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Sul Informação - Jornalismo livre de violência

Jornalismo livre de violência

Qual é pior, o futebol ou a política? É uma boa pergunta, se o assunto for a atividade mais ameaçadora para jornalistas. A resposta é: depende. Do período de tempo considerado e da avaliação do desfecho dos casos reportados em Artigo 37, uma plataforma cívica de denúncia de abusos praticados sobre jornalistas em Portugal.

O número de registos, que não esgota a totalidade de casos relativos às 12 categorias de ameaças, indica que o problema começou nos políticos e passou para os dirigentes desportivos e os seus adeptos.

Os estádios de futebol e outros locais de prática desportiva (como o futsal) tornaram-se perigosos para jornalistas. Os ataques são feitos por desconhecidos, que insultam, batem e fogem, como aconteceu a um repórter fotográfico de O Jogo, que levou um pontapé na cabeça num dos elevadores do Estádio Municipal de Braga, no final de um jogo entre a equipa local e o Futebol Clube de Arouca, em fevereiro de 2023.

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Uma situação idêntica ocorreu com um repórter de imagem da SIC Notícias, maltratado por adeptos no exterior do Estádio da Luz, em Lisboa, após o jogo entre o Benfica e o Futebol Clube do Porto, em abril de 2023.

Outro repórter da TVI foi insultado e agredido à saída do Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, no final do jogo entre o Vitória de Guimarães e o Hajduk Split, em agosto de 2023. O agressor, identificado com a equipa croata, foi detido no local.

Noutros casos, os agressores são figuras conhecidas. Um deles é o empresário Pedro Pinho, ligado ao Futebol Clube do Porto, que agrediu e danificou material de filmagens de um operador de câmara da TVI, dentro do Estádio do Dragão, depois de um jogo entre a equipa portista e o Moreirense, em abril de 2021.

Em agosto de 2022, Pedro Pinho foi condenado, com pena suspensa de dois anos, pelos crimes de dano com violência e de atentado à liberdade de imprensa. O Tribunal de Guimarães não considerou provada a acusação de ofensa à integridade física qualificada.

Os vários mundos do futebol, incluindo o mediático, tornaram-se hostis para jornalistas. Os clubes banalizam a violência de adeptos e dirigentes. As estruturas do futebol confundem os interesses comerciais com a obrigação deontológica dos jornalistas de reportarem com independência.

O ambiente de trabalho promove comportamentos intimidatórios, como respostas agressivas e ofensas verbais, normaliza tentativas de controlar as entrevistas e outros conteúdos informativos e discriciona a restrição de acesso a espaços desportivos.

Este clima muito negativo convergiu nas ameaças contra o jornalista desportivo Rui Santos, depois de comentários feitos na CNN Portugal sobre as expulsões (22) de Sérgio Conceição, treinador do Futebol Clube do Porto.

Os jornalistas do Porto Canal demarcaram-se do conteúdo de um artigo publicado no website da estação, que identificava o nome da mulher de Rui Santos e do restaurante do qual é proprietária, num ambíguo convite a ações de retaliação contra a família e a propriedade.

Rui Santos apresentou uma queixa-crime e os jornalistas do Porto Canal, unidos num comunicado conjunto, mostraram uma corajosa atitude de denúncia e repúdio de práticas na redação, como a sobreposição de cargos entre a direção de comunicação e a direção de informação, que violam direitos e deveres dos jornalistas e são sancionadas eticamente e punidas legalmente.

A violência contra jornalistas desportivos motivou reações de condenação dos agressores e de proteção e reparação com as vítimas. Essa união aproximou as estruturas representativas e os reguladores da classe – Sindicato dos Jornalistas, Associação dos Jornalistas de Desporto, Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas – mas não parece suficiente para modificar uma retórica anti media e uma cultura anti jornalística que circula online e offline, potenciando a escalada da violência.

A resistência não existe quando as ameaças vêm da política. Em 2021, o caso mais sonante contra a liberdade de imprensa e o incitamento ao ódio aconteceu em janeiro, durante um jantar-comício da candidatura de André Ventura à Presidência da República. Vários jornalistas foram insultados dentro do restaurante onde mais de 100 apoiantes estavam reunidos e as queixas referiam contato físico e vidros partidos nos carros.

O então mandatário nacional e diretor de campanha, hoje secretário-geral do partido e deputado, Rui Paulo Sousa, proferiu a frase incendiária enquanto os jornalistas montavam os seus tripés e câmaras: “os nossos adversários estão lá fora, mas alguns estão cá dentro”.

Em Dezembro de 2021, o Ministério Público arquivou o inquérito. “Não se logrou identificar de quem partiram os dizeres ameaçadores contra os jornalistas”, conclui o despacho do MP.

O mesmo destino teve a “torrente de ameaças e abuso online”, referida na Plataforma para a Proteção dos Jornalistas do Conselho da Europa, contra os jornalistas da SIC autores da reportagem de investigação A Grande Ilusão sobre a extrema-direita em Portugal e na Europa, em janeiro de 2021.

Quase dois anos depois, em março de 2023, o Estado Português respondeu, através de carta enviada pela Representação Permanente junto do Conselho da Europa. As autoridades portuguesas são alheias ao incidente e qualquer pessoa que se sentir lesada tem o direito de apresentar queixa, transmite o Embaixador.

Qual é o problema de alguém com responsabilidades públicas, como o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, chamar “perfeito imbecil” a um jornalista cuja pergunta (endereçada não ao próprio, mas a um jogador do FCP) ele rotulou, no mesmo post de Facebook, escrito em setembro de 2022, como “uma provocação abjeta”?

Ou um desconhecido agredir fisicamente a jornalista que fazia a cobertura da Queima das Fitas 2022 para o Notícias de Coimbra?

Ou alguém da bancada insultar a chutar uma bola contra uma colaboradora do Vozes do Futsal Portalegre, danificando o equipamento que usava para entrevistar um dos intervenientes do jogo?

Primeiro: desde 2018, o artigo 132.º do Código Penal considera como um crime público “as agressões a jornalistas no exercício das suas funções ou por causa delas”.

Segundo: a intimidação de jornalistas diminui o escrutínio dos poderes e, nessa medida, enfraquece a qualidade da democracia e da vida cívica. A especial proteção de que gozam os jornalistas visa, justamente, salvaguardar esse interesse maior que integra a noção de “bem público”.

Terceiro: é preciso mesmo explicar porquê?

 

Autores:
Carla Baptista
Carlos Camponez
Luís Santos
Pedro Jerónimo
Pelo Artigo37.pt

 

Nota:
Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que se assinala hoje, dia 3 de Maio, o Artigo 37, uma organização independente de jornalistas e académicos, elaborou um texto especialmente vocacionado para distribuir pelos meios de comunicação regionais, onde faz um balanço sobre as violações ao direito de informar, se informar e ser informados previstos na Constituição da República Portuguesa. No Algarve, este artigo é publicado no Sul Informação.

O Artigo 37 tem como único objetivo ajudar a cumprir o artigo 3º do Código Deontológico dos Jornalistas que diz: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos”.

Nascido de uma parceria NOVA FCSH e a NOVA School of Law, o Artigo 37 conta com o apoio do Sindicato dos Jornalistas e dispõe de um espaço online para denunciar restrições à liberdade de informação em Portugal, com espaço para a resposta dos denunciados que pretendam exercer esse direito.

 

 

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