Demissão dos Beneficiários do Mira só ajuda «meia dúzia de poderosos empresários agrícolas»

Reserva de água da barragem de Santa Clara, da qual depende toda a região de Odemira, está no seu nível mais baixo de sempre

Barragem de Santa Clara – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação (arquivo recente)

A recente exoneração da direção da Associação de Beneficiários do Mira, decidida pelo Ministério da Agricultura, não se destina a «garantir uma gestão sustentável da pouca água disponível» na Barragem de Santa Clara, mas a proteger «dos interesses de uma meia dúzia de poderosos empresários agrícolas – alguns deles sem outras ligações ao território que não a economicista – em detrimento dos restantes, mais pequenos, mas também mais numerosos».

A denúncia foi feita agora pelos movimentos Juntos Pelo Sudoeste e SOS Rio Mira, num comunicado, em que apelam à «união no território face à realidade das “últimas gotas” de água de Santa Clara».

«Num momento em que o sul de Portugal atravessa uma aflitiva crise hídrica e a reserva de água da barragem de Santa Clara, da qual depende toda a região de Odemira, está no seu nível mais baixo de sempre, assiste-se a uma mais do que previsível luta por este recurso, essencial para a sobrevivência do território e todas as suas atividades económicas», salientam, no comunicado a que o Alentejo.Sul Informação teve acesso.

É neste contexto de escassez que foi «recentemente conhecida a repentina intenção do Ministério da Agricultura e Alimentação (MAA), através da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), de exonerar o orgão diretivo da Associação de Beneficiários do Mira (ABM), que gere a água de Santa Clara, e alterar as regras e prioridades na distribuição deste recurso».

Citando um comunicado recente da ABM, «a ideia por detrás destas movimentações é acabar com a repartição equitativa da água que já escasseia pelo número de hectares inscritos e dar prioridade aos interesses dos grandes grupos económicos dos pequenos frutos (vermelhos) que operam na região, em detrimento dos restantes beneficiários e tipos de culturas, nomeadamente as tradicionais, que sempre fizeram parte do tecido económico e social de Odemira, assim como da paisagem, constituindo aliás todo um sistema ecológico do qual depende muita da fauna e flora do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina», salientam os movimentos.

Perante esta situação, que classificam como «de rutura entre as forças do Sudoeste de Portugal, em luta pela água cuja escassez se vem tornando inequívoca há uma década», os movimentos consideram que «fica demonstrada a irresponsabilidade com que este recurso foi gerido nos últimos anos por todos quantos por ele têm responsabilidade, assim como o (des)ordenamento do território, no qual se permitiu ou ignorou o avanço galopante da agroindústria, em total contraciclo com os limites e com a sensibilidade da região».

Em conjunto com o SOS Rio Mira, o movimento de cidadãos Juntos Pelo Sudoeste, que já há vários anos tem vindo a alertar para a «insustentabilidade da dimensão do agronegócio no Perímetro de Rega do Mira (PRM), que é, também, o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, e para a forte probabilidade de haver grave falta de água», repudia aquilo que considera como «mais um ataque a Odemira, a todos os seus habitantes e às atividades económicas agrícolas e não agrícolas», bem como «apelar à união pela defesa do território e de todos os que nele habitam e dele dependem».

Ambos os movimentos apelam também «ao Governo que governe e ao Estado que administre, no caso concreto, a região de Odemira, tendo como premissa o bem comum e não a manutenção de privilégios de que gozam incompreensivelmente alguns sectores, neste caso, o lobby dos frutos vermelhos». Assim como a que «se analise criteriosamente o que faz sentido ser cultivado e regado no PRM que, insistimos, é também um Parque Natural, em que dimensão e com que práticas».

Juntos pelo Sudoeste e SOS Rio Mira salientam, no seu comunicado, que «se a intenção da MAA e da DGADR avançar, irá acentuar o mal estar social e ambiental que há muito se sente na região, assim como a delapidação ainda mais rápida dos recursos hídricos, prosseguindo o caminho já percorrido de danos irreparáveis no território».

 

Estufas no Sudoeste – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Estas e outras preocupações foram esta semana apresentadas por este movimento de cidadãos ao Ministro do Ambiente e Ação Climática (MAAC), Duarte Cordeiro, que recebeu, em Lisboa, o Juntos pelo Sudoeste.

Neste encontro, segundo o movimento, ficou esclarecida a posição do Ministério do Ambiente e Ação Climática sobre alguns aspetos relacionados com água e conservação da natureza.

Assim, de acordo com o Juntos pelo Sudoeste, o MAAC considera que existem «condições estritas para a utilização rigorosa e excecional deste recurso até à cota 104 da barragem de Santa Clara, abaixo da qual será apenas garantido o abastecimento público».

Por outro lado, «está em análise neste Ministério a possibilidade de instalar uma dessalinizadora no concelho de Odemira, através de financiamento privado, por forma a responsabilizar a longo prazo o agronegócio em relação ao território do Sudoeste».

O movimento considera que este potencial investimento «pode dar resiliência à região mas, em linha com os Planos Regionais de Eficiência Hídrica, não invalida que se estabeleçam de uma vez os limites do território, numa perspetiva estrutural e não conjuntural, condicionando investimentos e atividades económicas à sua realidade ambiental e hídrica».

A posição do MAAC passa ainda, segundo o Juntos pelo Sudoeste, pela «intenção de um maior compromisso com os ecossistemas e uma abordagem séria à conservação da natureza, dotando o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina dos recursos e do estatuto que (desesperadamente) precisa e merece».

O movimento conclui que «a verdade é que sem água não há vida e se queremos que Odemira continue a sonhar com um futuro melhor, a gestão delicada e a salvaguarda deste recurso finito não só tem que vir em primeiro lugar, como tem que estar em linha com a preservação dos valores naturais e com a procura de um equilíbrio entre os mesmos e as diversas atividades económicas que operam na região».

Esta semana, também as Câmaras Municipais de Odemira e de Aljezur – em cujos territórios se situa o perímetro de rega do Mira – tomaram posição sobre a demissão da direção da ABM pelo Ministério da Agricultura e sobre as questões que se põem quanto à gestão da pouca água da Barragem de Santa Clara.

Os autarcas destes dois municípios vizinhos defenderam, nesse comunicado, que o modelo de distribuição da água disponível na albufeira de Santa Clara para a presente campanha de rega deve considerar, «de forma justa», todos os agricultores e culturas.

Defenderam igualmente a «realização de um conjunto de ações e investimentos visando uma melhor e mais robusta gestão da água proveniente da albufeira de Santa Clara».

 

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