Terras sem Sombra terminou em Sines com um jardim harmónico cheio de afeto

Na habitual mistura de património, música e biodiversidade, terminou o 18º Festival Terras sem Sombra

Foto: Mabille Tamala/Terras sem Sombra

A edição de 2022 do Festival Terras sem Sombra não podia ter fechado de forma mais auspiciosa: o concerto dos italianos Il Giardino Armonico, um ensemble de referência mundial liderado por Giovanni Antonini, levou magia ao Centro de Artes de Sines, na noite de 23 de Outubro.

Não é que tenha sido fácil ao público aceder à sala do Centro de Artes, um edifício premiado da autoria do arquiteto Manuel Aires Mateus. Sobretudo para as várias pessoas com dificuldades de locomoção, aquele jogo de descer e subir escadas para aceder à sala de concertos foi uma difícil corrida de obstáculos…que até podia ter sido evitada se a Câmara de Sines tivesse aberto, ao menos para essas pessoas, o acesso mais direto…

 

Mas nada disso ensombrou esse verdadeiro jardim harmónico, feito de música antiga e barroca, que o quinteto de músicos italianos interpretou, com virtuosismo. O pintassilgo de Vivaldi (concerto in re maggiore RV “Il Cardellino” per flautino, due violini e basso continuo), evocado pela flauta de Giovanni Antonini, ainda está, certamente, na memória de quantos encheram por completo a sala para assistir ao espetáculo “Con Affetto: Emoção e Razão na Música Italiana do Século XVII”.

E foi mesmo de afetos que, a anteceder o concerto, falou Carlo Formosa, embaixador de Itália em Portugal, no seu português com doce sotaque italiano.

Presença destacada em festivais internacionais e nas mais relevantes salas de concerto (no dia seguinte o ensemble apresentou-se na Fundação Gulbenkian, em Lisboa), Il Giardino Armonico apresentou, em Sines, Giovanni Antonini (direção musical e flautas), Stefano Barneschi, Marco Bianchi (violinos), Paolo Beschi (violoncelo) e Riccardo Doni (cravo), num programa que incluiu peças de Tarquinio Merula, Dario Castello, Alessandro Scarlatti, Antonio Vivaldi, entre outros compositores.

Porque o Festival Terras sem Sombra se faz também de património, na tarde de sábado, com o céu a ameaçar a chuva que não chegou a cair, foi tempo de visitar o sítio arqueológico de Monte Novo, na encosta voltada ao sul dos Chãos de Sines, primeiramente identificado em 1975. Naquele monte com vista para o mar, lá em baixo, para a central térmica desativada e outras estruturas industriais e portuárias, foi possível fazer uma viagem no tempo de 7500 anos.

O arqueólogo Mário Varela Gomes recordou a descoberta, por Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, deste sítio arqueológico, que identificaram como sendo um povoado do Neolítico Final/inícios do Calcolítico e uma «pequena muralha».

No entanto, numa visita ao local no início dos anos 80, Varela Gomes, olhando de novo para o local, viu «que alguns blocos que constituem os restos dessa muralha tinham aspeto de estelas» e parte deles tinha mesmo «gravuras rupestres», nomeadamente «covinhas e círculos serpentiformes».

«Percebi que tinha havido aqui uma estrutura mais antiga, tipo cromeleque, que tinha sido reutilizada 2000 anos depois para construir a muralha», acrescentou. «Estamos perante dois momentos construtivos diferentes: um de cerca de 5500 anos a.C., o cromeleque, outro de 3500 a.C, o povoado e a fortificação», explicou ainda o arqueólogo.

Mário Varela Gomes salientou que a construção mais antiga foi a de uma «estrutura ligada ao sagrado», o cromeleque, que «depois terá sido abandonada», para, dois mil anos depois, ser «reutilizada de uma maneira mais pragmática», no povoado e na estrutura fortificada que o protegia.

É isso que torna tão especial este sítio arqueológico de Monte Novo, localizado num monte sobranceiro ao Atlântico, com vasto horizonte sobre o território: foi «usado por duas sociedades completamente diferentes» e ambas deixaram os seus vestígios, que hoje, como salientou a arqueóloga Anabela Joaquinito, voltam a estar sob o olhar atento dos investigadores.

 

No domingo de manhã, mais uma vez com o céu carregado de nuvens a prometer a tão necessária chuva, os participantes da atividade de Biodiversidade do Festival Terras sem Sombra fizeram um percurso na Herdade dos Nascedios do Moinho, no concelho de Sines, ao longo do qual puderam aprender mais sobre sobreiros.

Esta propriedade com 70 hectares, propriedade da Altri, tem cerca de um terço do seu território dedicado à conservação da natureza, dividido entre sobreiral, montado e salgueiral.

Para orientar a visita, o grupo foi acompanhado pelos engenheiros Paulo Maia, Pedro Serafim e Mariana Ribeiro Telles. Esta última falou sobre as causas da morte dos sobreiros, tendo apresentado as várias maleitas que podem afligir uma das árvores mais emblemáticas da paisagem alentejana.

Nesta habitual mistura de património, música e biodiversidade, terminou o 18º Festival Terras sem Sombra, cujos promotores estão já a preparar nova edição, finalmente, espera-se, sem qualquer restrição pandémica e voltando aos seus moldes habituais. Se o financiamento não falhar, claro, em breve o Sul Informação falará da 19ª edição do Terras sem Sombra.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação e Mabille Tamala/Terras sem Sombra (concerto)

 



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