ZERO apresenta queixa à Comissão Europeia por causa das aves estepárias do Alentejo

ZERO lamenta que Plano Estratégico da Política Agrícola Comum 2023-2027 (PEPAC)» continue a insistir «nos mesmos erros graves já identificados»

Abetarda (Otis tarda)

A associação ambientalista ZERO apresentou uma queixa à Comissão Europeia por «violação da Diretiva Aves» e por «má gestão dos fundos europeus destinados à agricultura», tendo em conta «o decréscimo alarmante de espécies que estão protegidas por lei», como a Águia-caçadeira, o Sisão e a Abetarda, nas planícies do Baixo Alentejo.

Em comunicado, a ZERO revela ter pedido ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) «dados relativos à evolução das populações de três espécies de aves estepárias nos últimos 10 anos», tendo a informação disponibilizada demonstrado «o colapso dos efetivos: estima-se que nos últimos 10 anos, a população de Águia-caçadeira (Circus pygargus) tenha diminuído em 76% (população rondará apenas os 120 casais a nível nacional e, no Alentejo, a redução foi de 85%), a de Sisão (Tetrax tetrax) em 49% (8.900 indivíduos estimados) e a de Abetarda (Otis tarda) em 50% (contados apenas um total de 939 indivíduos nas Zonas de Proteção Especial (ZPE)».

A associação lamenta que, «numa altura em que Portugal aguarda por uma decisão de Bruxelas em relação ao seu Plano Estratégico da Política Agrícola Comum 2023-2027 (PEPAC)», se continue a insistir «nos mesmos erros graves já identificados».

É que, salienta a ZERO, estas espécies têm a maior parte da sua população no Alentejo e estão «muito dependentes da manutenção do mosaico de rotação de sequeiro do cereal-pousio, tendo sido designadas 13 Zonas de Proteção Especial (ZPE) com vista à sua conservação».

A organização não-governamental de Ambiente (ONGA) defende, por isso, que «só a alteração do PEPAC pode salvar estas espécies da extinção».

A ZERO argumenta que, «uma vez que a aplicação dos apoios da PAC será decisiva para manter ou inverter a tendência de declínio da Águia-caçadeira, do Sisão e da Abetarda (e de outras aves dependentes da manutenção de rotação de sequeiro cereal-pousio), este é o momento de reanalisar a fundo toda a configuração dos apoios previstos com fins de promoção da conservação das aves estepárias no âmbito do PEPAC proposto por Portugal, conciliando posições entre os Ministérios da Agricultura (quem verdadeiramente decide) e o do Ambiente e Ação Climática (que permanece indiferente e desorientado)».

Em primeiro lugar, sublinha aquela ONGA, «há que repensar os montantes dos apoios aos agricultores com atividade agrícola situada nas ZPE Estepárias, para que os mesmos sejam adequada e justamente compensados por custos adicionais, custos de oportunidade e por perdas de rendimento pela adesão aos apoios zonais destinados à manutenção da rotação de sequeiro cereal-pousio».

Desta forma, «tornar-se-ia a produção de cereais praganosos e de leguminosas no interior das ZPE não só como uma atividade competitiva face à produção de gado, como também inibidora de pressões no sentido da intensificação agrícola».

A ZERO advoga igualmente que «seja reequacionada todas as condições de elegibilidade dos apoios zonais, uma vez que parecem existir impactes associados ao desenho das medidas que podem prejudicar a sobrevivência das aves estepárias».

ZERO: as razões que levam ao «decréscimo brutal» das aves estepárias>>As ZPE designadas em 2008 possuem áreas muito reduzidas – representam apenas 16% da área total das quatro primeiras ZPE classificadas em 1999 – e não existem muitas áreas contíguas onde se promovam culturas de cereais que proporcionem espaços de interligação entre as várias ZPE.

>>Dados fornecidos pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas mostram que os apoios específicos aos agricultores para a conservação destas espécies apenas tiveram algum significado nas ZPE de Castro Verde e do Vale do Guadiana (média anual área apoiada de 29.631 hectare (ha) e 4.407 ha, respetivamente, nos seis anos de compromisso), e que as outras ZPE se ficaram por números irrelevantes (média de 278 ha para o conjunto das outras ZPE de Monforte, Vieiros, Vila Fernando, São Vicente, Évora, Reguengos, Cuba e Piçarras e média de 268 ha para a ZPE de Campo Maior) ou não tiveram qualquer candidatura aprovada (casos das ZPE Moura/Mourão/Barrancos e de Torre da Bolsa).

>>Os fracos apoios ao hectare (entre 100 €/ha para áreas mais pequenas e 15 €/ha para as de maior dimensão) parecem não compensar os custos adicionais e de oportunidade(2) face, por exemplo, a outras atividades mais competitivas e mais subsidiadas, como a produção de gado bovino ou a agricultura de regadio, e também não compensam as perdas de rendimento incorridas que derivam de menores produtividades.

>>O reduzido valor dos apoios em causa não tem, pois, impedido que os agricultores prefiram a criação de bovinos ou outras espécies pecuárias, já que as áreas de pastagens e de culturas forrageiras, ambas as superfícies ligadas à produção de gado, representam já cerca de 76% das áreas declaradas na ZPE de Castro Verde, 96% da ZPE de Moura/Mourão Barrancos, 97% na ZPE de Évora e mais de 90% nas ZPE de Cuba, Monforte, Veiros, Vila Fernando e São Vicente.

