Turismo e agricultura podiam viver em paz, mas «o paraíso acabou» no Sudoeste

«A Câmara não manda nada e o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas) põe um carimbo e podes instalar o que quiseres»

Luísa Rebelo teve um terreno perto da Zambujeira que acabou transformado em estufa e há 16 anos explora um turismo familiar que está também rodeado de estufas. Fala do «paraíso» que acabou e culpa o Governo.

Crítica, muito crítica de tudo o que se passa na região, onde o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) e a zona de rega do Mira disputam o mesmo espaço, Luísa Rebelo não tem dúvidas de que é o Governo o culpado pela desorganização que se vive e diz que turismo e agricultura até podiam conviver em harmonia.

E há coisas que não entende. Conta uma delas assim: teve um terreno de 11 hectares perto da Zambujeira do Mar, herança, que pôs à venda e para o qual apareceram duas propostas – um senhor que queria construir uma casa de férias e outro que queria construir estufas. Vendeu ao primeiro, que fez um projeto que nunca foi aprovado e que por isso teve de vender o terreno, comprado pelo empresário que rapidamente lá ergueu uma estufa de tomate, em vidro e com alicerces em cimento.

E como é que isto acontece? «Porque a Câmara não manda nada e o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas) põe um carimbo e podes instalar o que quiseres».

Luísa Rebelo nunca mais foi ao terreno. Dedica-se a gerir a Casa da Seiceira, de turismo rural, na freguesia de São Teotónio, perto das praias do Carvalhal, Amália ou Machados. Mas está «rodeada de estufas».

«Isto era um paraíso. Já havia uma ou outra estufa mas nada como está agora», diz, culpando o Governo por permitir esse aumento de estufas com uma resolução do Conselho de Ministros em 2019, apesar de já nessa altura haver pedidos de legislação para que houvesse um controlo da agricultura intensiva na zona.

«Tudo aquilo que estamos a viver neste momento é culpa do Governo central», que não cria leis para que o PNSACV e a agricultura possam coabitar, que façam da agricultura intensiva «uma coisa ordenada».

Luísa Rebelo conta à Lusa que foi ali, na Casa da Seiceira, a primeira reunião para criar o projeto Rota Vicentina, uma associação privada que junta empresas locais para promover o turismo e a cultura local nomeadamente através de trilhos, e que pouco tempo depois já estavam de novo a reunir-se e a fazer comunicados e alertas.

«É evidente que se isto não for travado estes investimentos não vão servir para nada. Já tive alguns clientes que diziam que não podiam olhar para o lado esquerdo. As pessoas vão começando a manifestar-se contra estufas», diz.

Numa altura em que tanto se falou das condições em que vivem os imigrantes sazonais na região, depois de um surto de covid-19, que obrigou à imposição de uma cerca sanitária, Luísa Rebelo diz que os «imigrantes são os menos culpados», lembra que a associação Casas Brancas (de setores do turismo) angariou uma tonelada de alimentos para os imigrantes, diz que as situações em que vivem são desumanas e admira-se que «só agora» Portugal tenha acordado.

E lamenta também que se abram as portas para que entre pessoas sem contratos de trabalho, que sobrecarregam as estruturas da região.

«É impensável que uma região consiga absorver tanto imigrantes como o número de residentes. Isto vai criar conflitos. E o pior é que muitos destes imigrantes não vêm para trabalhar, vêm para se legalizar e depois vão embora. Chegaram aqui por máfias que os trazem. Conhecemos situações que são denunciadas há muito tempo, mas nunca ninguém quis saber», aponta.

Luísa Rebelo continua: «sabemos de casos em que chegam aqui, alugam um supermercado e têm 20 empregados. Estas pessoas pagaram para chegar aqui, fazem-lhe contrato até elas poderem ter subsídio de desemprego, esse subsídio é para pagar a quem os trouxe e a casa e ficam quase sem nada. E vão buscar mais pessoas, que não vão trabalhar na agricultura»

Sentada num alpendre do interior da casa, revoltada com o que por estes tempos se passa na região, lamenta também que lhe «encham os ouvidos» com a contribuição para o PIB da agricultura intensiva de Odemira e pergunta quantos milhões ficam de facto no país, quanto fica no concelho, pergunta se não será o turismo, o setor mais prejudicado, que deixa mais dinheiro.

E reafirma que não é contra a agricultura, é sim contra a «irresponsabilidade e negligência», incluindo no planeamento da água, um bem que começa a escassear. «Há toda uma população e economia em causa por causa da negligência do Governo».

Uma das funções do PNSACV é evitar a construção desenfreada junto à costa, mas não impede as estudas junto à costa, diz, falando dos locais inseridos na Rede Natura 2000, mas também da desmatação, da destruição de ecossistemas.

Luísa Rebelo espera que agora, com tanto barulho à volta da região devido à cerca sanitária que acabou na semana passada, o sacrifício não tenha sido em vão. «Todos esperam isso», porque caso contrário vai haver «uma série de conflitos, que podem ser graves».

«Quero acreditar que isto tem de mudar». E depois, no plural: «o sentimento que temos é o de que o Governo não se preocupa connosco».

 



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