo de apoio vêm, na maior parte das vezes, dos centros urbanos, sendo eles portugueses ou imigrantes, devido à maior taxa de desemprego e das dificuldades da atualidade.
São 18h30. O Sul Informação aproveitou a vinda de “Tina” (nome fictício de uma mãe de família que preferiu não ser identificada) à Associação de Proteção à Rapariga e à Família para saber um pouco mais da sua história.
“Tina” veio de Marrocos para Faro com contrato de trabalho e conheceu a associação através de um projeto feito na escola de um dos filhos.
Esta ajuda apareceu numa altura complicada, quando o marido a abandonou e teve que deixar a casa onde morava.
Maria Nunes, assistente social da associação, perguntou à mãe “Tina” se precisava de ajuda e ela aceitou.
«Sempre que tem qualquer coisa para mim ou para os moços, ela liga-me para ir buscar, o cabaz ou qualquer coisa fora do cabaz», explica “Tina”, beneficiária da Associação.
Depois de se separar, “Tina” nunca desistiu de dar tudo aos filhos. Há sempre comida na mesa com a «ajudazinha» dos cabazes, de muitas pessoas que foi conhecendo e também da Câmara Municipal de Faro.
A muitas famílias custa-lhes pedir ajuda quando estão em dificuldades e “Tina” não é diferente. «Eu queria pedir ajuda, mas não conseguia. Tenho vergonha de dizer “Olha, eu queria isto, eu queria aquilo”. Custa muito dizer isso às outras pessoas», explica.
Apesar disso, esta mãe sempre encontrou, em Portugal, pessoas boas que a ajudaram no que precisava. Maria Nunes, por exemplo, continua a ser um dos seus “anjos da guarda”.
O que é doado pode não parecer suficiente, mas tudo o que vem é uma grande ajuda para alimentar a família de “Tina”, tal como o cabaz que foi levado no dia da conversa com o Sul Informação.

Na manhã seguinte, fomos ter com Bruno Pires, responsável pelo departamento de Ação Social e apoio alimentar na Associação Sócio Cultural de Almancil (ASCA).
Trata-se de uma entidade que surgiu em 2010, uma altura em que não havia respostas a nível social em Almancil.
O Banco Alimentar tem um papel fundamental nesta instituição, dando de comer a 230 pessoas, num total de 100 famílias.
«A ligação é importante para ambos os lados. O trabalho do Banco Alimentar, basicamente, é armazenar os géneros. Depois, os parceiros fazem a distribuição pelas famílias», conta Bruno Pires.
Além dos cabazes, a ASCA é um dos exemplos de quem distribui refeições prontas na cantina social para as pessoas que não têm um lugar para cozinhar.
Ao final da tarde, o Sul Informação voltou ao Banco Alimentar. Eram 17h30, horas de fecho, mas ainda havia trabalho a fazer. Os colaboradores deixam tudo pronto para o dia seguinte.
Entretanto, chegou a segunda carrinha de recolha de alimentos dos supermercados, vinda de Almancil, Quarteira, Loulé e São Brás de Alportel.
Todos os voluntários se apressam a descarregar a carrinha, seguindo o mesmo procedimento da manhã. «Como vê, isto não pára, há muito trabalho aqui», comenta Isabel Seixas, diretora administrativa do Banco Alimentar.
Há muito para organizar ao longo do dia, mas os colaboradores nunca perdem a motivação, mesmo que o cansaço tente vencer.
«Vim para aqui há sete anos, em 2017. De ver tanta gente a passar fome, a passar frio, a minha motivação foi dar dignidade às pessoas», revela Isabel.
A responsável administrativa conta, sorridente, que ficou “apaixonada” pelo Banco Alimentar quando começou a fazer voluntariado às segundas e quartas-feiras.
«Primeiro, vinha duas horas, depois quatro horas e chegou a altura em que quase dormia cá. Eu trabalho a meio termo, mas, se for necessário trabalhar fora desse meio termo, venho. Por isso é que digo que sou principalmente voluntária, com muito amor à camisola, porque o Banco Alimentar faz bem a muita gente», diz, sorrindo.
Além de Isabel, são mais 44 os colaboradores que continuam a fazer crescer este espaço, tendo cada vez mais o compromisso de apoiar famílias carenciadas.
«Enquanto responsável e presidente da instituição, é um grande peso e uma grande responsabilidade, até porque a instituição tem vindo a crescer ao longo dos anos», afirma Nuno Cabrita Alves, presidente do Banco Alimentar do Algarve.
Este Banco Alimentar tem dois armazéns: um em Faro, abrangendo o território desde Vila Real de Santo António a Portimão, outro em Portimão, abrangendo de Albufeira até Vila do Bispo.
É no armazém de Faro que se faz as descargas, o picking (escolha), que se prepara tudo. Depois, divide-se os produtos com o de Portimão.
