No Alentejo, há quem mantenha a tradição de «produzir dos melhores azeites do mundo»

O Sul Informação foi assistir ao início da campanha de apanha da azeitona na Herdade Maria da Guarda, em Serpa

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Não foi um ano com tanta abundância como o de 2019 nos olivais alentejanos, mas a qualidade, essa, «não está posta em causa» e estão garantidos os mesmos «95% de azeite virgem e virgem extra», graças a produtores que fazem questão de manter esta «tradição portuguesa de produzir dos melhores azeites do mundo».

O Alentejo já começou a safra da azeitona no final de Outubro e está deste então a produzir azeite novo. E foi para assinalar o início da colheita que a Olivum – Associação de Olivicultores do Sul e a Herdade Maria da Guarda, em Serpa, promoveram visitas aos olivais e ao lagar desta exploração agrícola, para as quais o Sul Informação foi um dos órgãos de comunicação social convidados.

Depois de, em 2019, o Alentejo ter tido uma campanha «com 140 mil toneladas de azeite, o recorde dos últimos 80 anos», 2020 não terá os mesmos números, «o que já era expetável».

«O que é muito interessante é que a qualidade não está posta em causa. Em termos de azeite virgem e virgem extra, perspetiva-se que tenhamos os mesmos 95% que tivemos o ano passado», revelou ao nosso jornal Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Olivum.

Estes são números válidos não só para o Sul, mas para todo o país e estão bem acima de outros países do Mediterrâneo.

«Para ter uma ideia, por exemplo, em Espanha e Itália, só 70% do azeite é que é virgem e virgem extra. Em Portugal, 95% do total do azeite produzido é virgem e virgem extra. Portanto, este número é único no mundo, tendo em conta estas especificidades do olival português e do olival alentejano», acrescentou.

 

Gonçalo Almeida Simões – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Certo é que grande parte deste azeite é produzido no Alentejo, que, muito graças ao perímetro de rega do Alqueva, «é hoje a região com maior produção de azeite em Portugal».

«Trabalham cerca de 32 mil pessoas a tempo inteiro na olivicultura, produção de azeite, comercialização e refinação. O setor tem sido um dos poucos que, no atual cenário de pandemia, conseguiu ultrapassar as dificuldades sentidas sem recurso a lay off ou despedimentos», segundo a Olivum.

A Herdade Maria da Guarda é um exemplo prático da aposta que tem sido feita na olivicultura e nos recursos humanos.

Esta propriedade, que há centenas de anos pertence à mesma família, reconverteu-se para a produção de azeitona em olival de sebe, em regime superintensivo, há  15 anos.

«O nosso é um olival em sebe que tem, sobretudo, três variedades internacionais: a koroneiki, que é grega, a arbequina, que é da Catalunha, e a arbosana, que é de Andaluzia. Mas depois temos uma parte com as variedades nacionais cordovil de Serpa e cobrançosa, que vendemos para o mercado nacional e a granel para as duas grandes marcas nacionais que são nossas parceiras desde o primeiro dia: o azeite Gallo e a Sovena», explicou ao Sul Informação João Cortez de Lobão, proprietário da Herdade Maria da Guarda.

Antes, e durante muitas décadas, produziam-se aqui cereais de sequeiro, como em boa parte das extensas herdades alentejanas.

«Esta herdade tinha, sobretudo, monocultura de cereais, que começámos a atualizar em 2005, com plantação de olival. Fomos crescendo de maneira a ter um lagar que permitisse tratar toda a azeitona da herdade e, também, receber de clientes externos azeitona, para que a moam cá e levem depois o seu azeite ou que o vendam», acrescentou o olivicultor alentejano.

Hoje, esta empresa agrícola está «vocacionada para a produção de azeite qualidade topo e vender o azeite a granel para as principais embaladoras do mundo».

 

 

«A vocação da herdade é produzir muito azeite a um preço muito competitivo, de modo a fornecer o mundo inteiro. Este ano devemos produzir qualquer coisa como 1,5 milhões de quilos de azeite. Portugal é capaz de produzir cerca de 100 milhões este ano, portanto falamos de 1,5% da produção nacional. Este é um número simpático, mas não é isso que nos motiva. Aquilo que nos motiva é produzir o máximo possível, com qualidade de topo, a um preço imbatível, para podermos estar no mercado muito tempo», disse.

