Agressão a imigrantes em Odemira repudiada pelo Município, OAdvogados e LIVRE

Sete militares da GNR estão acusados de 33 crimes, por causa das agressões cometidas contra imigrantes no concelho de Odemira, filmadas com os seus telemóveis

O executivo municipal de Odemira «repudia toda e qualquer forma de violência e todos os comportamentos que não respeitem os direitos humanos», informou esta tarde, em comunicado, o presidente da Câmara daquele concelho do litoral alentejano.

Hélder Guerreiro reagiu, assim, aos «atos de tortura e agressão de militares da GNR contra cidadãos imigrantes residentes no concelho de Odemira», divulgados ontem pela CNN Portugal e pela TVI.

Segundo o que foi divulgado pelos dois canais de televisão, sete agentes fardados da GNR de Vila Nova de Milfontes filmaram os seus próprios atos de tortura sobre imigrantes em Odemira.

Depois de analisadas as imagens, o Ministério Público afirma, num despacho de acusação de 10 de Novembro deste ano e ao qual a CNN Portugal e a TVI tiveram acesso, que os sete militares, que estão acusados de 33 crimes, o faziam «em manifesto uso excessivo de poder de autoridade que o cargo de militar lhes confere» e que «todos os arguidos agiram com satisfação e desprezo pelos indivíduos».

As provas tinham sido apreendidas em 2019 pela Polícia Judiciária, quando esta recolheu os telemóveis a cinco militares do posto da GNR de Vila Nova de Milfontes, suspeitos de alegados maus tratos a imigrantes.

Num dos telemóveis, de um guarda de 25 anos, havia as imagens que a CNN e a TVI ontem divulgaram e que mostram cenas de violência, insultos xenófobos, humilhações e tortura física contra trabalhadores migrantes na região, do Bangladesh, Paquistão e Nepal. Num dos vídeos, um imigrante é obrigado a inalar gás pimenta, altamente tóxico.

Os sete guardas da GNR, um dos quais já foi, entretanto, expulso desta força devido a um caso semelhante, montavam falsas operações stop para apanharem os incautos imigrantes.

Perante estes factos, o presidente da Câmara de Odemira, reafirmando que «não serão concedidas entrevistas sobre o assunto», lamenta «profundamente o sucedido», apresentando mesmo «uma palavra de solidariedade para com os cidadãos imigrantes visados».

O autarca, tal como já tinha afirmado em entrevista ao Sul Informação, defende que «as Pessoas são o recurso mais valioso de Odemira, um território de inclusão e interculturalidade».

Hélder Guerreiro acrescenta confiar «na Justiça e nas diferentes instituições responsáveis» e defende que «o assunto deve ser tratado até às últimas instâncias para apurar a verdade, as devidas responsabilidades e consequências».

O presidente da Câmara diz ainda acreditar «que os factos relatados não refletem a normal atuação da GNR, entidade com a qual os autarcas de Odemira têm sempre mantido uma relação de colaboração e respeito, sendo importante que se mantenha a confiança nas forças de segurança».

O comunicado de Hélder Guerreiro termina com um lamento do autarca: «que Odemira continue a ser notícia pelas piores razões, uma vez que este é um território gerador de boas práticas, de boas gentes, de uma natureza ímpar, uma gastronomia única, capaz de atrair anualmente milhares de visitantes». «Odemira é um território único e fantástico!», conclui.

 

Ordem dos Advogados sublinha potencial violação direitos humanos

Também a Ordem dos Advogados já reagiu a mais estes casos, considerando-os como uma «potencial violação direitos humanos».

Em comunicado, a Ordem dos Advogados (OA) diz que, «na sequência da acusação de sete elementos da GNR de um total de 33 crimes, por humilharem e torturarem imigrantes em Odemira», «é manifesto que existe um problema seríssimo e preocupante de potencial violação de direitos humanos com a população migrante neste região que importa resolver».

Para a OA, toda esta situação «vai contra a própria Constituição da República».

Consubstanciando a «denúncia e a preocupação» da Ordem dos Advogados, que esta considera que «deveria ser aliás, transversal a toda a sociedade, e sobretudo, às autoridades com competência para tal», é tornado público o relatório elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA), que em Maio passado, e na sequência da cerca sanitária imposta pelo Governo, se deslocou à região para in loco aferir das condições de habitabilidade e sanitárias disponibilizadas aos trabalhadores agrícolas afetados pelo surto que ali ocorreu.

No terreno, a CDHOA «constatou a existência de situação precária e de exploração laboral de trabalhadores rurais estrangeiros potencialmente ilegais, no Concelho de Odemira, evidenciadas pelas condições degradantes e miseráveis de alguns trabalhadores agrícolas ali a residir».

