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Sul Informação - O corpo das mulheres nunca será uma arma

O corpo das mulheres nunca será uma arma

O corpo das mulheres será uma causa e um abrigo, mas nunca terá a configuração de uma arma: causa – pela reivindicação coletiva de direitos que repõem uma justiça pública que durante muito tempo permaneceu nas mãos de decisores masculinos; abrigo – porque é contentor por excelência.

Qualquer tentativa de igualar o corpo feminino e o corpo masculino, no que diz respeito à ferocidade intrínseca, esbarra na evidência: aquele é redondo, o outro é flecha.

Vem esta imagem a propósito de se denunciar atualmente a posição de secundariedade a que as mulheres foram historicamente votadas, pela aparente inação do seu corpo, envelopado por excelência, lugar de esconderijo, velado, com a grande circunscrição a ser tecida em torno da casa, mais de todas as domesticidades ditas amansadas.

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Irrompem depois as vozes de amazonas imemoriais, que desenterram linhagens obscurecidas pelas luzes de todas as épocas, amazonas através das quais se reclamam latitudes de expansionismo territorial: sair do corpo, sair da casa, sair do buraco, sair da sombra, sair da secundariedade, sair, simplesmente, de todas as prisões secularmente tecidas em torno das mulheres.

Paradoxalmente, agora, pedem-nos para ficar em casa. Mas que casa construímos? Ou, diferentemente: será que temos ainda uma casa a onde regressar?

Ou, ainda diferentemente: será que não nos caberá construir a “casa”? Porque uma casa só pode ser construída a quatro mãos: femininas e masculinas.

Porque a casa que herdámos do século XIX, e que recobriu dialeticamente o século XX, pois foi contra ela que as mulheres lutaram, tinha paredes bem transparentes: de vidro.

Ou seja, as mulheres, não nos enganemos, sempre estiveram expostas publicamente desde o século XIX, mesmo se encerradas, como se denuncia, no privado, porque esse privado foi recoberto pelo público.

Será imprescindível ter a noção exata dessa exposição para que o corpo das mulheres não se torne numa autêntica chaga civilizacional. Perguntemos a quem tem uma ferida se a esgravata constantemente, ou se, numa perspetiva terapêutica, não a vai tentar sarar?

Pois creio que é bem tempo de percebermos coletivamente que o corpo das mulheres, efetivamente envelopado por excelência, lugar de esconderijo, velado, contém virtualidades preciosas que podem funcionar como análogos essenciais da experiência humana.

Tem predominado a flecha, ou seja, o corpo masculino, mas é bem o tempo do efeito redondo dos corpos femininos, não dominar, não, mas fertilizar imaginária, e efetivamente, o Mundo.

A onde é que, no limite, a flecha nos trouxe? À globalização espacial sem morada/s, ao turismo de massas, à gentrificação. A onde é que, no limite, a flecha nos pode levar? À Lua e a Marte, mas para o planeta dos marcianos apenas poderão ir alguns/algumas, e nem sequer é certo que sejam bem acolhidos pelos autóctones. Estamos no planeta Terra, até prova em contrário, e é aqui que urge inventar a/s morada/s, a viagem, as cidades.

Inventar a/s morada/s, a viagem, as cidades, implica, também e muito, perceber que existem desejos que apenas a imaginação pode solucionar através, sobretudo, da arte; existem desejos que não deverão passar da imaginação à concretização prática.

Para que tal suceda, será importante, parece-me: obstar a um pensamento de essencial abstração vazia, contrapondo-lhe ideias que vão grávidas de experiência, fertilizadas por palavras habitadas em que se sinta o corpo de quem as pronuncia.

Tal posicionamento sintetiza duas importantes consequências: por um lado, a experiência singular, e subjetiva, é valorizada enquanto inscrição na história comum, perfilando-se um coração comunitário; por outro lado, a partir do momento em que cada um/a é presença, e não número, as pessoas e as coisas recuperam os seus nomes próprios.

Recuperar o nome próprio, ou ser mesmo batizado/a, significa ostentar uma dignidade imprescindível.

Neste horizonte, a linguagem aparece em primeiro plano: reivindique-se a palavra pelas mulheres, o que lhe foi historicamente obstado; faça-se a palavra num corpo feminino, redondo, e reserve-se a flecha para os arremessos, também necessários, claro, da vontade. Insista-se numa cooperação mútua.

 

Autora: Cláudia Ferreira é natural de Coimbra. Licenciada em História/variante História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo frequentado Estética e Filosofia da Arte na FLUCL, em Lisboa, sendo nessa mesma cidade que viria a concluir o mestrado em Estudos sobre a Mulher – As Mulheres na Sociedade e na Cultura, concretamente, na FCSH da Universidade Nova de Lisboa, para, em 2019, obter o doutoramento em Estudos Contemporâneos na Universidade de Coimbra com a tese intitulada O Rosto das Horas: do feminino e do masculino, com a arte.
É investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX – CEIS20 e desempenha as funções de Técnica Superior na Câmara Municipal de Condeixa.

 

Sul Informação

 

 



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