>>Proliferam situações de intensificação agrícola de génese ilegal associadas ao regadio que alteraram o uso do solo em quase todas as ZPE, sem que o ICNF tenha efetuado qualquer diligência no sentido de garantir a reposição da situação anterior: Torre da Bolsa – alterados 136 ha; Évora – alteração em 161 ha; Mourão/Moura/Barrancos – 893 ha foram alterados; Cuba – 291 ha sofreram conversão; Castro Verde – 747 ha estão agora ocupados por culturas permanentes.

>>As datas de cortes de cereais e de culturas forrageiras são autorizadas sem que se tenha em conta o ciclo de reprodução das espécies, o que favorece o rendimento dos agricultores, mas cria uma perversão total, já que, na prática, a subsidiação pública acaba a promover a mortalidade nas espécies que a legislação comunitária protege.

>>Acresce ainda a inexistência de planos de gestão para cada uma das ZPE e a ausência de um plano de ação para a conservação das aves estepárias, o qual já há muito se encontra elaborado por parte do ICNF, mas que nunca foi aprovado pela tutela.

 

ICNF: preservação dos ecossistemas e das aves estepárias são prioridade

Em resposta a este comunicado da ZERO, o ICNF emitiu uma nota de esclarecimento em que, não negando o declínio das aves estepárias denunciado, garante que, «ao longo dos últimos anos», este Instituto «tem desenvolvido vários projetos dirigidos à preservação dos ecossistemas e das aves estepárias e participou também em múltiplas iniciativas com a mesma finalidade, em articulação com ONGA, academia e proprietários locais».

O ICNF revela que promoveu também «a monitorização regular das populações das várias espécies, com especial destaque para as aves estepárias com estatuto de conservação mais elevado – como por exemplo a abetarda, o sisão, o cortiçol de barriga preta, o peneireiro das torres e a águia imperial», tendo participado nos projetos “LIFE Estepárias”, LIFE-Natureza “Recuperação do Peneireiro-das-torres em Portugal”, LIFE+ “Conservação da Águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) em Portugal”, INTERREG FaunaTrans e Faunatrans II, bem como integrado o piloto “Projeto de restauro e valorização de habitats mediterrânicos naturais e de habitats de espécies ameaçadas no Parque Natural do Vale do Guadiana”, em curso até 2023.

A estes projetos, o ICNF diz que «acresce a implementação de medidas específicas (…) para a salvaguarda das aves estepárias, como por exemplo a construção de estruturas destinadas a acolher a nidificação de espécies prioritárias, de entre as quais se destaca o peneireiro das torres e o rolieiro, ou as ações de salvamento de emergência de tartaranhão caçador em contexto de realização de trabalhos de ceifa».

Em paralelo, o ICNF afirma que tem também «procurado compatibilizar as pretensões submetidas no âmbito das suas atribuições (Regime Jurídico da Rede Natura 2000, Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, etc.) com a salvaguarda das espécies da avifauna estepária».

Destaca assim «a tomada de decisão orientada para a proteção de eixos de conexão entre as áreas classificadas e outras áreas com potencial para acolher estas espécies».

No que respeita à afetação de áreas agrícolas a culturas de regadio em locais que interferem com o Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), nomeadamente em ZPE, o ICNF garante que «estas são sempre objeto de avaliação circunstanciada», realizada por aquele instituto.

Por outro lado, sempre que o ICNF regista que «existem em preparação, ou em execução, intervenções que possam prefigurar alterações de uso do solo e alterações culturais sem que estas tenham sido validadas pelo ICNF, procede-se de acordo com o definido na legislação aplicável».

Na sua nota de esclarecimento, aquele instituto recorda que o conselho diretivo agora em funções «deliberou, em maio de 2019, não autorizar conversões culturais fora dos perímetros de rega, tendo sido já negados vários pedidos nesse contexto».

O ICNF acrescenta que há de facto «áreas onde predominava a agricultura extensiva de sequeiro – a maioria fora de perímetros de rega –, que foram convertidas para pastos e pastagens permanentes para gado bovino».

«A maioria das situações não prevê parcelas interditas ao gado durante o período reprodutor, o que aumenta a perturbação e muitas vezes reduz de forma geral a estrutura da vegetação com tendência para agravar com a intensificação do pastoreio decorrente do aumento do encabeçamento». Só que o ICNF «não emite pareceres neste âmbito».

Em relação à realização de culturas forrageiras (principalmente fenos) que «conflituam com a nidificação – uma vez que que são gadanhados em plena época de nidificação causando a perda dos ovos, crias e por vezes também de adultos –, o ICNF e o CIBIO promoveram junto do Gabinete de Planeamento e Políticas e da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo, a reflexão acerca de um conjunto de medidas destinadas a minimizar este impacto».

De tal forma que, recentemente, foi alcançado «um alinhamento de objetivos entre o ICNF, a Academia, as ONGA e ainda as instituições ligadas ao Ministério da Agricultura e Associações do sector», que, segundo a nota de esclarecimento do Instituto de Conservação da Natureza, «tornou possível arquitetar aspetos específicos do novo quadro de apoios agrícolas direcionados para a preservação das aves estepárias em geral, e em especial para o tartaranhão caçador».

O ICNF termina sublinhando que as queixas relacionadas com a salvaguarda da Rede Natura 2000 «decorrem do facto de Portugal estar em infração desde 2010 pelo atraso na elaboração, aprovação e publicação dos planos de gestão das Zonas Especiais de Conservação (ZEC) previstos na implementação da Rede Natura 2000».

«Os trabalhos em curso para corrigir essa situação levaram a que nos últimos dois anos, tenham sido elaborados 29 planos de gestão, estando prevista até final de 2023 a conclusão dos restantes, de modo a dotar todas as ZEC de Plano de Gestão, sanando assim o contencioso comunitário que se arrasta desde essa data».

 

 

 
 



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