Este olivicultor também tem «uma marca própria muito reduzida, que fornece micro mercados, mas que serve, principalmente, para oferecer àquelas instituições que dão apoio social às populações. Nesta altura da pandemia, sobretudo, temos uma componente de oferta de azeite muito maior do que o que tínhamos. E fornecemos com a nossa marca».

A grande quantidade de azeite produzida pela Herdade Maria da Guarda deve-se não apenas à elevada extensão do olival ali existente, cerca de 630 hectares, mas também ao método de produção e ao facto destes serem olivais de regadio e não de sequeiro, ou seja, que são regados sempre que necessário.

As oliveiras que cobrem os campos desta exploração agrícola de Serpa são baixas, com copas compactas e não muito volumosas. Isto permite a apanha mecanizada, com um trator de grande dimensões, que envolve as árvores e faz a colheita numa linha de árvores em poucos minutos.

Estas azeitonas são, logo de seguida, levadas para o lagar da herdade, onde chegam pouco depois de ser colhidas e onde são logo processadas e transformadas em azeite.

No caso da Herdade Maria da Guarda, tudo acontece «muito rapidamente».

 

João Cortez de Lobão – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«No máximo seis horas depois, a azeitona está no lagar para não perder qualidade, para o azeite ser de qualidade de topo. Nós temos em Portugal esta tradição de produzir dos melhores azeites do mundo e, aqui na herdade, trabalhamos para honrar a fama que Portugal tem, que é de ter mais de 90% da sua produção em azeite extra virgem. E extra virgem consegue-se não só pela qualidade da azeitona mas também porque a azeitona é rápida a chegar ao lagar e não perde qualidades. Não está nem ao sol, não está dentro de sacas, poucas horas depois já está dentro da máquina, que a espreme e que a transforma em azeite saudável», descreveu João Cortez Lobão.

«O facto de o lagar estar o mais perto possível da exploração assegura a sustentabilidade ambiental, do ponto de vista do transporte, uma vez que não há necessidade de fazer uma viagem tão grande, mas é sobretudo importante do ponto de vista da qualidade. Porque garante que a azeitona chega do olival ao lagar num curto espaço de tempo. E isso é discriminado de forma muito positiva pelos consumidores a nível internacional: saber que rapidamente a azeitona chegou do olival, foi processada e que depois o azeite foi embalado para seguir para os seus vários destinos», resumiu, por seu lado, Gonçalo Simões.

No entanto, este método produção superintensivo não é bem visto pelas associações ambientalistas, devido ao maior gasto de água em relação à produção em regime de sequeiro, que vive apenas da água que a natureza fornece, e o uso de fitofármacos, entre outros problemas.

Por outro lado, há a questão da apanha mecânica, nomeadamente a apanha noturna, devido aos impactos e grande mortandade que causa na avifauna.

Neste último campo, Gonçalo Simões revela que a Olivum tem feito um esforço para sensibilizar os seus associados para a supressão da apanha noturna.

«O que nós fizemos, juntamente com a Confagri, com a Confederação de Agricultores de Portugal e com a Casa do Azeite – bem antes, aliás, da campanha ter começado, antes do Verão -, foi assinar conjuntamente uma recomendação de suspensão voluntária da colheita noturna. Tal como o nome indica, é uma recomendação, é voluntária, e vamos ver como é que as coisas correm durante esta campanha. Dependerá de herdade para herdade, mas a vontade é que consigamos por o setor num caminho cada vez mais sustentável», revelou o diretor executivo da Olivum.

A Herdade Maria da Guarda foi uma das que aderiu a esta recomendação.

Quanto ao facto do olival escolhido como exemplo, no lançamento da campanha deste ano, ser do chamado regime superintensivo, o representante dos olivicultores do Sul defende que, tudo pesado, este método não tem o impacto ambiental que lhe é imputado.

«Nestas questões, temos que ir pelo campo da evidência científica. E esta diz, basicamente, que o olival moderno, quer em copa, quer em sebe, consome 3500 metros cúbicos de agua, o que quer dizer que está no top 3 de todas as 20 culturas presentes no perímetro do Alqueva. Em termos de fitofármacos, apesar de ter 360 mil hectares a nível nacional, consome apenas 8% do total. Outro dado muito interessante é que os estudos apontam para um sequestro de carbono entre 5 e 8 toneladas por hectare neste tipo de olival e, portanto, estes parecem-nos dados ambientais, vindos de evidência científica, que dizem tudo o que há de positivo em relação a este setor», afirmou.

 

 

Já João Cortez de Lobão assegura que, na sua exploração, tudo é feito «com muito cuidado» e da forma mais sustentável possível.