De imediato, a Comissão «reagiu e alertou as diversa entidades sobre as mesmas, tendo-se, desde Maio até ao momento presente, desdobrado em várias diligências com entidades governamentais para resolver esta situação, mas sem muitas respostas às solicitações».

A Comissão de Direitos Humanos da OA acrescenta que está «empenhada e focada em promover a dignidade e as condições de vida e profissionais aos imigrantes trabalhadores rurais, realçando que a solução deste problema social, agravado pela pandemia, passa pela união de esforços».

Mostra-se mesmo «disponível para colaborar para a sua resolução o quanto antes», mas afirma que não tem «visto vontade política para tal, o que lamenta».


Do relatório da Comissão de Direitos Humanos da OA, pode concluir-se que:
1ª) Sem se olvidar dos riscos inerentes à situação pandémica vivenciada na atualidade, restou apurada as parcas condições de habitação e de condições mínimas de vida desses trabalhadores, à luz da legislação em vigor, bem como aos princípios basilares da dignidade da pessoa humana;2ª) Verificado, inclusivamente, um clima de certa “submissão” e “silêncio”, por parte desses trabalhadores a lograr atingir o seu objetivo de obtenção futura da nacionalidade portuguesa, destacamos que, a nível de processos judiciais, será fundamental, por parte de quem de direito, a produção de prova para memória futura;3ª) A nível laboral e de acesso à saúde, urge a legalização dos aludidos trabalhadores, bem como o acesso ao direito por parte dos mesmos;4º) Por fim, é indiscutível a necessidade de realojamento dos mesmos, em condições condignas e a tutela efetiva de seus direitos laborais à luz das normas nacionais e internacionais em vigor:5º) Esta situação, por ainda não estar ainda resolvida, não existir um plano de resolução efetivo e a ser executado no terreno para resolver os problemas anteriormente referidos, e existindo a possibilidade de direitos humanos estarem a ser violados, a CDHOA continua a encetar várias diligências até que o poder político demonstre publicamente e execute um plano de ação nas várias vertentes acima referidas e a saber: habitação, segurança social, acesso a um advogado, entre outras.

 

LIVRE condena brutalidade e xenofobia nas forças de segurança

Da parte dos partidos políticos, o único que já reagiu oficialmente foi o LIVRE, que considerou que «o caso trazido a público pela comunicação social sobre as agressões e humilhações a imigrantes por parte de militares da GNR é chocante» e, por isso, merece o seu «maior repúdio».

Esta força política recorda que «a existência de racismo e de xenofobia nas forças policiais portuguesas tem vindo a ser constantemente denunciada».

«A ONU pediu explicitamente ação sistémica contra o racismo e fim da impunidade da violência policial, no Relatório das Nações Unidas que investigou violações do Direito Internacional dos Direitos Humanos pela polícia, ainda este ano», recorda o LIVRE.

Para este partido, «a violência policial é a violência do Estado, pelo que devem ser assumidas todas as responsabilidades por parte das entidades competentes».

«O racismo estrutural descredibiliza as instituições do país e fragiliza a atuação do Estado. É preciso, por isso, lutar contra a impunidade da violência policial e institucional face às minorias nacionais, garantindo a justiça a todos aqueles que habitam o solo português, independentemente da sua nacionalidade, das suas origens étnicas e da sua condição social», acrescenta o LIVRE no seu comunicado.

«Este caso chocante em Odemira vem novamente demonstrar a urgência e necessidade de combater o racismo e xenofobia dentro das forças de segurança. Os responsáveis destas forças têm de primar pelo zelo e segurança de todas as pessoas, sem exceção. Comportamentos como os demonstrados não podem ser tolerados e são atentatórios aos Direitos Humanos», sublinha.

O LIVRE exige, por tudo isso, uma «ação clara e inequívoca no combate ao racismo e xenofobia e na defesa dos Direitos Humanos».

«Tem de ser claro que comportamentos racistas não têm lugar nas forças de segurança. O recrutamento deve ser rigoroso e qualquer manifestação racista por parte de um agente da autoridade deve levar ao seu afastamento definitivo. A formação em políticas anti-racistas a todos os elementos das forças de segurança é também essencial para o combate ao racismo estrutural», defende o LIVRE.

Para este partido, «a tolerância zero ao racismo e à violação de direitos humanos por parte das forças de segurança deve ser a prioridade clara e assumida do Ministério da Administração Interna, nomeadamente do próximo governo».

 



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