Regadio coletivo de Alqueva tem promovido o colapso da biodiversidade, afirma a ZERO

ZERO alerta para os impactes de um dos maiores investimentos públicos das últimas décadas: o regadio de Alqueva e fala em “ecocídio”

A biodiversidade na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) «regista claros sinais de colapso, um desastre pré-anunciado mas que foi, e continua a ser, desvalorizado nos processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) e na própria gestão do regadio», considera a ZERO, em comunicado divulgado hoje, Dia Internacional da Biodiversidade.

Para a organização não-governamental de ambiente, «representativos deste colapso são o desaparecimento das populações da espécie ameaçada da flora Linaria ricardoi e a destruição de charcos temporários mediterrânicos, devido à implementação do modelo de intensificação agrícola favorecido pelo regadio coletivo de Alqueva, constatando-se que as medidas oriundas dos processos de AIA têm meramente resultado na monitorização do declínio das espécies, perante o avanço das áreas regadas pela grande albufeira.

Dada a «extensão dos danos ambientais causados e o conhecimento prévio destes impactes dificilmente mitigáveis», a ZERO considera que se pode estar perante o que se pode considerar de «ecocídio».

A ZERO recorda que, sendo a Linária-dos-olivais (Linaria ricardoi) uma espécie protegida e listada como prioritária e considerando-se a ocupação por blocos de rega de áreas com habitat da espécie, a entidade gestora do EFMA – a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva (EDIA), pertencente ao setor empresarial do Estado, ficou incumbida de adotar medidas para mitigar os impactes decorrentes da conversão de uso e ocupação destes habitats.

 

Linaria ricardoi – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Os dados obtidos pela ZERO junto da EDIA mostram que, embora a monitorização esteja a ser efetuada, «não estão a ser implementadas medidas para a efetiva proteção da espécie, e os sistemas agrícolas potenciados por Alqueva têm-se mostrado incompatíveis com a preservação da espécie».

Segundo os relatórios de monitorização, esta espécie perdeu, só em três anos, mais de 800 hectares (ha) do seu habitat na área monitorizada – os perímetros de rega de Pisão, Alvito-Pisão, Ferreira e Valbom, Alfundão e Beringel-Beja.

Os charcos temporários mediterrânicos são outro exemplo pela negativa dos impactes do regadio de Alqueva sobre a biodiversidade. Estes habitats, alguns considerados prioritários e protegidos por legislação europeia, foram excluídos da área ocupada pelos perímetros de rega durante os processos de AIA, a fim de evitar a sua degradação.

No entanto, garante a ZERO, «ocorreu a destruição total ou parcial de mais de 20 charcos temporários na área de influência do EFMA, dando lugar a culturas de regadio».

Muitos dos promotores e proprietários responsáveis pela destruição destes habitats «beneficiaram igualmente de subsídios agroambientais e da contratualização de água pela EDIA».

Porém, estas duas situações não são mais que indicadores de todo um processo de dilapidação da biodiversidade, que se desenvolve tanto dentro como na periferia dos perímetros de rega oficiais do EFMA.

A estas juntam-se, segundo a ZERO, o desaparecimento de habitat para aves estepárias, principalmente junto (e dentro) das Zonas de Proteção Especial designadas para o efeito, a destruição de florestas-galerias (algumas protegidas), a degradação e destruição de montados e a conversão cultural de sistemas agro-silvo-pastoris, e a erradicação de vários endemismos ameaçados, como o Echium boissieri, a Bellevalia trifoliata, o Galium viscosum e a Cynara tournefortii.

Por avaliar estão a biodiversidade do solo e as populações de insetos, bioindicadores mais sensíveis à degradação dos ecossistemas, acrescenta.

 

Olival intensivo – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Inoperância da legislação de avaliação de impacte ambiental

Para a ZERO, parece, pois, «injustificável que não existam medidas eficazes para proteger espécies e habitats que estão identificados e cuja necessidade de conservação está explícita nas Declarações de Impacte Ambiental dos blocos de rega do EFMA».

Os programas de monitorização e de conservação, na prática, «têm apenas servido para documentar a catástrofe, e as normas de boas práticas – que se procuram aplicar somente através de ações de sensibilização – continuam sem uma adoção minimamente aceitável, mesmo quando possuem regime obrigatório, estipulado tanto pelas normas de exploração dos perímetro de rega como pela legislação nacional, como é o caso dos princípios da proteção integrada».

Por outro lado, a recusa por parte das entidades competentes em tomar ações concertadas e consequentes para proteger a biodiversidade enquanto bem público, dentro dos quadros legais e regulamentares existentes, «é demonstrativo de um favorecimento tácito dos interesses económicos do agronegócio instalado nas regiões do Baixo Alentejo e Alentejo Central».

Por último, é importante salientar que a EDIA já havia admitido – no relatório comissionado pelo ex-ministro Capoulas Santos em junho de 2019 – que a preservação e o fomento de bolsas de biodiversidade no interior dos sistemas agrícolas são decisivos para a sustentabilidade da principal cultura de Alqueva, o olival.

Ainda assim, só quase três anos depois do alerta da ZERO é que a EDIA dá passos para a implementação de descontínuos dentro dos perímetros de rega.

No entanto, «sendo medidas de base voluntária, não está garantida uma efetiva mitigação dos impactes do modelo de intensificação agrícola tão acarinhado pela política agrícola nacional».

Apesar das alterações de base tecnológica e a retórica de modernidade, este modelo agrícola é «estruturalmente o mesmo da designada “revolução verde”, servindo o mesmo tipo atores e levando ao mesmo tipo de impactes socioambientais, já amplamente conhecidos», defende a ZERO.

«Infelizmente, na área de influência do EFMA, já é visível a chegada de uma “Primavera Silenciosa”, sendo que situações análogas poderão repetir-se com mais investimento em novos projetos de regadio coletivo, como é o caso do Aproveitamento de Fins Múltiplos do Crato (barragem do Pisão, Alto Alentejo) onde se prevê a alocação injustificada de 120 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência», conclui a organização não-governamental de ambiente.

 

 

 



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