«Lavrar o Mira e a Lagoa» começa com Viagem a Portugal, com paragem no Alentejo

De Fevereiro a Junho, vai ser intensa a programação cultural nos concelhos de Odemira e Santiago do Cacém

Meda de trigo na eira – Cercal do Alentejo (Monte do Cerro) Município de Santiago do Cacém, início da década de 1970. Fotografia – Maria Alice;  Cedência – Maria Alice e José da Luz

«Viagem a Portugal – Paragem Alentejo», um espetáculo de teatro documental pelo grupo Teatro do Vestido, marca, a 18 e 19 de Fevereiro, a abertura da nova temporada da programação «Lavrar o Mira e a Lagoa», produzida pela Cooperativa Cultural Lavrar o Mar, dirigida por Giacomo Scalisi e Madalena Victorino.

Pedindo emprestado o nome a José Saramago, os viajantes do Teatro do Vestido propõem-se «chegar a um local e olhar. Alentejo – tantos Alentejos – região densa e enorme. Habitar este local. Olhar com olhos de quem pergunta».

O espetáculo estreia-se na aldeia de São Domingos, no concelho de Santiago do Cacém (dias 18 e 19). Depois, já em Março (dias 11 e 12), ruma a Odemira, mas com uma apresentação diferente. Ambos partem de uma residência artística que decorreu nestes dois lugares em Novembro e Dezembro.

Giacomo Scalisi, programador cultural e dirigente da cooperativa Lavrar o Mar, em entrevista ao Sul Informação, explicou que Joana Craveiro, que dirige o espetáculo e é a autora do texto, «pesquisou toda esta relação que o Alentejo tem com os trabalhadores, com o povo, com a agricultura, toda esta história muito forte de relação do mundo do trabalho agrícola, com a cultura, com a política e com o movimento da sociedade».

Em Santiago do Cacém e em Odemira, embora com a mesma raiz, serão «dois espetáculos diferentes, com temáticas diferentes, tendo ecos que se complementam entre si».

Como os espetáculos têm sempre algo de surpreendente, neste caso «haverá um autocarro, que acompanha as pessoas num itinerário no meio do campo, passam por pequenas aldeias, casas do povo, vilas, etc».

 

Segue-se, ao longo de todo o mês de Março, a companhia francesa Attraction Céleste, que depois também estará no Algarve, em Alferce (Monchique), no âmbito da programação Lavrar o Mar.

Giacomo Scalisi revela que, em Santiago do Cacém (4, 5 e 6 de Março e ainda 11, 12 e 13) e em Odemira (18, 19 e 20 e ainda 15, 26 e 27), serão apresentados os dois «primeiros espetáculos desta companhia de clowns franceses», os atores-músicos Servane Guittier e Antoine Manceau, que dão vida aos palhaços «Bibeu e Humphrey», aliás o nome do primeiro desses espetáculos. O segundo é «Bobines». No Algarve, nos primeiros dias de Abril, será depois estreado o novo espetáculo.

«A ideia é ter esta companhia connosco mais tempo, aproveitando os recursos que eles têm. Entre uma semana e a outra eles vão fazer laboratórios, com escolas, com centros comunitários, com artistas, etc, seja em Santiago, seja em Odemira». E provavelmente também em Monchique.

Em Abril, nos dias 15 e 16, regressa o espetáculo «NÃO», encenado por Giacomo Scalisi, um espetáculo que se estreou no ano passado, em Outubro, e que agora será levado à cena em Odemira.

«NÃO é um espetáculo que nasceu a partir de um diálogo com o escritor Afonso Cruz sobre os seus livros Paz Traz Paz e O Livro do Ano e de alguns textos inéditos que surgiram após trocas de ideias. Desde o início desta criação, havia a clara vontade de falar a todo o público, e em particular às crianças e aos jovens, sobre a importância de se poder pensar em liberdade e de se poder ser ser humano como um dos melhores antídotos para combater o ódio. NÃO é como um lembrete de coisas importantes, das quais não nos podemos mesmo esquecer. É a história do “sim” que deveria ter sido “não”».

Serão novamente as atrizes Ana Root, Rita Rodrigues e Sofia Moura que vão interpretar os textos, da autoria do escritor Afonso Cruz, neste espetáculo. Haverá música – com canto polifónico – e também teatro.

Na sua entrevista ao Sul Informação, o criador do espetáculo salientou que faz todo o sentido apresentá-lo agora neste concelho do Litoral Alentejano. «Odemira está a criar uma nova dinâmica com o novo presidente da Câmara, que quer apostar muito a cultura, quer apostar numa grande transformação da vila e que se preocupa muito com as questões da integração». Além disso, o Município pretende voltar a afirmar as comemorações do 25 de Abril como o grande evento cultural do concelho. «Aqui, o 25 de Abril é uma celebração muito grande, pelo que reapresentar “NÃO”, que aborda os temas da liberdade, faz todo o sentido».

 

 

Para o dia 25 de Abril, feriado nacional, está reservada uma outra surpresa: a apresentação, em Odemira, do espetáculo de rua «Les Voyages», pela companhia de circo contemporâneo francesa XY.

