Sérgio Godinho é «sofisticado e inovador» revela estudo da Universidade de Évora

Justifica-se a realização de um estudo mais detalhado sobre a fraseologia/prosódia da poesia de Sérgio Godinho

Sérgio Godinho – Foto: Flávio Costa | Sul Informação

Apesar da utilização de instrumentos tradicionais portugueses, e de pontualmente utilizar ambientes rítmicos com algumas afinidades com a música tradicional portuguesa, não é isso que define a música do compositor Sérgio Godinho. A conclusão é de Vasco Belo Agostinho, no âmbito da sua tese de mestrado em Música, na Universidade de Évora.

O investigador procedeu à transcrição, análise, e estudo da música do compositor com o fim de compreender que elementos musicais estão presentes, explorar a sua viabilidade no contexto da música improvisada, e refletir como é que os músicos improvisadores se podem relacionar com estes elementos na sua performance, tudo isto no âmbito da tese de mestrado denominada “A música de Sérgio Godinho e sua adaptação para a música improvisada”.

Considerado um dos nomes mais importantes da música em Portugal do pós 25 de Abril, “a sua obra inclui elementos musicais e influências com as mais diversas origens”, começa por explicar Vasco Belo Agostinho, relevando que a música do compositor é “dotada de uma enorme sofisticação rítmica, melódica e harmónica que o tornam um músico fundamental, e a sua música um veículo de excelência para o músico improvisador”.

A sua definição como músico popular português parece, porém, resultar mais “da sua origem nacional e localização geográfica do que dos elementos que compõem a sua música”, assim destaca Vasco Belo Agostinho a propósito do músico nascido na cidade do Porto a 31 de agosto de 1945.

O estudante da UÉ recorda que a improvisação como método de composição musical existe desde sempre nas mais diversas tradições musicais, onde o jazz, no início do século XX, veio dar um novo fôlego à sua utilização, recorrendo este à música popular da época como ponto de partida para novas peças musicais.

Como resultado, deu-se o aumento do volume de negócios, a realização de mais espetáculos e aproximou o público desta forma de expressão artística.

Para o sucesso desta forma de fazer música, terá contribuído o facto de, “durante algum tempo, as duas músicas terem crescido em conjunto, com cada uma a contribuir com elementos determinantes para a construção das mesmas, e do que é hoje um conjunto de linguagens musicais disseminadas por todo o mundo”, referindo-se à música popular e ao jazz.

Desta forma, “não tendo a mesma simplicidade da música popular norte-americana do início do século XX, a música de Sérgio Godinho pode, em muitos casos, ter de sofrer reduções para que possa proporcionar ao músico improvisador os elementos necessários para a sua utilização”, destaca Vasco Agostinho.

Por outro lado, “a sua riqueza geral pode servir como inspiração uma vez que qualquer arranjo com o objetivo de enriquecer a música se torna desnecessário, ou simplesmente facultativo” acrescenta o estudante para quem ficou claro com este trabalho que ao longo da história da música improvisada a escolha do reportório tem sido um fator de renovação e inspiração para o músico improvisador.

Sérgio Godinho – Foto: Flávio Costa | Sul Informação

 

A análise efetuada à música de Sérgio Godinho demonstrou que esta “contém elementos musicais comuns na música improvisada, mas combinados com elementos menos comuns, originais, de considerável sofisticação, que não só podem fazer da sua música um veículo de excelência para a improvisação, como podem ainda suscitar no músico improvisador novas abordagens ao seu reportório habitual”, salienta Vasco Agostinho sobre o autor de êxitos como «O Elixir da eterna juventude» ou de «Com um brilhozinho nos olhos».

“Sendo o Jazz uma música de fusão por natureza, o mesmo poder ser dito acerca da música de Sérgio Godinho”, ficando claro a utilização da música do compositor “não apenas para substituir os standards do cancioneiro americano, como para renovar os recursos utilizados pelos músicos improvisadores”. Entre estes recursos encontram-se na música do cantor português elementos de todos os tipos. Rítmicos, harmónicos e melódicos.

Sérgio Godinho “cresceu e foi influenciado pelos mais diversos estilos musicais e isso é evidente na sua música, não apenas através das suas composições e arranjos, mas também pela inclusão de músicos com as mais diversas experiências musicais nos seus trabalhos”.

Existem ainda enormes lacunas na documentação do artista, tanto em aspetos do foro musicológico, como em aspetos mais relacionados com a música, como a sua discussão nos meios académicos, edição de partituras, e respetiva utilização. Para Vasco Belo Agostinho, justifica-se a realização de um estudo mais detalhado sobre a fraseologia/prosódia da poesia de Sérgio Godinho, “de modo a apurar a influência desta na composição musical ou da relação entre os diversos tipos de música popular na segunda metade do século XX”.

Revelando ter ficado surpreendido pela “pouca informação produzida sobre o compositor” e a sensação “de que está tudo por fazer”, Vasco Belo Agostinho confessa que o que mais o surpreendeu “foi a complexidade da música” de Sérgio Godinho onde é possível “observar de imediato que se trata de música muito especial e invulgar, e aparentemente com um certo nível de simplicidade, que lhe permite ser conhecida e apreciada por diversas gerações de portugueses”.

Como músico de Jazz habituado a admirar compositores como Wayne Shorter, Thelonious Monk, ou John Coltrane, só para referir alguns, este estudo “permitiu-me constatar que Sérgio Godinho tem igual nível de sofisticação e inovação na sua música. Isto é aliás o que eu gostaria de destacar neste trabalho” revela, esperando que este trabalho possa “contribuir para que mais estudos deste género sejam produzidos, e que dessa forma seja não só feita justiça a um dos grandes compositores portugueses, como se aproveite uma oportunidade para aprender com um dos mais importantes artistas da nossa história”.

O mestre em Música pela UÉ considera que, “numa época de forte globalização, os músicos terão deixado de ser influenciados apenas dentro do seu espaço geográfico, e terão começado a contactar mais com recursos musicais que já não eram exclusivos de uma determinada cultura ou linguagem musical”. Este facto terá levado a alterações dentro de cada cultura, com especificidades em cada uma, mas também com resultados comuns.

Aprofundar este assunto através duma abordagem musicológica, e também com análise musical, poderia ser uma forma de compreender melhor a história da música, e também a própria música do século XX, para além da música dos nossos dias.

 

 
 



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