Investigadora da UÉ está a desvendar as trajetórias dos objetos estrangeiros e coloniais nos museus portugueses

Quando visitamos os museus históricos portugueses, nomeadamente de arqueologia, é bem provável que nos deparemos com coleções estrangeiras, com objetos oriundos de Itália, do Egipto, mas também de vários pontos de África, da Ásia, da América e da Oceânia

Qual o significado da circulação de bens culturais provenientes de Itália, Grécia, Egito, África, Ásia e América, particularmente no século XIX e na primeira metade do século XX? Como foi desencadeado o deslocamento destes bens culturais? Como chegaram estes objetos a Portugal e quando? Quem os recolheu? Com que objetivo foram deslocados dos seus lugares de origem? De que forma foram inseridos nas várias etapas de existência dos museus? Que valores e significados assumiram ao longo do tempo?

São estas e outras questões que Elisabete Pereira, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC), polo da Universidade de Évora (UÉ), pretende desvendar.

Como estas coleções estão relacionadas com fases de afirmação da arqueologia e da antropologia, «a história da ciência é aqui fundamental», realça a investigadora a coordenar o projeto “TRANSMAT – Materialidades transnacionais (1850-1930): reconstituir coleções e conectar histórias”, onde, através da investigação, pretende apresentar a compilação e sistematização de dados académicos sobre a circulação de bens culturais e das suas implicações culturais, sociais e políticas.

«Optámos por centrar a nossa atenção nas coleções estrangeiras que, em contextos museológicos portugueses, procuraram representar outros contextos: sejam coleções arqueológicas de contextos geográficos europeus ou africanos (ex. Itália ou Egito) ou coleções etnográficas e coloniais, então representativas dos designados à época “primitivos contemporâneos”», desvenda a investigadora, doutorada em História da Ciência pela Universidade de Évora

O foco deste projeto de investigação, levado a cabo por Elisabete Pereira, será colocado nas importantes, e em parte desconhecidas, coleções transnacionais do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa) e do Museu Municipal Santos Rocha (Figueira da Foz).

Embora diferindo no seu âmbito, um museu nacional e um museu regional, estas instituições partilham o facto de preservarem nos seus acervos coleções arqueológicas, etnográficas/antropológicas de diversas proveniências – que exibem atualmente ou exibiram no passado – com o objetivo de educar e instruir sobre outros tempos históricos ou diferentes contextos humanos e geográficos.

Elisabete Pereira dá o exemplo do Museu Nacional de Arqueologia que, em 1893, tal como outros museus europeus, criou uma secção e arqueologia de comparação. Para além das coleções nacionais de arqueologia e etnologia, destinadas a promover o conhecimento da história e identidade nacionais, o museu apresentava uma coleção de objetos estrangeiros, que permitiam, por um lado, constatar a diversidade do mundo e, por outro, entender os testemunhos materiais pré-históricos, através dos objetos dos, então designados, «selvagens contemporâneos» ou «povos não civilizados da época contemporânea».

No Museu Municipal Santos Rocha, criado apenas um ano depois, 1894, existia a mesma tipologia de objeto transnacionais e os mesmos objetivos.

A investigadora propõe, desta forma, produzir conhecimentos sobre os complexos processos de construção destas coleções comparativas, conhecer os intervenientes e os seus contextos de interferência com o percurso das coleções, identificar os vários níveis de práticas culturais e científicas, entender os objetos, os seus itinerários e os seus múltiplos significados ao longo do tempo e nos vários espaços por onde circularam.

Além de Elisabete Pereira, integram a equipa do projeto TRANSMAT os investigadores do IHC, polo da Universidade de Évora, Maria de Fátima Nunes (co-coordenadora) e Quintino Lopes, Jorge Croce Rivera (CHAIA da UÉ), bem como António Camões Gouveia (CHAM — NOVA FCSH), Joana d’Oliva Monteiro (IHA — NOVA FCSH), Ana Ferreira e Ana Paula Cardoso (Museu Municipal Santos Rocha), António Carvalho e Patrícia Baptista (Museu Nacional de Arqueologia).

O projeto recebeu um financiamento de cerca de 250 mil euros para três anos, tendo sido o primeiro classificado ex-aequo no painel Filosofia — História e Filosofia da Ciência, num concurso da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), altamente competitivo, já que apenas 5% dos projetos foram financiados.

 



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