Tal como aconteceu em 2019 na Arrifana (Aljezur) e Monchique, os 25 artistas da companhia vão andar pelas ruas, telhados, largos, paredes e postes de Santiago do Cacém (17 de Abril) e Odemira (25 de Abril), sempre em silêncio, mas conquistando, com as suas acrobacias às vezes aparentemente impossíveis, os olhares do público que os há-de seguir.

«Eles vão ficar uma semana em residência, vão conhecendo toda a vila, vão entrar em contacto com o espaço urbano, com as pessoas, e depois, no último dia, apresentam o espetáculo que é itinerante, pelas ruas fora».

Em Maio, regressará o projeto «Povoado», que mistura dança, música e palavra, e que, no ano passado, com direção de Ricardo Machado, foi apresentado no Cercal. Desta vez, estará a cargo de Madalena Victorino, Rémi Gallet e convidados, terá como palco a aldeia de Abela (Santiago do Cacém), nos dias 6, 7 e 8 de Maio.

Giacomo Scalisi explica que se trata de «um projeto com a comunidade, com a aldeia. São aldeias perdidas no meio do Alentejo, que recebem uma residência prolongada de um mês e meio a dois meses. O grupo de artistas está lá e com a realidade, com as pessoas, constrói um espetáculo. A Madalena e o Rémi farão a residência durante todo o mês de Abril, para apresentar o espetáculo em Maio».

 

Oiseaux ©MONsTR

E será já em Junho que a programação do projeto «Lavrar o Mira e a Lagoa» chegará, de facto, à tal lagoa, a de Santo André. Será com o, no mínimo, intrigante espetáculo de circo aquático «Balad’o», da Companhia Barolosolo.

Haverá acrobatas e acrobacias que até metem bicicletas, um funambulista a equilibrar-se no arame, especialistas em mastro chinês, gente cheia de músculo para sustentar tudo isto, músicos (contrabaixo, acordeão, guitarra, bateria e violino).

Músicos e artistas de circo realizam uma viagem onírica ao ar livre por caminhos paralelos onde se transformam ao longo de todo este exílio em metade homens e metade animais aquáticos para propor um espectáculo de circo completamente novo. Fogo de artifício e um grande baile compõem o final deste percurso fantástico.

Este «Balad’o» apresenta-se a 4 e 5 de Junho, às 19h00, no jardim ribeirinho junto ao rio Mira, em Odemira, e a 11 e 12, à mesma hora, junto à Lagoa de Santo André.

Lá mais para o fim do ano, em Novembro, regressará «Bowing», um espetáculo em Odemira com migrantes da Índia, do Nepal e do Bangladesh e que já tinha sido apresentado no ano passado. Madalena Victorino, a sua diretora, já anunciou que está à procura de «artistas interessados em arte participativa que tenham uma fisicalidade forte, gosto pela palavra, pela voz e energia para se aproximarem deste género de prática de criação».

Será promovido um workshop que tem a finalidade de «descobrir intérpretes, co-criadores com motivação para o trabalho artístico e site-specific com não-profissionais». Aliás, a busca de artistas destina-se a «dois projetos em espaço rural»: «Bowing», em Odemira, e «Povoado», a tal criação de cinco semanas com os habitantes da aldeia de Abela, em Santiago do Cacém.

Mas este segundo ano do projeto «Bowing», que culminará num espetáculo completamente novo em Novembro, começa já em Fevereiro com laboratórios com os alunos das escolas e com trabalhadores das estufas do concelho de Odemira.

Em muitos destes espetáculos no Alentejo, há público algarvio, que se habituou à qualidade da programação do Lavrar o Mar e assim vai à descoberta destes novos projetos em terras de Odemira e Santiago do Cacém. E, no Algarve, há também público alentejano. Além do mais, como se viu na programação acima, há momentos em que alguns dos espetáculos e artistas tanto se apresentam em Aljezur e Monchique, como nos concelhos vizinhos alentejanos.

No ano passado, lembrou Giacomo Scalisi, isso aconteceu com a companhia francesa Collectif Protocole e o seu espetáculo «Grande Errância», que começou numa ponta do concelho de Monchique, atravessou Aljezur, Odemira e terminou em Santiago do Cacém.

Este ano, há o exemplo da companhia Attraction Céleste, que também se irá apresentar de um lado e do outro da fronteira entre as duas regiões.

«A ligação do público entre Aljezur e Odemira, por exemplo, é muito fácil, até pela proximidade geográfica. Mas há muita gente que segue a nossa programação, sem se preocupar se é no Algarve ou é no Alentejo». Uma «conexão» entre regiões que poucos projetos conseguem alcançar.

A programação da cooperativa Lavrar o Mar só é possível graças aos financiamentos da Direção-Geral das Artes, Municípios de Aljezur, Monchique, Odemira e Santiago do Cacém, e ainda dos programas Compete 2020, Portugal 2020 e do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, Institut Français e Embaixada de França em Portugal.

 

 

 



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