Indignação, tristeza e revolta na cerca sanitária em Odemira

Cerca sanitária entrou em vigor às 8h00

São Teotónio

Indignação, tristeza e revolta são sentimentos manifestados pelos habitantes da vila de São Teotónio, no concelho de Odemira, em Beja, no primeiro dia de cerca sanitária imposta devido à elevada incidência de casos de covid-19.

As freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve estão desde as 8h00 em cerca sanitária, com seis pontos de passagem controlados pela GNR, estando interditada a circulação por via rodoviária de e para aquelas duas freguesias, assim como a permanência na via pública, exceto nas situações detalhadas num diploma publicado na quinta-feira.

Na fronteira com o Algarve, a vida em São Teotónio parece aparentar alguma normalidade, algo que se desvanece quando, no largo da vila, se juntam três equipas de televisão em reportagem ou quando se fala com os habitantes.

“É um sentimento triste, isto era tranquilo, ótimo, mas agora não está capaz”, lamenta à Lusa o senhor António, optando por revelar apenas o primeiro nome.

Já reformado, considera que deveria ter havido um “maior controlo” nos trabalhadores rurais, “muitos deles clandestinos”, afirmando que agora são os portugueses “quem paga a fava”. Quanto a melhorias na atual situação, não acredita que as haja “em breve”, mas considera que os habitantes “têm de se prevenir”.

Num largo onde fitas brancas e vermelhas tentam impedir que as pessoas se sentem nos bancos de jardim, muitos habitantes deslocam-se para tomar um café ou para fazer compras no comércio local que ainda tem a porta aberta.

Fernando Pereira, acordeonista e proprietário de um snack-bar, classifica a atual situação como “uma calamidade total”, desabafando sobre a sua situação enquanto músico, que o impede de ter receitas há mais de um ano.

“Há mais de um ano que não faço um tostão, o último baile que fiz foi em Março do ano passado. As ajudas dão como uma mão e tiram com a outra. Recebo 200 euros da segurança social e pago 65, a minha esposa outros 200 e paga 95. Tenho um filho com 20 anos ainda na escola e as contas e a casa para pagar”, confessa.

O músico revela que a situação “não chegou a um extremo” por ter “algum conforto financeiro por trás”. No snack-bar do qual é proprietário, não faz “um tostão há quatro meses”, mas queixa-se de ter na mesma “de pagar as contribuições”.

A cerca sanitária imposta à freguesia devido à elevada incidência de Covid-19 no setor agrícola ainda veio “piorar a situação”, afirma, mostrando-se indignado, não com “colocação das estufas”, mas com as condições que “dão aos trabalhadores”, chegando “a estar 30 a 40 pessoas numa casa”.

Quanto ao futuro da atividade artística onde tem “empatados 40.000 euros em material”, não acredita que os “bailes voltem tão cedo” e teme que, até ao final do ano, continue a “não conseguir faturar”

Um dos estabelecimentos com mais movimento é o minimercado local, onde, entre os pedidos de pão e a procura de produtos nas prateleiras, o assunto do dia é a cerca sanitária e as suas consequências.

Bastou entrar para se ouvir as trocas de argumentos, mais ou menos acesas, sobre os trabalhadores agrícolas, as condições em que trabalham ou das carrinhas lotadas onde são transportados.

É depois das compras que uma cliente revela à Lusa a sua “estranheza” por ser obrigatória a “testagem” na escola onde a filha trabalha, mas nada disso se aplicar “nas estufas”.

Bento Luz, outro cliente que revelava uma argumentação acesa, assume-se indignado por duas das suas trabalhadoras não “terem conseguido passar” num dos postos de controlo da GNR quando se dirigiam para o trabalho.

“A sede da empresa é em aqui [S. Teotónio], elas vivem em Odemira, e os dois estabelecimentos são em Vila Nova de Milfontes e não as deixaram passar. Ainda tentaram dar a volta por S. Luís, mas também não passaram. Agora está a minha filha a tentar enviar uma declaração para ver se elas conseguem passar”, aponta.

O empresário manifesta alguma indignação por não saber quanto tempo “vai durar esta situação” e ainda alguma incerteza quanto à forma e ao tipo de medidas que foram “anunciadas pelo primeiro-ministro”.

“Sou sócio-gerente mas trabalhador, e não tenho direito a nada, mas as contas chegam para pagar e ninguém perdoa nada”, lamenta.

Circulando pelas estradas entre as duas freguesias em cerca sanitária, é possível ver vários carros patrulha da GNR, assim como carrinhas de transporte ou tratores para os trabalhos agrícolas.

A norte de São Teotónio, a ponte do Rio Mira, junto a Vila Nova de Milfontes, é outro dos pontos de controlo, para quem tenta aceder à freguesia de Longueira-Almograve, vindo tanto de Norte, como de Sul.

Juntamente com outros carros em circulação, a equipa de reportagem da Lusa é controlada e, antes que seguisse viagem, a patrulha da GNR aproveita para recomendar cautela.

“Vão andar a trabalhar aqui por estes dias? Tenham cuidado, que isto aqui está mesmo complicado”, alerta um militar.

 



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