ZERO denuncia: Avaliação Ambiental “faz de conta” tenta legalizar 3.000 hectares de regadio em Alqueva

Extensas violações ao ordenamento território, sem salvaguardas para as localidades afetadas, contributo adicional para o colapso da biodiversidade, são alguns dos problemas denunciados

Olival intensivo no perímetro de Alqueva – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável «dá parecer negativo» ao «projeto de 13 milhões de euros de dinheiros públicos» do Circuito Hidráulico da Cabeça Gorda-Trindade e respetivo Bloco de Rega, cujo período de consulta pública terminou a 29 de Novembro. A associação embientalista acusa a Avaliação Ambiental ser de «faz de conta», para «tentar legalizar 3.000 hectares de regadio em Alqueva».

O projeto para o Circuito Hidráulico da Cabeça Gorda-Trindade e respetivo Bloco de Rega foi proposto pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva, S.A. (EDIA) no âmbito da 2.ª fase do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA).

A ZERO, em comunicado, diz que dá «parecer negativo» desde logo «porque, antes do processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) estar concluído, já uma área equivalente à prevista no projeto (cerca de 80% desta) havia sido convertida a regadio através de contratos de utilização da água de blocos de rega do sistema de Alqueva (os designados precários)».

Segundo a associação, a EDIA alega que o novo bloco de rega irá evitar a proliferação de perímetros de rega “desordenados” – mas, na sua opinião, «este desordenamento já ocorre, tendo sido viabilizado pela água proveniente de Alqueva, cuja gestão está concessionada à própria EDIA».

Desde 2019 que a ZERO tem denunciado as vastas áreas em incumprimento do ordenamento do território, nomeadamente em áreas incluídas no projeto, correspondendo a violações ao Plano Diretor Municipal (PDM) de Beja – um PDM de segunda geração publicado já em 2014.

A categoria do espaço rural mais afetada é o Espaço Agro Silvopastoril, no qual está interdita a mudança para sistemas de exploração intensiva do solo, sendo incompatível com a tipologia de regadio promovida pelo EFMA. Ainda assim, «a EDIA tem permitido o uso de água nestes espaços, gerando grande parte das áreas em incumprimento do PDM de Beja – muito provavelmente mais de 6.000 hectares».

Por outro lado, em 70% da área proposta para o sub bloco Cabeça Gorda, vigora esta interdição à intensificação, «encontrando-se uma porção significativa já em violação das regras de ordenamento».

Por outro lado, salienta a ZERO, «ao contrário do alegado inicialmente no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), as plantações em regadio que foram instaladas de forma irregular não dependem exclusivamente de fontes próprias, mas sobretudo dos perímetros de rega geridos pela EDIA, a entidade proponente».

A ZERO recorda ainda, no seu comunicado, que o Regulamento do PDM de Beja prevê a existência de Faixas de Proteção Sanitária e Paisagística, por forma a salvaguardar áreas sensíveis da exposição a riscos advindos de várias atividades económicas, incluindo a agricultura.

A Cabeça Gorda e a Trindade serão localidades em que o perímetro de rega proposto ficaria muito perto do espaço urbano, e a Salvada ficaria rodeada de blocos de rega. Por isso, «esperar-se-ia uma atitude responsável por parte da EDIA em prever medidas de precaução e prevenção da exposição aos riscos inerentes da industrialização do espaço rural (como a aplicação de agroquímicos) e a própria degradação da qualidade da paisagem».

No entanto, «o projeto em avaliação não identifica estas faixas de proteção e não propõe medidas equivalentes que possam salvaguardar as populações rurais», garante a ZERO.

O EIA admite também efeitos negativos importantes para a biodiversidade, especialmente em espécies protegidas da avifauna estepária – como a abetarda (Otis tarda) e o sisão (Tetrax tetrax) – e flora associada a sistemas agrícolas extensivos. Estes impactes negativos são especialmente preocupantes devido à proximidade de áreas classificadas.

No entanto, as medidas mitigadoras previstas, assegura a ZERO, «cingem-se à monitorização, o que, na prática, se vai traduzir numa inútil atividade de registo do colapso da biodiversidade provocado pelo projeto».

Por isso, salienta a organização não-governamental de ambinete, «é necessária uma avaliação alargada da 1.ª fase do EFMA». É que, conclui, «está em curso o aumento da área regada por Alqueva em mais 50.000 hectares». Este incremento em área ocorre «sem uma pós-avaliação da primeira fase de implementação do regadio e perante uma área em que o regime precário conta já com milhares de hectares».

Há mais de um ano que a ZERO vem apelando «para a necessidade de se proceder a uma análise alargada e independente aos impactes do EFMA, começando pela própria sustentabilidade da gestão dos recursos hídricos perante os cenários climáticos previsíveis para a região do Alentejo, mas também o custo-benefício para economias locais e os impactes sócio-ambientais na área de influência de Alqueva».

 

 

 



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