No que toca ao uso da água, são usados sistemas de rega inteligentes, tendo em conta que «a água é um bem escasso e caro».

«Tem que ser dado com propriedade, com critério. Nós só pomos aquilo que a natureza, que a chuva, não nos dá. Quando o São Pedro é mais generoso, não temos que pôr muito. Em anos que o São Pedro está focado noutros trabalhos, temos que ser nós a cuidar das árvores e a regar com critério, com cuidado, de maneira a não ter de mais, porque custa dinheiro, nem de menos, para que a árvore possa estar saudável», ilustrou.

Aliás, o investimento num olival de regadio só foi possível graças ao perímetro de rega do Alqueva.

«A seca é sempre um problema, mas a criação da barragem do Alqueva demonstrou ser um pulmão que equilibra, para os anos em que há secas. Portanto, aos sítios onde o Alqueva chega, os agricultores têm essas defesas. Nos outros sítios, não temos essas defesas e temos que jogar com outras culturas. Em Mértola, só se pode ter, praticamente, montados de caça, porque não se consegue regar, portanto, há outras prioridades. O Alqueva trouxe pelo menos 20 variedades diferentes de cultura para o Alentejo», disse o proprietário da Herdade Maria da Guarda.

Antigamente, «o Alentejo só tinha, praticamente, a monocultura dos cereais de sequeiro – isso e o montado -, que levava à exaustão da terra. Aliás, éramos obrigados a parar um ano, de vez em quando, porque a terra estava exausta. E não só porque levava químicos em abundância, nomeadamente o DDT que, felizmente, foi depois proibido, porque matava tudo o que era animais».

«A água do Alqueva permitiu criar uma grande diversidade. Hoje em dia, temos vinhas espetaculares nesta zona do Alentejo, temos amendoal, olival, uva de mesa e frutos vermelhos, tudo coisas que antes não tínhamos».

 

João Cortez de Lobão – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

E o aumento da biodiversidade não se nota apenas na flora, mas também na fauna.

«Hoje, vejo muito mais javalis nesta região do que via quando era miúdo. Voltei a ver cágados, que era uma espécie que esteve, praticamente, desaparecida, com o DDT e com as secas. E, hoje em dia, o facto de haver charcos espalhados por todo o sítio, permitiu que houvesse outra vez patos, várias outras espécies de aves e animais e até raposas», disse João Cortez de Lobão.

Este produtor agrícola assegura, de resto, que dá grande importância à sustentabilidade ambiental, mas sem esquecer a componente social.

«Nesta herdade, só há produtos naturais. As folhas são espalhadas novamente no terreno, para servirem de adubo natural. E tudo o resto é aproveitado. Fazemos compostagem, que depois também serve para adubar», disse.

A Maria da Guarda é, de resto, uma das explorações que integra o projeto URSA – Unidades de Recirculação de Subprodutos de Alqueva, da Edia.

Por outro lado, «o caroço é aproveitado para construir peletes para aquecimento central, que se vendem para os países nórdicos. Portanto, neste setor tudo é reaproveitado. Há uma pequena parte que não é reaproveitável, mas que é tratada e serve para adubar o terreno. Devolvemos ao terreno aquilo que ele precisa para alimentar a árvore e fechar o ciclo».

Mas esta empresa agrícola também aposta forte «na sustentabilidade das pessoas».

«Criámos aqui bastante emprego, com a reconversão para olival. A herdade, antigamente, tinha dois trabalhadores. Neste momento, tem 40. Estamos a falar da mesma área de produção», contou.

«Além disso, temos a preocupação de que as pessoas constituam família aqui nesta zona. Por exemplo, cada colaborador que tem um filho recebe um prémio de 800 euros líquidos no mês em que a criança nasce.  Por cada filho, recebe mensalmente, e até a criança fazer 18 anos, um apoio para compras no supermercado de 40 euros por mês, por criança. E  há prémios trimestrais», contou João Cortez de Lobão.

Tudo isto são formas de fazer com que a agricultura seja vista, novamente, como um setor aliciante para se trabalhar.

«É muito mais saudável viver no interior, mas é preciso que se criem as oportunidades para que as pessoas se sintam realizadas nos seus sonhos, não só em termos materiais, mas também em termos de qualidade de vida. O dinheiro não traz a felicidade, mas é preciso ter o mínimo para que a felicidade seja, também, mais alcançável», rematou o proprietário na Herdade Maria da Guarda.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 

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