A instituição tem também uma horta com 10 mil metros quadrados no Patacão (Faro), onde há a produção de hortícolas da época.
Segundo Nuno Alves Cabrita, a horta é uma ajuda de produção própria que acrescenta muito às doações, apesar das grandes fontes de abastecimento serem as campanhas, como a que vai acontecer no próximo fim de semana, e os supermercados.

Mesmo assim, há sempre o medo de os alimentos acabarem ou não chegarem para todas as necessidades. Mas, quando menos se espera, a “luz” sempre aparece.
«Chega sempre alguma coisa. Tanto que nós temos aquela câmara de frio positivo que foi construída em 2012. Já vai para 12 anos e a câmara nunca foi desligada, porque estão sempre a chegar produtos. É uma câmara que leva 40 toneladas de produtos, nós abrimos a porta, quando vemos uma palete num canto e dizemos “isto é para amanhã, ou vai sair daqui a bocado. É agora que vamos desligar a câmara e ficar sem nada”. Mas não, chega um camião. Acontece sempre alguma coisa e isso é marcante», conta Nuno Alves Cabrita, com emoção.
A ajuda é sempre bem-vinda a esta instituição, que faz a ponte com as associações, para assim ficar mais perto da população carenciada.
Além das campanhas anuais, que acontecem em Maio e em Novembro, a população pode fazer doações, entregando aos armazéns ou através da plataforma do Banco.
«Basta que as pessoas queiram. Se tiverem vontade de ajudar, por email, através das redes sociais, por telefone, inscrevam-se e participem», insta o presidente do Banco Alimentar.
Aliás, para a campanha que vai acontecer no próximo fim de semana, nos supermercados do Algarve e do resto do país, há falta de voluntários. Por isso, inscreva-se! (veja mais informações abaixo)
No ano passado, o Banco Alimentar do Algarve conseguiu arrecadar 2,8 milhões de quilos de alimentos, com a ajuda dos cidadãos e das 90 empresas que trabalham ao longo do ano com a instituição.
Ângela Sarmento, diretora de marketing e comunicação da cadeia de supermercados Apolónia, salienta que «o combate ao desperdício alimentar é uma das nossas preocupações». Por isso, além das várias medidas adotadas pela empresa, a colaboração «com o Banco Alimentar do Algarve e com outras instituições das zonas circundantes das nossas três lojas» também ajuda a combater o desperdício.
«Nos últimos dois anos, doámos ao Banco Alimentar do Algarve mais de 100 toneladas de alimentos, o que ajudou a chegar a muitas famílias», acrescentou. «Acreditamos que temos um peso significante na ajuda dada às famílias algarvias, dado o nosso contributo semanal. Porém, independente da dimensão, toda a ajuda é fundamental para uma causa como esta», concluiu.
No armazém do Banco Alimentar em Faro, são 19 horas, os voluntários já têm tudo preparado, para, às 9 horas da manhã seguinte, estarem de novo na frente da luta contra a fome.
Nos dias 25 e 26 de maio, o Banco Alimentar do Algarve prepara-se para realizar mais uma campanha solidária de recolha de alimentos.Para participar na campanha como voluntário, poderá inscrever-se clicando aqui neste link. A inscrição é obrigatória e deve ser repetida a cada campanha.Em comunicado, Nuno Cabrita Alves, presidente do Banco Alimentar do Algarve, apela «à união e ajuda de todos nesta causa». O responsável frisa que «uma hora do seu dia já fará a diferença na vida de milhares de famílias».
Os voluntários são essenciais em qualquer uma das 130 lojas, espalhadas por todos os concelhos da região, onde é necessário distribuir sacos e, posteriormente, receber os alimentos com as doações.
Nos armazéns de Faro e Portimão, é fundamental ajuda para descarregar os alimentos e separá-los, dobrar sacos, entre outras tarefas.
Nuno Cabrita Alves reforça que «para além de voluntários em lojas e no armazém, precisamos de doações de alimentos». Neste momento, todo o apoio é fundamental,
uma vez que milhares de famílias se encontram no limiar da pobreza.
A ajuda pode ser feita nas lojas com alimentos ou vales, mas também em https://www.alimentestaideia.pt/ com doações de alimentos ou através de apoio financeiro em https://www.bancoalimentar.pt/faca-um-donativo, de 24 de maio a 2 de junho.
Além disso, todas as empresas da fileira alimentar, como produtores, indústria e distribuidores, podem fazer chegar os seus excedentes à instituição.
Saiba mais sobre o Banco Alimentar do Algarve através do Facebook ou do Instagram.
Fotos e texto de: Cátia Rodrigues, que é finalista do Mestrado em Comunicação e Media Digitais da Universidade do Algarve e está a fazer o seu estágio curricular no Sul Informação.