Associação Zero denuncia nova destruição de flora ameaçada devido à plantação de olival intensivo

Cadastro Nacional dos Valores Naturais Ameaçados marca passo e Rede Natura 2000 é insuficiente, salientam os ambientalistas

Linaria ricardoi – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A associação ambientalista Zero denunciou que estão a ser destruídas quatro populações de espécies de flora ameaçada, junto a Beringel, no concelho de Beja, devido à agricultura intensiva.

Após denúncia de um cidadão, associados da Zero deslocaram-se ao terreno, onde constataram que está a ocorrer a «destruição de populações de várias espécies da flora ameaçadas, na sequência na sequência do arranque de mais um olival tradicional, com recurso a mobilizações de solo para instalação de um projeto de agricultura intensiva, junto a Beringel, concelho de Beja, dentro do perímetro de rega de Alqueva».

Em comunicado, a Zero esclarece que se trata «de importantes populações de Linaria ricardoi (espécie de conservação prioritária do Anexo II da Diretiva Habitats, com estatuto de “Em perigo”), de Bellevalia trifoliata (estatuto de “Criticamente em perigo”), de Echium boissieri (estatuto de “Vulnerável”) e de Galium viscosum (estatuto de “Vulnerável”)».

A associação acrescenta que já informou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sobre esta situação, mas sublinha que «as expetativas em relação à eficácia de atuação da referida entidade são quase nulas, atendendo ao facto de estarmos em presença de locais que estão fora de áreas classificadas».

A Zero remeteu também esta informação à EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva, «entidade que é responsável para gestão dos perímetros de rega e tem compromissos assumidos na conservação da espécie de conservação prioritária Linaria ricardoi, atendendo que a área de distribuição desta espécie é parcialmente coincidente com as áreas sujeitas à instalação do regadio».

 

ZEC de “Alvito-Cuba” deixa áreas importantes de fora

A Zero considera ainda, no seu comunicado, que «este é mais um caso em que se detetam insuficiências graves na aplicação da Diretiva Habitats, a qual obriga que os Estados-membros da União Europeia, como Portugal, assegurem a preservação dos habitats das espécies de interesse comunitário, delimitando áreas para o efeito».

No caso concreto, situação que há anos é do conhecimento do ICNF, as populações de Linaria ricardoi encontram-se quase totalmente fora dos 992 hectares das duas áreas disjuntas que formam a Zona Especial de Conservação (ZEC) “Alvito-Cuba”, a qual foi definida no ano 2000.

Esta situação foi relatada recentemente ao Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC), propondo a adição de novas áreas à ZEC que garantissem a preservação desta espécie fortemente ameaçada pelo avanço das culturas permanentes intensivas na área de Alqueva, mas o alerta da Zero «foi completamente ignorado pela equipa ministerial».

 

Informação sobre valores naturais classificados não está sistematizada

A Zero considera que«além das evidentes debilidades na representatividade de algumas espécies e habitats na Rede Natura 2000, passados mais de 20 anos sobre a designação de áreas destinadas à sua preservação, o país continua a não possuir um Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados, um arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies vegetais ou animais a que seja atribuída uma categoria de ameaça pela autoridade nacional de acordo com critérios internacionais definidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza».

Ainda que esteja previsto no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade publicado em 2008, este «importante instrumento de apoio à tomada de decisão» continua a não existir, apesar de já estar disponível a maior parte da informação que resultou da elaboração de listas vermelhas (flora vascular, invertebrados) ou da revisão dos livros vermelhos (peixes de águas dulçaquícolas e migradores, anfíbios e répteis, aves e mamíferos).

A sua publicação, sublinham os ambientalistas, permitiria «definir adequadamente as prioridades e gizar soluções de intervenção consequentes que melhorassem o estado de conservação das espécies e dos seus habitats».

 

MAAC tem que dar atenção à «verdadeira conservação da natureza»

Manifestando a sua «enorme preocupação com a inércia e a desatenção das autoridades», a Zero exige que a atual equipa do Ministério do Ambiente e Ação Climática «deixe de concentrar as suas preocupações no imprudente processo de cogestão das Áreas Protegidas e centre, desde já, a sua atuação na preservação os valores naturais ameaçados, muitos dos quais localizados fora das Áreas Classificadas (Áreas Protegidas, Rede Natura 2000 e outras resultantes de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português), encontrando os recursos humanos e financeiros para o efeito».

Para a associação, «parece ser urgente começar por melhorar a coerência ecológica e a eficácia da Rede Natura 2000, com a criação de novos Sítios e a revisão de limites de ZEC já existentes, sendo o caso de Linaria ricardoi a situação que requer mais atenção no imediato, antes que mais populações desapareçam».

No que respeita às outras espécies da flora e fauna ameaçadas, a Zero defende «o início de um debate na sociedade portuguesa no sentido de se encontrarem soluções que limitem fortemente as pressões e ameaças à conservação dos valores naturais que hoje ocorrem nos territórios, sob pena de assistirmos à extinção de mais algumas plantas e animais nos próximos anos em Portugal».

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