APA exige que Associação de Beneficiários do Mira reponha caudal ecológico do rio

ABM respondeu à Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha que não tem qualquer obrigação de manter caudal ecológico

Rio Mira quase seco, a jusante da Barragem de Santa Clara – Foto: Frank McClintock

A Agência Portuguesa de Ambiente (APA) enviou à Associação de Beneficiários do Mira, na quarta-feira, dia 16 de Junho, uma comunicação «solicitando que sejam operacionalizadas as medidas necessárias à minimização» do corte do caudal ecológico do rio Mira, a jusante da Barragem de Santa Clara.

André Matoso, diretor regional da APA/Administração da Região Hidrográfica do Alentejo, revelou ao Sul Informação que, na mesma comunicação, a ABM foi alertada para os «potenciais problemas que advirão» se não tomar medidas para corrigir a situação «com a máxima brevidade».

O mesmo responsável acrescentou que «não foi indicado [à ABM] um prazo concreto», mas foi «transmitida a necessidade de ser resolvida esta situação com a máxima brevidade».

O corte do caudal da água que sai da Barragem de Santa Clara levou a que o nível das águas a jusante da albufeira descesse de forma drástica, como se pode ver na imagem acima. Além de causar problemas a quem usa a água do rio para rega, este corte põe também em causa a vida selvagem no vale de Santa Clara.

Fernando Peixeiro, presidente da Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha, em comunicado público, considera que esta situação, que já se arrasta desde o início do mês de Junho, é «uma iminente catástrofe ambiental».

Aliás, apesar de o autarca ter denunciado a situação à APA a 2 de Junho, só duas semanas depois, a 16, como admitiu ao nosso jornal o próprio diretor regional, aquela entidade enviou à Associação de Beneficiários do Mira, que gere a barragem, uma missiva pedindo que tomasse medidas para corrigir a situação.

André Matoso salienta que «relativamente à situação do espelho de água que margina o núcleo urbano [de Santa Clara], verifica-se que este se encontra com um volume de água bastante reduzido, o que poderá causar, a breve prazo, a criação de maus cheiros, decorrentes da exposição dos sedimentos lodosos acumulados nas margens e fundos, bem como da morte da fauna aquática que depende da existência de água com níveis de oxigénio suficientes».

Por seu lado, no seu comunicado, o presidente da Junta de Freguesia adianta que a ABM terá informado «que não tem obrigação de garantir o caudal ecológico» do rio Mira.

Na sua resposta, a entidade que gere a barragem acrescentou que, para recarregar o espelho de água, esse volume seria «cobrado à Junta de Freguesia de acordo com o tarifário em vigor»…tendo sido apresentado um orçamento de cerca de 13.500 euros (mais IVA) para garantir um caudal mínimo entre 15 de Junho e 15 de Setembro.

Este é o segundo conflito em que a Associação de Beneficiários do Mira se vê envolvida nestes últimos dias. Antes, alegando que o volume de água na Barragem de Santa Clara está muito baixo, a ABM já tinha decidido cortar o fornecimento a pequenos consumidores, uma decisão que foi criticada em comunicado conjunto das Câmaras Municipais de Odemira e de Aljezur.

Isto afeta «centenas de pequenos consumidores nos concelhos de Aljezur e de Odemira, na maioria pequenos empresários», pondo «negócios em risco, pequenas hortas em risco, criação de animais em risco» e criando uma «situação de profunda injustiça, para quem durante anos usufruiu deste bem essencial, pagando a respetiva fatura», sublinharam aquelas autarquias.

Rio MIra junto a Santa Clara-a-Velha – Foto: Juntos pelo Sudoeste

A este propósito, o movimento Juntos pelo Sudoeste, em comunicação enviada à APA já em 20 de Maio passado, chamava a atenção para o facto de, ao mesmo tempo em que «há pequenos proprietários que estão a ver o abastecimento de água cortado pela ABM», há também «novas explorações gigantescas a serem montadas sob plástico».

Por isso, sublinham, «trata-se apenas de continuar a garantir água barata para os “grandes” e água cara para os “pequenos”».

Em novo email, datado de 17 de Junho, o movimento Juntos pelo Sudoeste acrescentava: «Não é possível continuar neste caminho cego de apoio à agricultura intensiva, manter ou aumentar o nível de irrigação, apesar do que afirmou o ministro do Ambiente na Assembleia da República, sob pena de causar a morte do rio Mira e colocar ainda em maior risco a sustentabilidade ambiental e social na região do Sudoeste de Portugal».

O Sul Informação contactou, na quinta-feira, por email, com a ABM, procurando obter esclarecimentos sobre as razões para o corte do caudal do Mira, mas, até à hora da publicação deste artigo, não foi recebida qualquer resposta.

No entanto, se a razão apontada pela ABM é a falta de água, porque é que se comprometeu a fornecê-la se a Junta de Freguesia a pagasse?

Guarda-rios, uma das aves que pode ser afetada – Foto: Frank McClintock

Tendo em conta que o corte do caudal ecológico do rio Mira afeta zonas da Reserva Ecológica Nacional, de Rede Natura 2000 e até o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, o Sul Informação quis também saber qual a posição do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) sobre esta questão.

Joaquim Castelão Rodrigues, diretor regional do Algarve do ICNF e responsável por aquele Parque Natural, respondeu apenas que, na próxima segunda-feira, se reunirá o Grupo de Trabalho do Mira, ao qual foi confiada a missão de acompanhar e propor as medidas necessárias para assegurar o cumprimento do disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2021, de 4 de Junho passado, e que «adapta o regime especial e transitório aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira».

Esta reunião deverá contar com a presença do secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, que preside ao Grupo de Trabalho do Mira, e contará com um representante da Associação de Beneficiários do Mira. Tendo em conta esta reunião, Castelão Rodrigues, em representação do ICNF, acrescentou que «de momento, nada temos a pronunciar».

Frank McClintock, um naturalista britânico residente na zona há muitos anos, profundamente conhecedor da área, lamentou que «uma enorme quantidade de danos já tenha sido causada», mas espera que, «com sorte, estes danos possam ser agora limitados».

«Como qualquer pessoa com algum conhecimento do Mundo Natural saberá, esta época do ano é a mais movimentada para todas as aves e animais, uma vez que têm crias para alimentar», acrescenta o naturalista, que também tem um alojamento local em Santa Clara-a-Velha, onde recebe sobretudo turistas interessados em observação de aves e na riqueza natural.

«Dentro do razoável, as aves terão mais facilidade do que a maioria dos animais em adaptar-se às circunstâncias atuais, alteradas, mas este não será o caso dos mamíferos que dependem de uma certa profundidade de água, tanto para alimentação, como para cobertura, e que, neste momento, estarão a criar as suas crias com uma procura crescente de alimentos», explicou.

Rato-de-água na boca de um tourão, no rio Mira quase sem água – Foto: Frank McClintock

«Infelizmente, era demasiado tarde para este rato-de-água (Arvicola sapidus) que observei na boca deste tourão (Mustela putorius). Foi apanhado pela falta de cobertura, causada pela queda notória do nível da água do rio. É duplamente triste, pois o rato-de-água é uma espécie protegida que se encontra na Lista Vermelha da IUCN como “vulnerável”». acrescentou Frank McClintock.

 

 



Comentários

pub